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Blog Aluno em Foco

Questões sobre orientação educacional, ética e relacionamentos na escola

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Refletindo sobre a competitividade

POR:
Flávia Vivaldi

Foto: Shutterstock

“O importante não é vencer, mas competir, e com dignidade.” Cresci escutando meu pai dizer esta frase. Confesso que, muitas vezes, ao ouvi-la, principalmente quando não era eu quem tinha vencido uma disputa, falava para o meu pai: “Mas ganhar é muito melhor. Ninguém compete para perder!” Ele insistia: “Participar e saber perder é muito mais difícil, por isso mais importante.” E eu acabava aceitando, muito mais porque era meu pai quem falava do que por compreender ou concordar com a ideia.

Durante minha vida escolar foram muitos os momentos em que eu buscava nessa frase algum alento para o sentimento de derrota diante de um jogo perdido, de uma nota mais baixa ou de qualquer outra situação em que eu me sentia inferior aos outros.

Mas, inferior a quê? A resposta eu só descobri muitos anos mais tarde, quando fui estudar sobre a construção da personalidade. Quando me sentia inferior não me reconhecia de maneira positiva porque somente os vencedores e aqueles que tinham as notas mais altas recebiam o reconhecimento das pessoas que eram nossas referências, os professores. Nessas horas, eles recorriam a expressões como “não fique triste, da próxima vez você vai se sair melhor”. Mas era exatamente esse tipo de “conforto” que mais me incomodava porque deixava evidente que o sucesso e a vitória eram mais importantes e valiam mais do que o esforço, a dedicação e a participação.

No Ensino Médio, a mensagem se radicaliza: “O mundo é competitivo e só os melhores vencem”. Como consequência desse discurso, a escola não considera as características e competências individuais, descarta completamente a análise e o reconhecimento do processo e se concentra somente nos fins. Isso é uma distorção e um prejuízo para a vida em sociedade porque, para conquistar melhores resultados, as pessoas passaram a adotar atitudes e posturas que se distanciam de conteúdos éticos.

Precisamos esclarecer algumas questões! Competir, vencer e perder são experiências necessárias ao desenvolvimento. Competir, no sentido de enfrentar um desafio, é extremamente saudável. Vencer pelo esforço e foco e pela dedicação é se sentir como alguém de valor positivo,e não como o melhor, o que, portanto, se transforma em uma ótima chance de exercer a humildade. Já perder é uma oportunidade para aprender a lidar dignamente com a frustração de não se alcançar o resultado desejado, buscando uma reavaliação dos meios utilizados. Há, portanto, a necessidade de perceber que sempre há espaço para uma experiência moral positiva, tanto em situações de competição quanto nas de cooperação.

É evidente que o exercício moral fica mais claro nas atividades cooperativas que, por serem também coletivas, favorecem o espaço para as trocas, a participação e a construção de vínculos de confiança. Mas também os jogos de competição são experiências de cooperação entre as equipes que se enfrentam. Ainda que a cooperação esteja presente nas equipes, e não entre elas, há a necessidade de confiança e troca entre o grupo que certamente age em prol do mesmo objetivo: alcançar bons resultados em uma disputa. O problema é que o fortalecimento da ideia de sucesso individual como valor máximo desconsidera por completo o próximo e o coletivo, em outras palavras, ignora a natureza social do ser humano, em nome da cultura da meritocracia.

A atenção, portanto, deve estar na mediação das situações cooperativas e de competição. Ao se concentrar no processo e tirar um pouco o foco dos resultados, elas se tornam ricas oportunidades de se trabalhar com valores, já que o engajamento dos alunos é sempre maior nas propostas em que os grupos se desafiam.

Nesses momentos, é importante o professor cuidar para que todos tenham oportunidades de participação. Isso, muitas vezes, aponta para a necessidade de combinar antes com os estudantes estratégias de formação de grupos que utilizem mecanismos aleatórios para a constituição da equipe: código de cores, mesmas iniciais do sobrenome, sorteio etc. O que também exige do educador o cuidado para que não haja nenhuma manifestação desrespeitosa em relação aos alunos que normalmente são os últimos a serem escolhidos – quando o são.

A mediação do docente também deve garantir a ajuda mútua, a escuta e o respeito. Para tanto, ele pode propor uma avaliação na qual a turma possa apresentar os pontos positivos e negativos de uma atividade (e não dos participantes), o que permite a reflexão sobre o que pode ser melhorado ou mantido.

Isso tudo me faz pensar que talvez o que eu não entendesse na frase repetida tantas vezes pelo meu pai era o trecho com dignidade”, que hoje vejo que significa a experiência de sentir que você fez o melhor que podia, deu o melhor de si e se superou, tanto em relação a desafios individuais como a coletivos. É sentir respeito por si. E como bem afirma Yves de La Taille em seu livro Moral e Ética: Dimensões Intelectuais e Afetivas, “não há possibilidade de respeitar a outrem na sua dignidade sem, ao fazê-lo, experimentar o sentimento da própria dignidade”.

E você? Como lida com o espírito competitivo dos alunos? Compartilhe conosco suas experiências.

Cumprimentos mineiros e até a próxima segunda!