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Colunas Ética na escola

Confira os artigos de Terezinha Azerêdo Rios, doutora em Educação, a respeito das dúvidas e dos desafios enfrentados pelos gestores no dia a dia da escola

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Terezinha Azerêdo Rios
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Linhas e entrelinhas

Partilhar a reflexão e o prazer proporcionados pela literatura em reuniões pedagógicas permite construir novas vivências

POR:
Terezinha Azerêdo Rios

Nunca é demais repetir que no espaço da ética se aponta para a construção de experiências compartilhadas, do convívio solidário, da alegria e da vida boa. Promover a presença de tudo isso na escola exige da equipe gestora um esforço em descobrir ou inventar formas de reunir a comunidade nessa vivência. Uma delas é explorar a leitura, buscar a literatura (essa arte vital) e fazê-la entrar na escola não apenas pelos livros recomendados aos alunos mas também nos encontros de todos - particularmente nas reuniões pedagógicas.

Ouve-se muito que os jovens não se interessam por leitura, que não gostam de ler e que os professores não os estimulam. Porém pouco se fala sobre a dedicação dos gestores a essa mesma atividade. O que - e quanto - diretores, coordenadores pedagógicos e supervisores escolares leem? Sabemos dos empecilhos: livros caros e tempo restrito, entre outros. Contudo, sempre há alternativas para superar esses limites. É preciso criá-las.

O escritor angolano Valter Hugo Mãe, em sua obra O Filho de Mil Homens, fala do poder terapêutico da leitura. Diz ele que, ao fazer um diagnóstico, os médicos deveriam perguntar: "Há quanto tempo você não lê um livro?" e recomendar um texto literário como atalho para a cura. Pode parecer exagero, mas quem experimenta esse prazer entende bem o que diz Mãe. Fico contente quando leitores afirmam que gostam do que escrevo e se sentem provocados por ideias que compartilho. Pois minha satisfação será maior se meus textos os levarem a outros: os de filosofia e pedagogia, sim, mas especialmente os de literatura, nos quais esses saberes - e tantos outros! - podem estar presentes, num encontro agradável.

Não se trata de recorrer aos livros como um pretexto para discutir certos temas já definidos ou de buscar a "moral da história". O texto literário permite exercitar um direito fundamental: apropriar-se do patrimônio cultural construído historicamente. E trazer para a escola, num gesto educativo, as múltiplas faces do mundo e do tempo, como afirma a escritora carioca Ana Maria Machado.

Fico imaginando como seria interessante uma reunião na qual se proponha a discussão de um texto literário e se investiguem linhas e entrelinhas para descobrir possíveis perguntas de caráter pedagógico respondidas por ele, sem se basear em questões prontas. A leitura e a discussão desvendariam indagações ainda não formuladas, que abririam caminhos para reflexões. Tomemos como exemplo a crônica O Conteúdo dos Bolsos, de Luiz Fernando Veríssimo. O autor nos leva a perceber etapas da história de um indivíduo nos contando apenas o que há em seus bolsos em vários momentos. Podem ser muitas as questões pedagógicas. Eu destacaria algumas: que tipo de cultura e de educação leva uma pessoa a guardar certo objeto no bolso? Que valores sinalizados no comportamento dela são indicativos da escola que frequentou?

Esse exercício traz o desafio de identificar a presença da ética no conteúdo dos livros, na discussão que eles provocam, no prazer que se experimenta e nas atitudes que daí podem derivar. Para quem pensa que a ética se reduz a algo relacionado com normas e controle de comportamento, essa pode ser uma bonita lição a ser aprendida.