Registro pedagógico: você conhece a “pipoca pedagógica”?
As primeiras pipocas “estouraram” em grupo de e-mails, em 2008. Hoje, elas são um gênero utilizado por diversos educadores como forma de registro de situações e reflexões docentes
POR: Nairim BernardoQual docente nunca viveu em sala de aula uma situação tão interessante que fez questão de compartilhar na sala dos professores? Às vezes, um fato que mexeu tanto que, anos depois, a mesma história continua sendo narrada sempre que surge a oportunidade? Ou até teceu na cabeça uma reflexão que surgiu observando a turma ou conversando com algum aluno? Uma escola é um lugar repleto de pessoas em constante envolvimento e formação – pessoal e acadêmica –, que pipocam diversos acontecimentos, dos mais cotidianos aos mais inusitados possíveis, e que podem gerar reflexões sobre o ambiente e vida escolar. Mas como guardar essas histórias sem depender exclusivamente da memória?
O gênero pipoca pedagógica traz boas respostas para essa pergunta. Criada no Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Unicamp (Gepec), pipoca pedagógica é uma crônica que narra um fato acontecido no cotidiano escolar. Apesar de ser utilizada com mais frequência pelos professores (que possuem maior contato com os alunos), o gênero pode ser explorado também pelo coordenador, diretor ou qualquer outro profissional que trabalha na escola. Rosaura Soligo, pesquisadora do Gepec e coordenadora do Instituto Abaporu, explica que as pipocas começaram a “estourar”, em 2008, em um grupo de e-mails do Gepec, composto pelos professores e seus orientandos. “Começaram a circular pequenos relatos do que havia acontecido no cotidiano escolar de quem dava aula. As pessoas começaram a gostar e dar retornos. Isso foi criando no grupo a cultura de escrever sobre episódios do cotidiano”, diz.
Mas por que pipoca?
Os significados são muitos. Para Rosaura, o termo pipoca descreve bem aqueles acontecimentos que “pipocam” no cotidiano, aqueles episódios que são brevemente relatados em conversas de corredor de escola. Ana Aragão, professora titular da Faculdade de Educação da Unicamp, diz que “o nome diz respeito à necessidade de contar, que explode como uma pipoca dentro de você”. Já para Cristina Campos, professora de Educação Básica e doutora em Educação, a relação com o nome é afetiva. “O termo surgiu para ilustrar a fala rápida, curta surpreendente e saborosa da criança”, relembra.
O que muda das outras formas de registro?
O diferencial das pipocas pedagógicas, em relação a outras formas de registro comumente utilizadas nas escolas, é que elas apresentam diálogos entre professores e alunos e não têm conclusão reflexiva, justificativa ou incluem bibliografia. É um gênero que se aproxima mais do literário do que do texto técnico. “Quem faz a reflexão é o leitor, não existe a reflexão escrita no texto, ele é apenas o relato do que aconteceu. O leitor pode pensar em um tanto de coisas, mas não foi o autor que disse diretamente”, explica Rosaura.
Um dos propósitos do gênero é ter registros escritos da experiência acontecida, pois os relatos orais são mais facilmente perdidos. “Na sociedade, existe uma desvalorização muito grande do saber da experiência, que é o que se aprende a partir dos acontecimentos”, diz Rosaura. “Escrever é uma forma de refletir sobre o seu trabalho, compartilhar com os outros profissionais e fazê-los refletir também”. Além disso, esse gênero não apresenta a mesma dificuldade de escrita que artigos, ensaios e relatórios de pesquisa – que tendem a ter um caráter mais acadêmico. Sendo assim, é um bom modo de começar a pedir para que docentes iniciem o registro de sua prática pedagógica.
Sou coordenador. Como posso levar o gênero para os docentes da minha equipe?
O primeiro passo para começar a fazer pipocas na sua escola é conhecer e apresentar o gênero para a equipe. Leia algumas pipocas durante as reuniões de formação, compartilhe os textos através de grupos de e-mail ou redes sociais e incentive que eles comecem a escrever. Mas, atenção: não é recomendado que essa escrita seja uma obrigação. Elas devem surgir quando alguém vive uma experiência que considera interessante para compartilhar com seus pares. O gestor não precisa formalizar a entrega de pipocas por parte dos docentes, basta deixar espaços abertos para seu compartilhamento, como um mural, uma página da escola em uma rede social ou um momento em que ele possa realizar a leitura na sala dos professores. Por serem histórias instigantes, muitos comentários a respeito podem surgir, mas também não são imprescindíveis; para essa forma de relato, compartilhar o acontecimento é suficiente.
Mesmo que esse não seja o objetivo inicial, o trabalho com o gênero pode ser uma importante ferramenta para o trabalho dos educadores. “A pipoca pode ser um disparador ao provocar reflexões. Através do que foi narrado em uma história, o gestor pode propor uma formação sobre temas que, a princípio, nem havia planejado”, diz Ana Aragão. Ela explica também outros benefícios dessa escrita, como a organização e priorização de ideias. “No contato com educadores percebo que quando eles têm espaço para compartilhar algo, muitos falam sem parar. Quando propomos esse gênero, a pessoa tem que ter uma história com começo, meio e fim, com um espaço limitado”, indica. Com isso, Ana vê que a discussão pode ser limitada ao tema do texto, mas ampliada com a participação de outras pessoas já que o tópico é bem estabelecido.
Cristina Campos têm cerca de 300 pipocas “estouradas” e escreveu, inclusive, uma tese de doutorado sobre o gênero. Segundo ela, o professor que deseja começar a ser “pipoqueiro” deve ter um olhar bastante atento para seus alunos. “Valorizar a simplicidade, a ingenuidade e o modo de ver ‘ciência’ da criança”, recomenda para apurar o olhar para as crônicas docentes. Para ela, a atenção também precisa estar voltada para os acontecimentos, que não dizem respeito ao conteúdo, mas de como a criança percebe e expressa seu modo de ver o mundo e sua relação com a aprendizagem.
Melhorar a prática docente não é o objetivo, mas uma consequência. “Escrever pipocas influência minha prática à medida que ela se torna mais lúdica, mais leve e mais próxima da infância”, conta a professora. Ela já compartilhou algumas de suas pipocas com os alunos e explicou o conceito para eles. Não é o usual, mas é possível sugerir que os alunos também produzam suas pipocas.
PARA SABER MAIS
Cumplicidade e fantasia na composição do trabalho docente. As narrativas pedagógicas no cotidiano escolar. Tese de doutorado de Cristina Campos
"Pipocas Pedagógicas: narrativas outras da escola", livro em três volumes que surgiu da organização dos textos do grupo de e-mails do Gepec que eles resolveram organizar e lançar livros a respeito.
“Experimente” algumas pipocas
Para te inspirar, alguns dos autores disponibilizaram suas pipocas para acesso gratuito:
"A sala de aula – dentro e fora", de Adriana Stella Pierini
"Vampiros não morrem", de Michel Carlos Oliveira
"Você Fez Falta", de Cristina Maria Campos
"Desafio-e-esperança", de Rosaura Soligo
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