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A equipe quer mudar a escola radicalmente. E agora, diretor?

POR:
Priscila Arce
Imagem: Getty Images

Mudar nem sempre é fácil, porque, para isso, precisamos nos desequilibrar, sair de uma zona confortável, migrar para dias sem roteiros e sem rotinas fixas, estudar conteúdos que não nos foram ensinados...

Um dos maiores intelectuais brasileiros do século XX, o educador Paulo Freire, que teria feito 96 anos semana passava se estivesse vivo, publicou um belo livro chamado “Educação e Mudança”, depois de 15 anos no exílio. Na obra, ele defende que há o estabelecido ou a mudança. E que a mudança “não é trabalho de alguns homens, mas dos homens que a escolhem”. Freire foi um desses homens que a escolheu e nos deixou um grande legado.

Ao longo dos meus 13 anos de atuação na Educação, percebi que, muitas vezes, os maiores obstáculos estavam entre os pares que chegavam a boicotar ou maldizer professores e gestores que escolhiam a mudança. Muitos colegas dizem que o maior inimigo do professor é o sistema, mas eu não posso servir a um "deus invisível" chamado "sistema". Prefiro mudar em mim coisas que desejo ver ao meu redor e no meu dia a dia.

Da mesma forma, existe o diretor que fará de tudo para que nenhuma mudança ocorra. E tem o diretor que vai comemorar a decisão de uma equipe escolar querer mudar a lógica, mesmo que a princípio não radicalmente.

Portanto, cabe ao colegiado da escola refletir ao longo do ano letivo a melhor forma de promover mudanças – as imediatas, as de curto e as de longo prazo – e se propor o desafio de desenhar esse caminho árduo e trabalhoso na proposta pedagógica da escola. Será necessário que cada membro da equipe sempre esteja disposto a aprender e tenha um colega que segure a mão de quem está na frente e puxe a mão de quem está atrás, como bem nos diz o escitor Sérgio Vaz em sua poesia “Novos Dias”.

Boa parte das escolas consideradas transformadoras tomaram essa decisão a partir da insatisfação de um pequeno grupo, de maneira que, progressivamente, a equipe se desfez de seus interesses pessoais e medos paralisantes. Mas, afinal, qual o papel do diretor nesse processo? Às vezes, quando pensamos em mudanças, nos remetemos a movimentos que vem de cima para baixo, e talvez a radicalidade é transformamos as escolas que já existem e se questionar sempre a respeito de como estão organizadas. Está organizada para quem? Quem precisa sair da zona de conforto? 

Pois é, e agora diretor?

O diretor tem função primordial em qualquer mudança. Ele buscará parcerias e será um interlocutor com o sistema de ensino. No entanto, a escola não é a cara do gestor, e sim de um projeto institucional, no qual se unem desejos, valores e propostas coletivas de atuação. Então, todos precisam ajudar.

Por isso, primeiramente, a equipe escolar deve se reunir para realizar o diálogo, a reflexão e a escuta de todos. Cada um carrega consigo uma história. Devemos levar em consideração que todos viverão essa nova proposta juntos, desde a hora que se abrem os portões até o momento de atendimento ao público na secretaria.

Posteriormente, devem reflitir se as mudanças são concretamente inviabilizadas ou se têm impeditivos que são apenas desculpas para evitar a transformação. O primordial é que as alterações melhorem a aprendizagem de todos os estudantes.

Prossiga a caminhada tornando-se um perguntador e unindo-se a outros perguntadores. As crianças e jovens são excelentes nisso. Por que as aulas duram 45 minutos? Por que devemos comer em 15 minutos? Por que tocamos um sinal de fábrica ao trocar as aulas mesmo em turmas com professores polivalentes? O que é considerado aula? Por que fazer filas? Por que não ficamos descalços? Por que não deitamos na grama para ver o pôr do sol? A tentativa de responder esses questionamentos pode levar a lugares nunca antes imaginados.

Mais adiante, a equipe tem que se abrir a inúmeras possibilidades, aprendendo com outros educadores e escolas que também tomaram essa decisão. Procure inúmeras fontes de pesquisa que atualmente estão à nossa disposição em sites e publicações. Faça visitas, ligações, busque ajuda do próprio sistema de ensino. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nos proporciona autonomia e respeito à pluralidade de ideias pedagógicas.

Como diz Dorival Caymmi em sua canção Pescaria “Ô canoeiro bota a rede, bota rede no mar”. Talvez assim consigamos enxergar o que precisa ser mudado primeiro na "rede" de cada um de nós. Depois outras mudanças virão, e então “vai ter presente pra Chiquinha, ter presente pra Iaiá, ô canoeiro puxa do mar".

Priscila Damasceno Arce é diretora da EMEF Sebastião Francisco O Negro, na zona leste de São Paulo-SP. Estudou em escola pública a vida toda e também foi professora e coordenadora pedagógica. É especialista em alfabetização e mestranda em formação de formadores pela PUC-SP.