A calmaria das férias é ótima para revisitar boas lembranças e lições aprendidas. Quero contar uma que me ocorreu dia desses, vinda do longínquo ano de 2008.
Já faz parte do imaginário coletivo a figura de Pinóquio, o boneco de madeira que é tão vivo que sabe até contar mentiras – ele só não aprendeu a disfarçar; o nariz cresce e a verdade aparece. As crianças, em geral, conhecem bem as linhas gerais dessa história e se divertem com o personagem. Isso não significa que a escola não possa explorar mais esse universo.
É importante ampliar as referências dos alunos, trazendo novas histórias para as aulas de leitura. Mas não podemos esquecer que os clássicos nunca se esgotam. Aliás, é justamente por isso que são considerados clássicos: geram interesse de geração em geração e podem ser apropriados por leitores e escritores de diversas maneiras, dando origem a novas adaptações, a novas narrativas.
Tive esse insight em uma formação que participei naquele ano, pela rede municipal aqui, de Rio Piracicaba, interior de Minas Gerais. Os professores do 4º ano planejavam juntos situações didáticas cujo objetivo era desenvolver os comportamentos leitores. A nossa reflexão era sobre como encontrar maneiras diferentes de explorar a leitura. Daí, surgiu a proposta de aproveitar as muitas versões do clássico Pinóquio para trabalhar comparações. Foi, então, que tive a ideia de levar o boneco de madeira para nossa escola.
A sequência proposta na formação estava organizada em 4 etapas: (1) leitura da versão original do livro de Carlo Collodi (considerada bem escrita), em que os alunos analisariam com o professor cada capítulo da obra e as características físicas e psicológicas dos personagens, além da rica linguagem; (2) leitura da versão adaptada de Cecília Casas, bem mais resumida; (3) produção escrita de um capítulo da história do livro da Cecília Casas, acrescentando detalhes; e (4) comparação dos textos lidos e produzidos com o filme baseado na história.
O primeiro desafio era que a sequência não estava planejada detalhadamente, aula a aula. Então, tive que estudar junto com os docentes cada etapa e pensar no que efetivamente ia ser feito. Por isso, organizei um plano de trabalho com as professoras nos horários de HTPC, para realizar a leitura de cada capítulo e selecionar aspectos que deveriam ser levantados com as crianças, como a descrição dos cenários, os personagens, as expressões usadas pelo autor, os diálogos etc. Só depois planejamos as intervenções.
Durante o percurso, alguns professores se mostraram resistentes. Na cabeça deles, ainda havia a noção de que planejar a leitura de cada capítulo e separar os pontos a serem ressaltados era algo desnecessário. Afinal, “ler para a turma é simples, não precisa de planejamento”, diziam. Outro problema foi a resistência em registrar cada uma dessas intervenções, sem organizá-las num documento, de forma sistematizada.
Superar essas relutâncias demandou de mim um trabalho de convencimento. Argumentei que trabalhar com versões de um mesmo texto, ainda mais quando se tem a impressão de conhecê-lo bem, pode dar a falsa impressão de que há um domínio completo do livro. A chance de fazer confusão entre as várias versões é enorme. Além disso, o registo detalhado poderia ser um arquivo valioso e aproveitável em outras situações, evitando muito retrabalho no futuro.
Logo que a equipe saiu para dar a primeira aula da sequência, percebeu na prática como o planejamento detalhado foi útil. Ao invés de “caçarem” na hora trechos a serem comentados, elas pouparam tempo e foram direto ao ponto. E, ao partir de um plano teórico para a prática, puderam fazer comparações entre o que foi pensado e o que foi concretizado, tirando lições que permitiram revisar e modificar o planejamento das aulas seguintes.
E foi assim que o menino Pinóquio nos fez ver que planejamento detalhado é importante de verdade.
Ah, e se ficou interessado em conhecer os livros que utilizamos, anote as referências:
- As aventuras de Pinóquio, de Carlo Collodi. Tradução e ilustração de Gabriela Rinaldi – Editora Iluminuras
- Pinóquio, adaptação de Cecília Casas do original de Collodi e parte da coleção Reencontro Infantil – Editora Scipione
- Pinóquio, outra adaptação, de Maria Luisa A. Lima Paz – Editora Girassol
- Pinóquio, adaptado por Tatiana Belinky – Editora Martins Fontes
- Pinóquio, filme da The Walt Disney Company, com adaptação de Marta Sans – 1997
Abraços,
Eduarda