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"Não me comuniquei bem e prejudiquei o aprendizado de um aluno"

POR:
Willmann Costa
Imagem: Getty Images

Quase nunca percebemos, em nossa fala, a diferença entre observação e avaliação. Isso, muitas vezes, favorece a má comunicação. A maneira como verbalizamos nossos pensamentos, não raro, pode induzir ao caminho da mágoa e da dor. Quando deixamos de ouvir as pessoas não percebemos suas necessidades, suas angústias. Dessa forma, abrimos espaço para uma comunicação que dificulta o relacionamento. Para ilustrar melhor essas observações, relato um episódio que vivi no início de minha trajetória como gestor de escola.

Já quase finalizando o primeiro bimestre, no fim de abril, recebi uma jovem senhora que, sabendo da boa fama da escola no bairro, desejava fazer a matrícula de seu filho. Emília*, mãe de Lucas*, fez questão de narrar sua história de vida até sua chegada à cidade. Ela apresentou o boletim do Ensino Fundamental do aluno. Eram as notas que qualquer responsável desejaria para seus filhos.

Quis saber o motivo da mudança de escola e de cidade. Percebi que o Lucas iniciou o ano letivo em um colégio de referência, na cidade em que morava. Veio com uma carta de recomendação, exaltando seu excelente comportamento e dedicação aos estudos. Emília explicou que o marido havia falecido há pouco mais de um mês e Lucas, seu único filho, estava sofrendo muito com a perda repentina do pai. Disse que ele sempre foi um menino muito ativo, amável, vivia rodeado de amigos, mas agora saía pouco de casa. Fiquei muito impressionado com a história. Expliquei para Emília que faríamos o possível para amenizar a dor do Lucas.

Matriculei o jovem em uma turma condizente com seu perfil. No dia seguinte, Emília trouxe o filho para seu primeiro dia de aula. Ele parecia assustado, a mãe segurava em sua mão com um olhar sofrido. Disse para ela ficar bem, pois ele estaria seguro. Logo se entrosaria com os novos colegas.

Com as demandas escolares no dia a dia, não falei mais com o Lucas. Às vezes, encontrava-o dirigindo-se à sala de aula ou no horário da saída, indo para casa.

A má noticia

Na véspera do Conselho de Classe, recebi um relatório com o nome de alguns alunos, da primeira série, que não estavam conseguindo acompanhar o ritmo da turma. Li o nome do Lucas e achei estranho. Falei com a coordenadora pedagógica. Ela fez o seguinte relato: “Diretor, já conversei várias vezes com esse aluno novo, inclusive já fui bem clara com ele. Disse que é desatento, não se interessa por nada.”. Verifiquei que entre os documentos do aluno havia uma advertência, assinada por sua mãe. Fiquei envergonhado com aquela situação. O aluno precisava de apoio e eu não compartilhei a informação. Imaginei que ele se adaptaria rapidamente, percebi que foi um equívoco.

Voltei para minha sala e refleti sobre as palavras da coordenadora pedagógica. O uso de julgamentos moralizadores refletem uma cultura que impede a escuta de nossa própria fala. As frases: “Você é desatento” ou “você não tem interesse por nada” são expressões que transmitem culpa, insulto, depreciação, rotulação, crítica. Faltou observação, houve só julgamento. Certamente a coordenadora não percebeu o peso de suas palavras e a má comunicação que praticou.

Marquei uma reunião com os professores da 1001, turma do Lucas, e a coordenadora pedagógica. Desculpei-me da falha de não ter passado informações importantes sobre a vida do aluno. Fizemos um debate sobre comunicação não-violenta e aproveitamos para analisar determinadas falas que, de certa forma, estavam fazendo parte da cultura de nosso colégio. Solicitei uma reunião com a Emília, Lucas e a orientadora educacional. Pedi desculpas e expliquei o que aconteceu.

No final daquele ano letivo, Lucas já era o destaque da turma e seguiu com sua jornada de sucesso em seus estudos.

Quando nos esforçamos para entender o que o outro está sentindo e, em vez de julgar, procuramos observar o sentimento do outro, a comunicação se torna eficaz.

* Os nomes foram alterados para proteger a identidade dos envolvidos

Willmann Costa é diretor geral do Colégio Estadual Chico Anysio, no Rio de Janeiro-RJ, e professor de Língua Portuguesa e Literaturas. Tem mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade, pela Universidade Veiga de Almeida. Atuou como tutor do programa Gestão da Aprendizagem Escolar na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).