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O desenvolvimento profissional de professores

Júlio Emílio Diniz-Pereira analisa o que pode ser aprimorado na formação continuada de professores

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Júlio Emílio Diniz-Pereira
Júlio Emílio Diniz-Pereira. Foto: Arquivo pessoal
Júlio Emílio Diniz-Pereira Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Ao olharmos, historicamente, para a formação docente, percebemos que ela esteve, por muito tempo, restrita a cursos nas instituições de Ensino Superior e de Ensino Médio (curso Normal). A ideia de que o processo não termina com a conclusão dessa etapa começou a ganhar força, no Brasil, na segunda metade dos anos 1980. Desde então, a preparação de professores passou a ser comumente dividida em duas etapas: a inicial ou pré-serviço e a continuada ou em serviço. No entanto, em função das especificidades brasileiras, esses termos - traduzidos e adotados acriticamente com base nas expressões em inglês preservice teacher education e in-service teacher education - são bastante inapropriados, pois há um grande contingente de pessoas que, ao ingressar na graduação, já atua no magistério há vários anos. Por isso, a formação continuada tornou-se uma expressão bastante conhecida e usada por aqui.

Não tardou muito e surgiram novas críticas, dessa vez à visão compartimentada de degraus de formação. Defendeu-se a necessidade de superar a concepção de que ela ocorre em momentos estanques, que se encerram em si mesmos. Sugeriu -se, então, que passássemos a examiná-la como um processo que acontece em um continuum (Nóvoa, 1991; 1992). Todavia, infelizmente, a formação continuada ou contínua que conhecemos configura-se, na maioria das vezes, por ações isoladas, pontuais e de caráter eventual. Trata-se de algo muito mais descontínuo!

Apesar disso, ainda predomina a oferta de cursos de curta duração - atualização, aperfeiçoamento ou "reciclagem" - ou de pós-graduação lato sensu em que os temas e os conteúdos tratados não refletem obrigatoriamente as necessidades formativas desse público. Os professores passam a colecionar certificados que podem significar um pequeno aumento nos baixíssimos salários e que, geralmente, não trazem muitos ganhos para a prática na sala de aula.

Em contraposição a essa descontinuidade, discute-se hoje a ideia do desenvolvimento profissional (termo utilizado em países como a Inglaterra e os Estados Unidos desde os anos 1980) dos educadores como um esforço vinculado ao trabalho que desenvolvem. Sendo assim, não podemos nos esquecer do princípio da indissociabilidade entre a formação e as condições adequadas para a atuação docente - salários dignos, maior autonomia profissional, dedicação exclusiva a uma escola, pelo menos um terço da jornada reservada ao planejamento, reflexão e sistematização da prática, estudos individuais e coletivos e salas de aula com um número reduzido de alunos. Do contrário, poderíamos assumir, de um lado, uma posição de que tudo de ruim que existe na Educação acontece devido aos professores e sua falta de preparo (tese da culpabilização) ou, de outro, a postura de que os docentes não têm nada a ver com os problemas atuais do ensino, sendo, portanto, apenas vítimas de um sistema perverso e excludente (tese da vitimização). Tais posições - a primeira, em geral, adotada pelas secretarias de Educação e a segunda pelos sindicatos - não são produtivas e pouco contribuem para o avanço do debate e para a superação de dificuldades.

Dessa maneira, uma vez garantidas as circunstâncias necessárias para uma boa realização do trabalho, concebe-se a escola como um locus privilegiado para o desenvolvimento profissional dos docentes. Ou seja, ela é um espaço de construção coletiva de saberes e práticas. A participação das pessoas nesse processo é considerada, por si só, algo extremamente formativo. Tem-se, então, a ideia da escola como um projeto permanentemente em construção e os sujeitos que dele participam se formam coletivamente nesse contexto. É importante ressaltar que a pesquisa-ação - caracterizada pela investigação sobre o currículo, a sala de aula, o ensino e a aprendizagem para resolver problemas advindos da prática pedagógica - é uma atividade fulcral nesse modelo (Diniz- Pereira, 2002; Diniz-Pereira e Zeichner, 2002; Zeichner e Diniz-Pereira, 2005).

Por fim, a literatura especializada é insistente em alertar que a ausência de condições adequadas para o magistério impede o fortalecimento da escola como locus privilegiado de desenvolvimento profissional. A precarização do espaço educativo, a intensificação do trabalho e o maior controle sobre os docentes levam à deformação gradativa desses profissionais desde quando eles ingressam nas redes de ensino (Arroyo, 1985).

O papel dos gestores na formação

Nesse contexto, vale discutir a atuação específica dos gestores escolares (coordenadores pedagógicos e diretores) no desenvolvimento profissional das equipes. Os coordenadores, por exemplo, podem exercer o papel de colaboradores externos ou facilitadores da pesquisa desenvolvida pelos professores sobre a prática. Para tal, eles precisam ter bastante familiaridade com os propósitos da pesquisa-ação e com os métodos e instrumentos da pesquisa qualitativa em Educação. Ao agir dessa maneira, eles ajudam os docentes a formular perguntas sobre os processos de ensino e aprendizagem, a pensar em intervenções pedagógicas e a coletar evidências empíricas de que essas intervenções realmente podem levar a resultados melhores. Profissionais que atuam dessa maneira são bastante conhecidos em países como a Inglaterra e os Estados Unidos desde os anos 1980. Na rede municipal de Madison, em Wisconsin, contratam-se facilitadores para atuar com os docentes no desenvolvimento de projetos de investigação-ação.

Os diretores, por sua vez, precisam atuar como lideranças de todo esse processo e colaborar para desenvolver nas escolas uma cultura de produção de conhecimentos e saberes por meio da sistematização das práticas pedagógicas. Também têm, é claro, de lutar (dentro das suas limitações) para garantir as condições materiais para que isso realmente aconteça. Nesse sentido, eles precisam, por exemplo, destinar espaços adequados para estudos individuais e coletivos dos docentes, garantir bibliotecas com um acervo voltado para os professores (e não apenas para as crianças) e incentivar que os educadores busquem qualificação que colabore para o desenvolvimento de pesquisas sobre as práticas deles.

A ideia de formação continuada como desenvolvimento profissional não impede, porém, que os docentes se distanciem, de tempos em tempos, da realidade em que vivem, encontrem profissionais de outras escolas e vivenciem momentos intensos de estudos para fundamentação teórica de suas práticas, de trocas de saberes experienciais, de conhecimento de outras realidades, bem como de reflexão individual e coletiva sobre as ações deles. Aliás, tais afastamentos periódicos e temporários, com remuneração integral dos salários, visando a uma maior qualificação passam a ser reivindicados como direito dos profissionais.

Apesar da precariedade da situação geral da formação docente no Brasil, o país já destina recursos e esforços para essa área. É necessário e urgente, portanto, direcioná-los para ações mais efetivas, melhor planejadas e que de fato colaborem para o desenvolvimento profissional e não apenas para o atendimento a palestras e cursos desconectados da realidade.

Referências bibliográficas

  • Arroyo, M. G. Quem De-forma o Profissional do Ensino? Revista de Educação AEC. Brasília: 1985.
  • Diniz-Pereira, J. E. A Pesquisa dos Educadores como Estratégia para Construção de Modelos Críticos de Formação Docente. In: Diniz-Pereira, J. E., e Zeichner, K. M. (orgs.). A Pesquisa na Formação e no Trabalho Docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2002, p. 11-42.
  • Diniz-Pereira, J. E., e Zeichner, K. M. (orgs.). A Pesquisa na Formação e no Trabalho Docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
  • Elliot, J. Implications of Classroom Research for Professional Development. In: Hoyle, E., e Megarry, J. (orgs.). Professional Development of Teachers. London: Kogan Page, 1980, p. 308 -324.
  • Nóvoa, A. Profissão Professor. Porto: Porto, 1991.
  • Nóvoa, A. Os Professores e Sua Formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.
  • Zeichner, K. M., e Diniz-Pereira, J. E. A Pesquisa dos Educadores e a Formação Docente Voltada para a Transformação Social. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, p. 63-80, 2005.

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