Escola conectada: um link para a aprendizagem
Para ter um ambiente que possa ser considerado do século 21, a tecnologia deve transformar concepções de ensino desde a formação de professores
POR: Aurélio AmaralQual a diferença entre preparar uma aula expositiva presencial ou captada em vídeo? E entre escrever conteúdos em um quadro comum ou em uma lousa digital? Pois é. Muitas escolas ainda acreditam que para estar imersa na era da tecnologia basta colocar computadores na sala e disponibilizar aos alunos recursos de última geração.
Ter equipamentos, hoje, tornou-se um desafio menos difícil de ser alcançado do que promover a mudança na concepção de ensino que a tecnologia não só propicia mas exige. A pesquisadora argentina Delia Lerner, no livro Las TIC en la Escuela, Nuevas Herramientas para Viejos y Nuevos Problemas (Daniel Goldin, Marina Kriscautzky e Flora Perelman, org., 464 págs., Ed. Oceano Travesía), ainda sem tradução para o português, lembra que as transformações na Educação não acontecem espontaneamente e que, portanto, somente a presença da tecnologia não produz aprendizagens automaticamente - TIC é a sigla para as tecnologias de informação e comunicação. "De que adianta ter internet na sala se o professor continua sendo o transmissor de informações?", questiona José Manuel Moran, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
Ambiente para as transformações já existe. Segundo a pesquisa realizada em 2012 pelo Centro de Estudos sobre Tecnologias de Informação e Comunicação, em São Paulo, 95% dos estudantes brasileiros já utilizaram computador e 92% navegaram na internet, com o acesso à rede em casa, cibercafés e lan houses. Entre os professores, 99% são usuários da rede e 97% têm computador pessoal. A presença dos equipamentos na escola também vem crescendo. Entre 1999 e 2012, foram instalados 85 mil laboratórios de informática nas escolas públicas, segundo o Ministério da Educação (MEC). No entanto, nem sempre a equipe está preparada para fazer bom proveito desses recursos. GESTÃO ESCOLAR mostra como os gestores devem enfrentar os principais desafios para o uso da tecnologia na aprendizagem, entre eles a mudança de conceitos relacionados ao ensino, o planejamento da formação de professores e a organização da sala de aula. E, ao longo da reportagem, você vai saber como algumas escolas usaram a tecnologia adequadamente.
Mudança de conceitos
O uso das TIC coloca o professor diante de algumas situações que precisam ser trabalhadas na formação em serviço. Veja como o coordenador pedagógico deve discutir as dúvidas nos encontros.
Dúvida 1 "A pesquisa dos alunos, quando feita na internet, vem cheia de dados incorretos e imprecisos. Como evitar isso?"
Para que as informações erradas não circulem, discuta com os professores as orientações que devem ser dadas para uma correta seleção de fontes. São exemplos de sites confiáveis: de instituições acadêmicas ou de educação/ensino, do governo, das agências de fomento à pesquisa. Os docentes devem também explicar a importância de buscar dados em mais de um site, compará-los e checá-los. "Com mais acesso à informação, o aluno do século 21 tem um potencial enorme para ser um investigador, e isso precisa ser explorado", afirma Heloíza Lanza, mestre em Linguística Aplicada, Educação e Tecnologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Dúvida 2 "Li textos dos alunos que eram parcial ou totalmente copiados da internet. Como coibir o ‘recorte e cole’?"
A prática não surgiu nas pequisas em buscadores online. Antigamente, os alunos costumavam reproduzir, com a própria letra, páginas inteiras das enciclopédias. A diferença é que a tecnologia torna esse processo menos trabalhoso. Oriente os professores a mostrar que copiar alguns trechos de textos é permitido, desde que as citações sejam marcadas e creditadas ao autor. A fim de evitar o plágio, é recomendável estabelecer um número mínimo de fontes para consulta. "A melhor maneira de incentivar a produção textual própria é propor atividades para as quais seja impossível encontrar textos prontos. Uma das alternativas é pedir que os alunos relacionem o conteúdo com experiências pessoais ou desenvolvam uma argumentação sobre o tema", explica César Nunes, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
Dúvida 3 "A escrita em ambientes virtuais aparece com muitas abreviações e desrespeito à norma culta. O que deve ser permitido?"
As abreviações não são uma novidade da era digital e elas cumprem a função de poupar espaço e tempo de escrita em chats e redes sociais. Da mesma forma, certas transgressões à norma culta e a criação de símbolos, como os emoticons - ícones construídos com base em uma sequência de caracteres, por exemplo :) (sorriso) e <3 (coração) -, têm por objetivo marcar a identidade de uma "tribo" de jovens. Contudo, é importante salientar que eles devem ser evitados em ambientes virtuais de aprendizagem ou na escrita de documentos e textos formais.
Dúvida 4 "Posso postar na internet vídeos de uma atividade sem expor os alunos?"
Antes de publicar qualquer foto ou vídeo, é necessário ter alguns cuidados, como a autorização dos pais ou responsáveis legais para uso de imagens. Se existir alguma dúvida, melhor não postar. A escola tem ainda a possibilidade de limitar a visibilidade do que é compartilhado. No blog institucional, a EMEI Guia Lopes, em São Paulo, coloca fotos mais gerais. Na página oficinal das redes sociais, a equipe gestora autoriza o acesso apenas à comunidade escolar e aos pais. Toda semana são postados registros de atividades -- que recebem opiniões e sugestões dos familiares. Graças a esses comentários, a escola ganhou outros pontos de vista sobre as crianças para discutir na formação continuada (leia abaixo sobre o caso).
Dúvida 5 "Tenho receio de que os alunos se dispersem em atividades com o uso da tecnologia. É possível prevenir isso?"
As novas gerações sabem lidar com várias tarefas ao mesmo tempo. No entanto, isso não pode ser sinônimo de falta de organização. Discuta com a equipe a importância de deixar claro os objetivos dos projetos e estabelecer limites de conduta, explicando o que é permitido, quando, onde e, principalmente, por quê. Certas atividades podem exigir diálogos entre os alunos, enquanto outras vão precisar de silêncio. "É necessário fazer os combinados quando a turma vai ao laboratório de informática ou quando os netbooks, notebooks, tablets e celulares são levados à sala de aula", afirma Heloíza Lanza. Lembre os professores de que a dispersão pode ser fruto do mau planejamento do tempo - problema que acontece também em aulas offline. Vale rever o regimento interno para estabelecer em que momento esses equipamentos serão úteis didaticamente e prever as restrições - tanto dos conteúdos quanto do uso.
Comunidade envolvida no planejamento
Ferramentas: Fotografia, blog e fan page do Facebook
Por que a tecnologia funciona A coordenação pedagógica da EMEI Guia Lopes estimulou o uso da câmera fotográfica pelos docentes, o que deu confiança a eles para orientar os alunos a fotografar também. Depois, os registros foram comparados a fim de gerar uma reflexão sobre a prática. Ao serem postadas na internet, as imagens recebem comentários dos pais, que avaliam as atividades.
Blog da escola - Fotos
Comentário (1)
"Minha filha está extrovertida, brincando com os colegas. Tinha a impressão de que ela era mais tímida no convívio social."
"O comentário do pai me ajudou a perceber as brincadeiras que agradam à menina. Vou planejar formas de integrar mais as crianças que estão sós nas fotos."
Andrea Gimenez, professora
"Quando comparamos as fotos feitas por vocês e as das crianças, o que podemos inferir sobre o uso dos espaços?"
Mariana Silva, vice-diretora
"Registramos mais os ambientes fechados. Mas as fotos das crianças são nas áreas abertas. Fica claro que elas dão mais valor a esses espaços."
Elisa Beth Pedrino Ono, professora
Incentivo ao uso das TIC
Quanto mais intimidade os professores tiverem com as TIC, mais à vontade se sentirão para usá-las em sala de aula. Portanto, a escola deve colocar os equipamentos à disposição e incentivar a inserção no planejamento das aulas. "Apesar de o acesso já ser realidade, existe uma distância entre dominar uma ferramenta como leigo e usá-la profissionalmente, colocando-se numa posição de orientação e supervisão", explica César Nunes. Até chegar ao uso pleno, os educadores passam pelas seguintes fases.
Fase 1 Contato inicial Há o domínio de certas ferramentas, porém sem incluí-las no planejamento. Exemplo: montar uma planilha com os nomes, notas e observações sobre a aprendizagem dos alunos.
Fase 2 Experimentação O recurso tecnológico é usado para adaptar uma atividade tradicional - etapa importante para ganhar confiança. Exemplo: substituir uma aula em que as informações são anotadas no quadro por uma apresentação no Datashow.
Fase 3 Uso de modelos Coloca-se em prática atividades já pensadas em função da característica das TIC. Exemplo: a coordenação pedagógica sugere - e os professores replicam - uma atividade de síntese de texto com limite de caracteres (como no Twitter).
Fase 4 Invisibilidade A tecnologia já está no planejamento e o uso dela se torna natural na sala de aula. Exemplo: estruturar uma atividade em grupo em que as redes sociais sejam usadas para a definição do foco, a pesquisa, o desenvolvimento, as intervenções do professor e a apresentação dos resultados.
A transição entre uma fase e outra depende do ritmo com que o professor se apropria das ferramentas - e cabe à coordenação pedagógica dar condições para que todos avancem (leia o quadro abaixo). Para atingir esse objetivo, a escola e as redes de ensino muitas vezes investem na formação técnica, com foco no uso de um recurso específico e sem relacioná-lo com as possibilidades de aplicação pedagógica. E nem sempre essas capacitações levam em conta a heterogeneidade da equipe: para os iniciantes, esses programas podem ser difíceis e, para os avançados, repetitivos, gerando frustração.
Incentive o contato
Promova as seguintes ações para que a equipe use constantemente a tecnologia
- Procure saber quem tem computador, smartphone ou tablet em casa. Sonde o grau de familiaridade com as ferramentas.
- Faça um levantamento dos aplicativos e programas usados: editores de texto (como o Word, o Writer e o Google Docs), softwares para planilhas (como o Excel e o Calc), programas de apresentação (como o PowerPoint e o Impress), jogos, leitores de textos e livros virtuais etc.
- Pergunte com que periodicidade eles navegam na internet, se participam de redes sociais (como o Facebook e o Twitter), utilizam ferramentas de pesquisa (como o Google, o Yahoo e o Bing) e acessam sites colaborativos (como a Wikipédia).
- Com base nas respostas, delegue aos mais experientes a tarefa de ajudar os colegas e convide os alunos conectados a conversar com os professores sobre aplicativos e dar sugestões sobre como encaixá-los nas propostas de aula.
- Peça que os docentes criem perfis e grupos de e-mails, visitem páginas, participem de bate-papos e grupos de discussão de redes sociais, façam o upload e o download de conteúdos em plataformas da internet. A coordenação também deve participar, podendo abrir a conta e registrar esses ambientes, caso ainda não existam.
- Estimule os professores a compartilhar os desafios que surgem com o uso das ferramentas e as boas experiências. Nas reuniões presenciais e virtuais, discuta possíveis soluções e sistematize-as ao fim dos encontros.
É por isso que a formação precisa explorar a interação da equipe. Aline Raquel Winter Nunes, coordenadora pedagógica da EMEI Casinha da Alegria, em Campo Bom, a 51 quilômetros de Porto Alegre, incentivou as professoras a editar textos e armazená-los em servidores, pelos quais é possível acessar os documentos de qualquer dispositivo conectado à internet. Como as docentes estavam acostumadas a salvar arquivos na memória do computador, Aline as orientou sobre o uso da ferramenta e criou uma conta comum para todas terem acesso aos arquivos salvos pela coordenação e pela equipe (leia sobre o caso abaixo).
Documentos criados em conjunto
Ferramentas: Google Docs e grupo de e-mails*
Por que a tecnologia funciona A coordenação pedagógica da EMEI Casinha da Alegria realiza parte da formação na própria rede social incentivando os professores a desenvolver atividades com os alunos nesses espaços. Os docentes postam e compartilham as experiências com as turmas. Assim, os registros produzidos nas aulas ajudam os colegas a replanejar as atividades.
(documento criado por Aline Raquel Winter Nunes - coordenadora)
Projeto Bem-Estar
Objetivo geral
Desenvolver atividades que incentivem a alimentação saudável e a prática de exercícios físicos (alterado por Viviane Kaspary).
Objetivos específicos
- Realizar investigações sobre o valor nutricional dos diferentes tipos de comida.
- Discutir os cuidados na preparação dos alimentos e a importância dada aos horários das refeições.
- Promover atividades desportivas e de brincadeiras.
- Debater a influência dos meios de comunicação no consumo de alimentos
(alterado por Monica Eloísa Medtler).
Professora Viviane Kaspary
"O texto anterior, que usava a expressão "bem-estar do corpo", dava a entender que a intenção do projeto era voltado apenas para a Educação Física. Acho que, com essa nova redação, o objetivo fica mais claro, concordam?"
Professora Monica Eloísa Medtler
"Por que não incluir também a discussão sobre a influência dos meios de comunicação no consumo de alimentos? Podemos analisar os programas de desenho animado e as propagandas direcionadas ao público infantil - elementos que fazem parte da rotina das crianças."
*O texto foi elaborado com base nos depoimentos dos entrevistados
Rever as estratégias formativas
Embora seja urgente melhorar as habilidades e competências técnicas dos professores em relação à tecnologia, os coordenadores pedagógicos tendem a focar exclusivamente nesse objetivo, deixando de lado a didática. Para incentivar o uso das TIC com propósitos educativos, elas precisam ser exploradas como estratégia formativa. Veja os exemplos abaixo.
Teleconferências Programas como o Skype e o Hangout, do YouTube, exigem apenas uma webcam e conexão à internet e são úteis para trocar experiências com professores e gestores de outras escolas.
Impacto na sala de aula O professor pode usar a transmissão online de imagens para promover o intercâmbio com alunos de outras cidades no Brasil e no mundo. Assim como nas reuniões de formação, é importante estabelecer uma ordem para que cada um se manifeste e definir com antecedência os assuntos que nortearão a conversa.
Grupos de e-mail As discussões presenciais de textos continuam imprescindíveis. Se, porém, em vez de distribuí-los individualmente para leitura prévia, a coordenação enviá-lo em um grupo de e-mails, os professores anteciparão e compartilharão as dúvidas, e a bibliografia relacionada poderá ser consultada com antecedência, poupando tempo da reunião.
Impacto na sala de aula Ao fazer uma primeira aproximação com um tema, os alunos criam a rotina de estudar e avaliar o material para depois fazer um debate coletivo - o que torna a conversa mais rica.
Ambientes colaborativos Há os exclusivamente de aprendizagem, com controle de acesso (exemplos: Moodle e Edmodo), e as redes abertas (exemplos: Facebook e Orkut) que permitem mais interação entre os usuários do que o grupo de e- mails. O coordenador pode lançar perguntas provocativas com base em uma leitura e acompanhar as considerações feitas simultaneamente pelos professores.
Impacto na sala de aula O professor consegue estimular a participação de todos os alunos - diferentemente de uma discussão presencial, em que cada um precisa pedir a palavra e esperar sua vez de falar. "Como todos têm chance de se manifestar virtualmente, há espaço para os tímidos", diz Ana Claudia de Rossi, diretora do Ensino Fundamental 2 do Colégio Interamérica, em Goiânia (leia o caso abaixo).
Produção coletiva Nos ambientes virtuais, os professores acessam os registros dos colegas e fazem comentários, validando o que foi postado ou complementando com informações relacionadas. Nos blogs e nas fan pages institucionais, alunos e responsáveis têm a possibilidade de dar devolutivas sobre as atividades, como acontece na EMEI Guia Lopes.
Impacto na sala de aula Com as colaborações virtuais, os registros do professor passam a conter não apenas o próprio ponto de vista sobre o desenvolvimento e a avaliação dos projetos mas também os de toda comunidade - o que vai ajudá-lo a ter mais clareza sobre o que funcionou ou não e, assim, replanejar as próximas atividades.
Uso na sala de aula e na formação
Ferramenta: Edmodo (rede social educativa)*
Por que a tecnologia funciona No Colégio Interamérica, as alterações dos projetos institucionais são mais completas, já que o docente, ao escrever, tem mais tempo para pesquisar e justificar as sugestões. Além disso, como os documentos são armazenados na nuvem - um espaço virtual ao qual só a equipe tem acesso -, todos ficam a par das modificações, o que permite criar em cima das ideias anteriores.
Andrea Belo:
"Que exemplos vocês conhecem de falsos cognatos em inglês, ou seja, palavras que têm escrita parecida com o português, mas cujo significado é diferente? Busquem uma imagem que represente esses cognatos"
Resposta aluno 1:
Reposta aluno 2:
""push" quer dizer empurrar, embora pareça "puxar"."
Professor Sérgio Rosa
"Na última aula, pedi que os alunos postassem imagens relacionadas à Revolução Industrial e atribuíssem legendas a elas. Mas eles levaram mais tempo do que eu havia pensado. Alguém já teve uma experiência parecida?"
Professora Andrea Belo
"Desenvolvi uma atividade sobre falsos cognatos em que houve bastante interação. As imagens, no entanto, simbolizavam apenas uma palavra."
*O diálogo foi construído com base nos depoimentos dos entrevistados