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A formação do professor também se faz dentro da escola. Saiba como o diretor pode ajudar

POR:
Cláudio Neto
O diretor Claudio Neto, sua equipe e parceiros do Instituto Tomie Ohtake. Foto: Arquivo pessoal.

A formação continuada dos educadores pode – e deve – acontecer no local de trabalho. Para isso, é preciso que os gestores trabalhem em harmonia com os coordenadores pedagógicos. Juntos, eles devem entender a importância do aprendizado dos educadores durante o serviço. 

A primeira pergunta que eles podem fazer é: que concepção de Educação deve prevalecer na formação dos educadores de uma escola que se proclama justa, eficaz e democrática? A partir do consenso da natureza do trabalho pedagógico desenvolvido na escola, o qual preconiza a justiça, a eficácia e a democracia, mais três questões devem orientar o caminho a ser percorrido pelo grupo de formação, quais sejam:

  • Qual é o nível de participação dos educadores nesse processo?
  • Caberá também aos educadores propor temas e eventualmente se responsabilizar pelo desenvolvimento de alguns desses temas?
  • Como romper a falsa dicotomia entre teoria e prática?

Tais questionamentos devem ser os pressupostos para a linha do trabalho de formação a ser efetivado em uma gestão democrática, uma vez que os educadores devem participar do planejamento da formação anual das escolas, de modo que possam se posicionar a respeito da concepção da formação em jogo.

A partir dessa compreensão as outras duas questões passam a ter respostas previsíveis, pois caberá sim aos educadores a proposição de temas de formação e, eventualmente, se responsabilizarem pelo desenvolvimento deles, para fazer a devida articulação entre o que é estudado e a prática pedagógica cotidiana.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – 9394/96) postula a autonomia da escola e de sua proposta pedagógica. O inciso I, do Artigo 12, estabelece como incumbência principal da escola a elaboração e a execução de sua proposta pedagógica, bem como os Artigos 13 e 14 estabelecem que essa proposta é uma tarefa coletiva da qual devem participar professores, outros profissionais da Educação e a comunidade escolar.

Em razão disso, a formação no plano conceitual passa a ser primordial, a fim de “fundamentar e orientar práticas docentes que devem ocorrer em situações escolares concretas muito diferentes entre si” como já defendia o saudoso professor José Mário Pires Azanha. A formação em serviço, portanto, passa a ser o momento de criação de significados compartilhados capazes de promover boas práticas educacionais que deem sentido público à formação escolar, visto que na escola contemporânea, seja ela pública ou privada, não cabe mais a ficção do professor individual que ensina e o aluno individual que aprende. Na escola atual, “qualquer proposta de formação docente deve ter um sentido de investigação e de busca de novos caminhos”.

Algumas pessoas podem perguntar: "Então, qual é o papel do diretor no processo de formação docente e na articulação dos projetos na escola?". Para esta pergunta a resposta é relativamente simples. Quanto mais o processo for coletivo, participativo e de responsabilidade compartilhada menos personalista ele será, tendendo à diluição de figuras centralizadoras. É precisamente nesse anonimato que se identifica a qualidade da participação de todos, especialmente do diretor e do coordenador pedagógico.

No entanto, isso não deve ser confundido com ausência ou anulação desses dois personagens na formação dos educadores. Ao contrário, essa aparente invisibilidade decorre da relação de igualdade e de reconhecimento do valor de todos os membros do grupo. Não fosse assim, o momento de formação tenderia a se constituir em “espaço centralizador das normas gerais da escola e de fixação na figura individual do professor”, do coordenador ou mesmo do diretor.

Os projetos são, consequentemente, os produtos desse processo de formação, visto que a direção, a coordenação e o corpo docente estão fundamentados em práticas voltadas para a construção de conhecimentos que partem da capacidade investigativa discente. Eis, portanto, dois aspectos fundamentais da direção da escola no processo de formação em serviço: a capacidade de interpretar os acontecimentos no ambiente escolar e de sistematizar o processo de construção das práticas pedagógicas. Ou seja, cabe ao/a  diretor/a entender o processo histórico de aprimoramento das práticas pedagógicas e do amadurecimento intelectual do grupo em formação e fazer o registro do processo, para assegurar a coerência dessa construção histórica.

Para dar conta do desafio de estabelecer a escola enquanto espaço permanente de formação é necessário definir dia e hora para os encontros, pois o ideal pedagógico preconizado pelos educadores deve adquirir consistência na implementação de um conteúdo programático voltado para esse fim, de modo que as ações deem sentido ao pensamento criador.

Na escola na qual sou diretor, os encontros acontecem de segunda a quinta-feira, das 12h10 às 13h40. Em dois dias são abordados os temas do currículo e da avaliação e os outros dois são destinados a outros temas e a questões do cotidiano escolar, ou mesmo voltados à discussão de práticas pedagógicas.

Como exemplo do êxito desse processo, posso citar o tema da identidade abordado na nossa agenda de formação, que questionou a identidade da própria comunidade, redundando na mudança de nome da escola, com a aprovação do Projeto de Lei 257/2017 pela Câmara Municipal de São Paulo, no dia 04 de outubro. Portanto, a mudança de nome de uma escola tradicional no bairro do Canindé, com 57 anos de existência, é uma prova inequívoca de que a formação dos educadores pode levar à transformação da comunidade e a reparações históricas, como é o caso da restituição do direito de Carolina Maria de Jesus nomear a nossa escola. Esta mulher, negra, catadora de materiais recicláveis, moradora da favela do Canindé de 1947 até o final da década de 1960, publicou vários livros e um deles "Quarto de Despejo: o diário de uma favelada" foi traduzido em treze idiomas e vendido em mais de 40 países.  

Enfim, a importância da formação em serviço e do papel estratégico do diretor na articulação dos projetos da escola está na essência do ideal de Educação a ser perseguido. Os diretores e diretoras só terão condição de articular os projetos de suas escolas se dominarem as concepções pedagógicas da instituição e se participarem efetivamente dos momentos de formação, ainda que a rotina não favoreça a presença cotidianamente como é desejável. Nesse sentido, as reuniões de equipe (direção e coordenação) são vitais para o acompanhamento do processo de formação continuada na escola.

Para saber mais:

AZANHA, J. M. P. Uma reflexão sobre a formação do professor da escola básica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.2, p. 369-378, 2004.

CARVALHO, J. S. F. C. A teoria na prática é outra? Considerações sobre as relações entre teoria e prática em discursos educacionais. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v.16, n. 47, p. 307-322, 2011.

Claudio Marques da Silva Neto é diretor da EMEF Infante Dom Henrique, em São Paulo. Tem experiência em direitos humanos, formação docente, cultura escolar, indisciplina, violência e gênero. É mestre e doutorando em Educação pela Universidade de São Paulo (USP).