Há algumas semanas, discutimos aqui sobre as reações de crianças pequenas em conflitos. Uma situação relacionada ao tema e sobre a qual eu gostaria de refletir com mais cuidado hoje é a seguinte: frequentemente, pequenos por volta dos 3 ou 4 anos são alvo de repetidas agressões físicas cometidas por algum colega. Para o educador que enfrenta situações como essa, surgem muitas dúvidas e preocupações: “são tão pequenos, será bullying?”, “devo incentivar o agredido a bater de volta?”, “como intervir?”
Pesquisas apontam a ocorrência de bullying a partir dos 4 anos de idade, então ele não pode ser descartado. Entretanto, nossa maior preocupação deve se voltar para a escolha de intervenções construtivas que busquem favorecer o desenvolvimento de atitudes pró-ativas.
Como falamos há algumas semanas, a utilização da força física para resolver problemas entre pares é natural nas crianças menores, mas há grande diferença entre seu uso na busca pela resolução de um conflito e seu uso injustificado, ou seja, sem que haja nenhum disparador.
No primeiro caso, trata-se de uma reação impulsiva utilizada na tentativa de ter uma vontade satisfeita. No segundo, ela se dá pelo simples prazer de causar a dor. Embora de naturezas distintas, ambos os casos merecem muita atenção porque no mínimo, envolvem o sofrimento de alguém, ainda que no segundo possa haver a necessidade da intervenção de outros profissionais para uma avaliação mais detalhada, com orientações específicas para situações de maior gravidade.
Em paralelo com as dificuldades do professor em lidar com tais situações, há também a indignação das famílias dos que são vítimas das agressões. Muitas vezes movidos pela emoção, os pais orientam os pequenos a revidar. E com isso, temos um cenário em que a busca por soluções respeitosas fica comprometido.
A grande questão está em justamente apresentar para as crianças outras possibilidades de se relacionar, principalmente diante das situações de conflito. Permitir que batam de volta? Jamais. Colocar pra pensar? Já sabemos que não resolve, até porque não é coerente com o estágio de desenvolvimento em que estão (veja aqui um vídeo sobre o uso do “cantinho da disciplina”).
O caminho, insisto, é sempre colocar os envolvidos juntos e estimulá-los a compartilhar os sentimentos. Esse tipo de intervenção auxilia as crianças a reconhecer outras perspectivas além das próprias, a pensar em maneiras alternativas ao invés de bater, e meios de reparar o dano causado. O que deve ficar claro é que todo sentimento pode e deve ser acolhido, ou seja, há permissão para o sentir e o pensar. As ações, entretanto, precisam ser limitadas.
A passagem das reações físicas ao compartilhamento verbal das emoções é um processo que requer tempo. Por isso, ter na sala um boneco do tipo João Bobo, no qual seja possível extravasar a raiva, pode ser proveitoso. E você pode questionar: “Mas isso não incentiva a violência?”. Incentivar a violência é permitir que prevaleça a máxima do “olho por olho, dente por dente”. A sugestão do boneco é uma permissão para a ação simbólica da criança que, certamente, alivia seu mal-estar, podendo socar algo e não alguém.
Utilizar boas intervenções somente na hora do conflito não basta, uma vez que esses momentos se direcionam somente aos envolvidos. Por isso, deve-se implantar um trabalho sistemático que busque prevenir as situações de uso da violência.
Os professores devem propor atividades abrangendo o trabalho de três dimensões das relações interpessoais: a dimensão de si, da relação entre pares e da relação com a autoridade. Isso significa planejar atividades que permitam o reconhecimento dos próprios sentimentos e dos sentimentos do outro frente a uma situação fictícia de conflito, podendo ser uma cena entre pares ou entre a criança e a autoridade (adulto). As propostas do professor devem permitir que os pequenos expressem seus sentimentos.
Existem diversas situações que podem ser utilizadas em sala de aula. Indico algumas obras que podem ser utilizadas como fonte de inspiração. As duas primeiras foram escritas pela pesquisadora Luciene Tognetta: A Construção da Solidariedade e a Educação do Sentimento na Escola e A Formação da Personalidade Ética. Nelas, a autora traz uma variedade de propostas que atendem a diferentes idades e estágios de desenvolvimento. As propostas dela são baseadas no que Genoveva Sastre e Montserrat Moreno defendem na obra Resolução de Conflitos e Aprendizagem Emocional. Há também ricas sugestões dadas por Denise Tardelli para um trabalho em que os filmes e desenhos servem de disparadores para ótimos momentos de reflexão e representação de conflitos. Elas estão no livro O Herói em Sala de Aula.
Nossa postura deve buscar influenciar as crianças para o exercício do respeito mútuo e da confiança, princípios morais necessários para a construção de relações justas e socialmente desejáveis. Compartilhar com as famílias esses conhecimentos e princípios é também investir numa parceria necessária para a formação dos pequenos. E você? O que pensa sobre a cultura do “bateu, levou”? Compartilhe conosco sua experiência.
Cumprimentos mineiros e até a próxima segunda!