Olá,
O Dia do Índio (19 de abril) está próximo e esta data traz uma grande inspiração para questionar se estamos mesmo usando a ocasião para tratar das questões indígenas na escola de maneira apropriada e capaz de influenciar a formação dos alunos.
Ao longo da minha trajetória profissional, tive, e ainda tenho, o grande privilégio de conhecer e conviver com várias lideranças indígenas que me ensinaram com sabedoria e simplicidade muitas formas de aprender com a natureza e entender a essência da vida e o propósito de conviver num mesmo planeta. Muitas dessas lideranças que influenciaram minha jornada também são educadores, como o grande amigo e parceiro Kaká Werá, do Instituto Arapoty, que tem um blog muito interessante. Além dele, outros como Daniel Munduruku, Siridiwê Xavante e Yaporâ Katuka têm desenvolvido importantes trabalhos para difundir a cultura indígena de maneira criativa e atualizada.
Tais esforços colaboram para mudar a opinião dos alunos diante de mitos ou fatos que ainda são contados na sociedade e que não condizem com a verdade. Alguns desses pontos problemáticos estão relatados no texto “As 10 mentiras mais contadas sobre os indígenas”, da antropóloga Lilian Brandt, publicado no Portal Forum. Entre as falácias descritas estão as ideias de que “quase não existe mais índio” e de que “no Brasil não há racismo”. É um excelente material para você realizar uma leitura compartilhada e abrir uma reflexão com sua equipe de professores.
Então, após a leitura, vocês podem conversar sobre como a escola vem trabalhando este tema, não só no Dia do Índio, mas de uma forma integrada e transversal ao currículo. Afinal, segundo os dados apresentados por Lilian, o censo de 2010 mostrou que mais de 817 mil brasileiros se autodeclararam indígenas, representando 0,47% da população, e eles estão distribuídos em 305 etnias e falam 274 línguas. Os que vivem em áreas urbanas somam 324 mil, ou seja, 36% do total da população indígena, um número que vem crescendo ano após ano.
Para fugir dos mitos
Como estamos, então, reconhecendo e valorizando esta riqueza sociocultural tão representativa? Com base nos pontos levantados por Lilian, proponho algumas questões que podem colaborar para atualizar a abordagem sobre o Dia do Índio e ir além do que muitos livros apresentam. São perguntas que abrem debates e podem ser aplicadas ora com os docentes, ora com os alunos, fazendo parte de uma sequência de trabalho. Vamos a elas.
1) O índio só tem um dia por ano? Na sua escola, esta data tem se restringido a caracterizações como fantasias, adornos e exposições de artesanato, cantos e danças? Ou são promovidas pesquisas com os alunos, baseadas na atualidade das questões indígenas? Proponha estudos e atividades sobre quem são e onde vivem os índios brasileiros de hoje, seus direitos, sua situação territorial, os impactos sociais e ambientais que eles sofrem, suas valiosas contribuições para nossa língua e nossa cultura e os conhecimentos que estão se perdendo na sala de aula e na vida. São muitos conteúdos que podem perpassar várias disciplinas ao longo do ano e não apenas em uma data especial.
2) O que é um “programa de índio”? Há quem use o “dia de índio” como um termo pejorativo para indicar um dia ou passeio cheio de imprevistos e problemas! Há, também, quem diga que os índios são preguiçosos, atrasados, pois não acessam o progresso das cidades, não frequentam escolas boas como os brancos e um monte de absurdos que percebo influenciar, seriamente, o discurso e o aprendizado de crianças e jovens. Os professores podem estimular uma discussão sobre este uso da expressão e fazer um levantamento sobre as percepções dos estudantes sobre o assunto. Com base nisso, podem planejar novas abordagens para fugir dessa visão simplista e promover uma descoberta dessas culturas plurais com as quais convivemos.
3) Os direitos dos índios são os mesmos direitos dos outros brasileiros? Todos nós buscamos acesso a moradia, Educação, saúde, transporte, lazer, qualidade de vida e terra ou espaço para produzir os bens de consumo e gerar renda. Esses aspectos estão claros quando pensamos em nossa vida, mas muitas pessoas têm dificuldade de tratar com seriedade quando eles são abordados do ponto de vista dos povos indígenas. Muitos grupos tradicionais perderam qualidade de vida e, principalmente, condições de saúde, em razão da busca desenfreada pelo que se chama de progresso. É primordial relativizar essa questão e buscar se colocar no lugar dos outros. Ao ampliar o olhar de educadores e alunos para a realidade indígena, estamos buscando o verdadeiro sentido da cidadania e da evolução dos humanos na mesma grande casa Terra que acolhe a todos, indistintamente.
Termino este texto com muita gratidão e uma homenagem aos representantes das nações indígenas no Brasil e no mundo que, apesar de tantos desafios, com sabedoria, coragem e profunda reverência e respeito pelo planeta têm nos ajudado a restabelecer as conexões com a essência da vida! Xipat (“tá bom, tá na hora”, em munduruku) e espero notícias sobre o que a sua escola está fazendo para ter um Dia do Índio diferente do usual!
Andrée