Tudo o que o gestor escolar precisa saber sobre o Fundeb
O Fundo, que é o maior financiador da Educação Básica brasileira, pode acabar no ano que vem, impactando diretamente a vida de diretores escolares
POR: Dimítria CoutinhoUma das principais pautas da Educação brasileira em 2019 é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Criado em 2006 e com um grande papel no financiamento da Educação Infantil ao Ensino Médio, o Fundo tem seu fim previsto para o final de 2020. Por isso, sua permanência vem sendo bastante debatida durante este ano, assim como as formas de aperfeiçoar seu funcionamento.
O Fundeb é uma evolução do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), criado em 1996, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Ele contemplava apenas o financiamento do Fundamental. Com a aprovação do Fundeb, no governo Lula, o Fundo passou a contemplar da Educação Infantil ao Ensino Médio.
Mas, na prática, como funciona o Fundeb, o que ele realmente financia e como sua não continuidade pode interferir no dia a dia das escolas públicas brasileiras? Separamos tudo o que um diretor de escola pública precisa saber sobre o Fundeb.
O que é o Fundeb?
É um mecanismo de redistribuição de recursos financeiros arrecadados através de impostos. Ele une 27 fundos estaduais, que arrecadam através dos impostos aplicados em estados e municípios. Diante deste valor total, a União faz uma complementação. Hoje, o valor desse acréscimo é de 10%, o que significa que a cada real arrecadado por todos os estados e municípios juntos, a esfera federal acrescenta dez centavos no repasse.
Cada fundo estadual divide seus recursos levando em consideração o número de matrículas. Um município com menos alunos, por exemplo, recebe menos recursos. Isso acaba definindo o Valor Aluno/Ano (VAA) de cada estado, que representa a quantidade de recursos que cada rede recebe por aluno por ano. Como esse valor varia de estado para estado, por conta da arrecadação de impostos, a complementação da união chega justamente para diminuir a desigualdade. Assim, os 10% aplicados pela esfera federal são direcionados aos estados que possuem VAA mais baixo, começando no estado com menor valor e aplicando nos seguintes até o dinheiro acabar. Hoje, nove estados são beneficiados pela complementação da União – o que não significa que as outras 18 unidades da Federação não sejam beneficiadas. Todos os municípios brasileiros recebem o Fundeb, mas o dinheiro não sai dos 10% da complementação da União e, sim, da redistribuição do dinheiro arrecadado nos impostos estaduais e municipais.
Por que o Fundeb é tão importante?
Hoje, o Fundeb é o principal mecanismo de financiamento da Educação Básica brasileira. Segundo dados do movimento Todos Pela Educação, em mais de 85% dos municípios brasileiros, o Fundeb representa pelo menos 50% dos gastos educacionais.
Além do Fundeb, os municípios contam com recursos de outras origens que não são redistribuídos pelo Fundo e, provém, sobretudo, da arrecadação de impostos locais. Apesar disso, o presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e Dirigente Municipal de Educação de Sud Mennucci (SP), Luiz Miguel Martins Garcia, afirma que o Fundeb ainda é, sem dúvidas, o maior orçamento para a Educação em grande parte dos municípios. Sobretudo nas cidades nas quais a arrecadação de impostos é baixa, o fundo é imprescindível para a existência de políticas educacionais.
Para onde vai o dinheiro do Fundeb?
Há uma regra de que 60% dos recursos do Fundeb devem ser direcionados a pagamento de salários. Na prática, porém, esse número tende a ser bem maior. “Hoje, o Fundeb é basicamente usado para salário. Em alguns municípios, o Fundeb não paga nem a folha de pagamento. Aqui, em Ribeirão Preto, por exemplo, a folha é maior do que o dinheiro que chega do Fundeb”, afirma José Marcelino de Rezende Pinto, professor da Universidade de São Paulo, pesquisador da área de financiamento da Educação e membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Segundo Luiz Miguel, da Undime, essa situação chega a ser até estranha quando se pensa no objetivo principal do Fundeb. “O fundo, que era para ser usado em manutenção e desenvolvimento da Educação, hoje é um fundo de pagamentos de salários”, afirma. Por isso, ele se coloca a favor do aumento dos recursos para o Fundo, a fim de usá-los para além dos salários.
Por que há tanta discussão em torno do Fundeb?
O Fundeb foi idealizado com data de validade. E o seu prazo de validade está chegando: por lei, o Fundo acaba em 31 de dezembro de 2020. Diante da importância desse mecanismo, porém, existe um esforço muito grande em torná-lo permanente.
E, junto com as discussões sobre a permanência do Fundeb, formas de aprimorar seu funcionamento também têm sido discutidas. Hoje, tramitam no Congresso Nacional três Propostas de Emenda à Constituição (PEC) relacionadas ao Fundeb, sendo duas delas no Senado e uma na Câmara dos Deputados.
A mais adiantada das três é a PEC 15/2015, da Câmara. A proposta tem dois esforços principais: aumentar o valor da contribuição da União e mudar a forma de redistribuição, a fim de dividir os investimentos em Educação de forma mais equitativa nas diferentes regiões do país.
A ideia é subir o valor injetado pela esfera federal de 10% para 40%, de forma gradual. “Se pensarmos que a União fica com mais ou menos 60% de tudo o que se arrecada no Brasil, falar para ela entrar com 40% no Fundeb, ainda é um esforço menor do que estados e municípios”, avalia José Marcelino.
Apesar da PEC 15/2015 lutar pelos 40% de complementação da União, o Ministério da Educação (MEC) se posicionou contrário ao aumento. Em junho, o MEC já tinha proposto um acréscimo de 10% para 15%. Em entrevista coletiva em 19 de setembro, o ministro Abraham Weintraub reafirmou sua posição contra o aumento de 40%. “Nós rejeitamos a proposta da Professora Dorinha [deputada relatora da PEC 15/2015], mas somos 100% a favor de aumentar os repasses para a Educação Básica. Nós apresentamos a nossa proposta e estamos abertos ao diálogo com o parlamento. Vamos achar uma solução. Estados e municípios não vão ficar sem os recursos”, disse o ministro.
Existe o risco do Fundeb acabar em 2020?
Se nada for feito para mudar o que já há na Constituição Federal, o Fundeb acaba no final de 2020. Mas, se ainda não há consenso sobre o aumento da complementação da União ou sobre as formas de redistribuição dos recursos, uma questão é unânime na maioria das discussões a respeito do tema: o Fundeb precisa ter um caráter permanente.
“Hoje, no Congresso, pelo menos entre os parlamentares mais ligados à temática da Educação, existe um consenso de que o Fundeb não pode acabar”, afirma Caio Callegari, economista e coordenador de projetos do movimento Todos Pela Educação. Ele também ressalta a existência da preocupação do governo federal em aprovar uma PEC que torne o Fundeb permanente.
Para Luiz Miguel, só o fato de haver três propostas tramitando já é um indicativo positivo. “Eu não acredito que o Fundeb acabe. Há um consenso da importância que o Fundo teve no desenvolvimento da Educação brasileira”, opina o presidente da Undime. Outra questão importante, apontada por José Marcelino, é um esforço entre Câmara dos Deputados e Senado para encontrar consensos e conseguir aprovar uma PEC de forma mais rápida. “Nesse sentido, acho que a gente está no bom caminho”, diz o professor.
O que acontece se o Fundeb acabar?
Como o Fundeb é um mecanismo de distribuição do dinheiro arrecadado, se ele acabasse, os recursos voltariam para suas origens. “Haveria, da noite para o dia, uma transferência de recursos dos municípios mais pobres para os municípios mais ricos”, afirma Caio. Ele explica que esse movimento seria prejudicial para ambas as partes. Do lado dos mais pobres, não haveria recursos suficientes para investir em Educação. “Boa parte das redes municipais do país não teria condições de fazer qualquer tipo de investimento em manutenção escolar, pagar água, luz e salário. Não teria como manter as escolas de pé”, afirma.
Do lado dos mais ricos, os recursos voltariam de uma vez só, aumentando muito o montante de dinheiro para ser destinado à Educação o que, segundo Caio, poderia desorganizar a gestão do município tanto financeira quanto o planejamento e investimento em políticas. “Não se faz uma boa política educacional de supetão”, opina.
Para Luiz Miguel, um dos maiores prejuízos seria justamente o planejamento. Ele explica que, com o fim do Fundeb, os estados e municípios dependeriam exclusivamente da consciência de cada governador ou prefeito. “Seria uma transferência da posição de política pública para políticas de governos. E isso impediria que as escolas pudessem ter um planejamento a longo prazo”.
Segundo Caio, dificilmente haveria outra forma de pagar as contas das escolas públicas sem o Fundeb, sobretudo em municípios que possuem baixa arrecadação de impostos. “Esse mecanismo ‘Robin Hood’ do Fundeb – de tirar um pouco dos municípios com mais capacidade fiscal e dar para aqueles que têm menos capacidade fiscal – faz com que as redes operem, hoje em dia, de acordo com o padrão de qualidade que conseguiram construir”, afirma.
Qual rede sofreria mais se o Fundeb acabasse?
Está claro que as regiões mais pobres do país sofreriam mais caso o Fundeb acabasse. Mas, dentre as redes estaduais e municipais, quem depende mais do Fundo? Apesar do Brasil ser um país de muitas particularidades, José Marcelino afirma que, de modo geral, os municípios seriam mais prejudicados do que os estados.
Segundo o professor, isso se justifica através da chamada municipalização do ensino. Ele explica que todos os estados transferiram alunos para os municípios e, por conta do Fundeb, transferem também dinheiro, já que a lógica do Fundo é o dinheiro seguir o aluno. “Então, se o Fundeb acabasse hoje, os estados iam rir à toa. Porque eles ficariam com esse dinheiro de volta, e os alunos ficariam com os municípios. Seria a tragédia total”, afirma. Na implantação da primeira versão do Fundo, o Fundef do governo FHC, o fluxo contrário da transferência (em que os estados precisaram repassar verbas para os municípios) era uma reclamação por parte dos governadores. “Os estados sentiam que estavam perdendo recursos para os municípios que tinham redes maiores”, relembra Maria Helena Guimarães no livro “Quatro décadas de gestão educacional no Brasil”. Na época, ela era presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), autarquia vinculada ao MEC.
Para Luiz Miguel, outro fator que prejudica os municípios nessa relação é a maior diversidade. “Quando nós pegamos a rede estadual, ela está ligada em um projeto único em todo o estado, e com uma capacidade global de financiamento muito forte e estruturada. Quando falamos em escolas municipais, estamos falando em 5.568 propostas de trabalho, visões diferentes de Educação, de investimento. E isso geraria uma disparidade maior”, opina.
E o que isso tudo tem a ver com o cotidiano do diretor escolar?
Com um impacto direto em toda a Educação Básica brasileira, o Fundeb também impacta diretamente na vida de diretores de escolas públicas. Um ponto muito importante é a questão do planejamento. O mecanismo do Fundeb permite que cada rede saiba, em média, quanto terá de recursos financeiros em determinado ano. Isso permite que tanto os gestores públicos quanto os gestores escolares possam se planejar em prol de melhorias na Educação. “Sem o Fundeb, um gestor escolar, que trabalha com perspectiva de longo prazo, ficaria totalmente comprometido pela incerteza de saber que recurso chegaria até a escola”, afirma Luiz Miguel.
Para alguns especialistas no assunto, há uma questão que vem sendo discutida e que, caso aprovada, impactaria positivamente a vida de diretores escolares: o Custo Aluno Qualidade (CAQ). A ideia do CAQ (leia mais sobre ele aqui) é pensar em um valor mínimo a ser gasto por aluno por ano, a fim de ter um padrão de qualidade educacional. A partir desse valor, se pensaria a contribuição da União para o Fundeb. Hoje, a lógica é invertida. “A lógica do financiamento da Educação, hoje, parte do dinheiro que se tem, e não do custo que se tem para oferecer uma boa educação”, esclarece Luiz Miguel. Sem o Fundeb, a discussão do CAQ poderia ser inviabilizada.
E, segundo José Marcelino, aprovar o CAQ no novo Fundeb seria muito importante para os gestores escolares. “O CAQ resolve o problema do gestor, porque garante financiamento para que a escola crie os insumos. Isso vai garantir que a escola tenha biblioteca, que tenha laboratório, vai garantir uma certa razão aluno por turma”, afirma o professor. “O CAQ amarra o dinheiro ao insumo que tem que estar na escola e isso é chave para o gestor”. Por enquanto, a adoção do CAQ no planejamento do Fundeb não é um consenso e, portanto, ainda não está colocada de forma clara na PEC 15/2015.
Como um diretor escolar pode atuar na luta pelo novo Fundeb?
Embora quem esteja dentro das discussões a respeito do Fundeb acredite que o Fundo dificilmente acabará, ainda falta muito para um consenso ser atingido e a emenda constitucional ser realmente aprovada. E, diante dessa luta, os gestores escolares têm um papel importante. “Existe uma missão de todos nós que trabalhamos com Educação que é de se informar a respeito do que está acontecendo de tramitação do Fundeb, e defender também um futuro da Educação que seja afinado com os nossos ideais”, afirma Caio. “Acho que participar dessa luta em defesa do Fundeb é lutar para que, de fato, a escola pública tenha condição de existir. É uma luta democrática pela construção e transformação da sociedade por meio da Educação”, opina Luiz Miguel.
Além de se inserir na luta pelo novo Fundeb, o presidente da Undime diz que os diretores escolares ainda têm um papel muito importante em se aprofundar no assunto, dialogando com a Secretaria de Educação, e informar os demais funcionários das escolas. “O gestor é um grande mobilizador da escola. Ele precisa fazer essa discussão, conhecer e dar essa informação aos professores”, diz Luiz Miguel. “O bom gestor é motivador, é transformador, é uma luz. E, como luz, ele tem que clarear e fazer as pessoas enxergarem inclusive essas questões mais áridas, de ordem contábil e financeira, mas que, no fundo, significam mais que isso. Significam liberdade para que a escola possa criar e avançar, e não ser apenas uma mera pagadora de salários e cumpridora da burocracia”, enfatiza.
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