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Choukri Ben Ayed: igualdade de oportunidades na Educação

Pesquisador francês explica como evitar políticas discriminatórias que levam à desigualdade na área

POR:
Caroline Ferreira
Choukri Ben Ayed, sociólogo francês. Foto: Patricia Stavis

Em 15 anos de trabalho na França, o sociólogo Choukri Ben Ayed, doutor pela Universidade Paris V, professor da Universidade de Limoges e pesquisador do Grupo de Pesquisas e Estudos Sociológicos do Centro-Oeste Francês (Gresco), tornou-se um estudioso da segregação socioespacial que ocorre no campo da Educação. Ele é especialista em um fenômeno muito comum em grandes cidades: ter as escolas piores na periferia urbana e as melhores concentradas nas regiões centrais.

Convidado para o seminário Educação e Segregação Socioespacial em Metrópoles, que foi promovido pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), em maio, na cidade de São Paulo, o professor disse que, embora sejam diferentes em muitos aspectos, Brasil e França estão entre as nações do mundo onde existe mais  desigualdades quando se trata da relação entre qualidade da Educação a áreas socialmente suscetíveis.

O Cenpec procurou saber se isso também acontece nos maiores municípios brasileiros. Para tanto, realizou o estudo Educação em Territórios de Alta Vulnerabilidade Social na Metrópole, publicado em 2011, que constatou: a organização do espaço nas grandes cidades nega às pessoas de classes sociais menos favorecidas o acesso a serviços não só de Educação mas também de saneamento, saúde, cultura e lazer. Além disso, diminui a chance que elas têm de inserção no mercado de trabalho e estigmatiza seus habitantes
pelo local em que eles vivem.

Ainda de acordo com o documento, o resultado desse descaso é um volume tal de problemas que pode afetar diretamente a aprendizagem. Entre eles estão a sobrecarga de tarefas sociais que sobram para a escola pública - como as relacionadas à assistência social, a concentração de estudantes com poucas referências culturais nas mesmas unidades, os altos índices de evasão e a grande rotatividade de professores nas unidades. Ao estudar esse tipo de segregação em profundidade e coordenar investigações sobre as causas da queda nos números educacionais na França para o Instituto de Estudos Políticos de Paris, em 2008, Ben Ayed concluiu que as políticas públicas intensificaram a discriminação e multiplicaram os pontos críticos em seu país. Em entrevista a GESTÃO ESCOLAR, o sociólogo comentou o efeito das medidas tomadas nas escolas francesas e destacou ações que podem ajudar a reverter a segregação educacional.

Quais políticas públicas adotadas na França foram determinantes para o agravamento das desigualdades na Educação em seu país?
CHOUKRI BEN AYED Como sociólogo, posso afirmar com tranquilidade que não há desigualdade nem segregação naturais. O que há são ações - na maioria das vezes, políticas - que levam a uma realidade de diferenças sociais. No caso da França, o agravamento da discriminação espacial aconteceu por causa de algumas das escolhas feitas pelo governo. Alguns exemplos: a classificação por desempenho das instituições de ensino e do financiamento público de escolas privadas. Outras medidas, como a que se chamou de unificação da Educação e a delimitação de zonas de ensino prioritário - as ZEPs - foram mal aplicadas. Por isso, hoje temos hoje um grave quadro de fracasso escolar nas zonas urbanas e uma tendência de concentração de alunos com dificuldades em escolas classificadas como as piores da rede. É um cenário desfavorável, pois sabemos que a aprendizagem melhora quando há grupos misturados.

A concorrência entre instituições de ensino é negativa?
BEN AYED A competição promovida pelas políticas públicas educacionais, como o sistema de classificação das escolas por ranking, a bonificação dada às unidades mais bem posicionadas, a livre escolha de escola pelas famílias e a ajuda do governo às instituições particulares fizeram as desigualdades aumentarem e o desempenho dos alunos cair. No começo deste ano, participei de um evento em Montreal, no Canadá, com outros  pesquisadores reconhecidos para fazer um balanço da literatura científica mundial
sobre esse assunto. Não encontramos nenhum estudo que mostrasse qualquer efeito positivo da concorrência.

Como o sistema classificatório interfere na aprendizagem?
BEN AYED Foi muito perverso o governo francês instituir a livre escolha de escola pelas famílias e, ao mesmo tempo, classificar as instituições de ensino. É claro que os pais sempre almejam colocar seus filhos nas melhores escolas - e estão certos em querer isso. Porém faltam vagas. As escolas, por sua vez, trabalham com o objetivo de aparecerem cada vez melhor quando há uma divulgação classificatória dos resultados. Para trilhar um
caminho mais curto rumo ao topo, muitas unidades criaram processos seletivos para escolher os melhores alunos e excluir os que têm dificuldades de aprendizagem. Aos poucos, percebemos que os gestores das boas escolas acabaram com as iniciativas que ajudavam esses estudantes, como as aulas extras e o reforço escolar. No lugar, colocaram o que chamamos de opções de prestígio, como aulas de cogrego e latim, para atrair os que já têm uma boa formação. Ora, o que favorece a aprendizagem é justamente a  heterogeneidade. Hoje, o que encontramos na França são escolas que recebem somente
alunos das classes economicamente menos favorecidas e outras com quase 100% de alunos de classe alta ou média. O mais justo é que todas as escolas sejam boas para todos. A competição entre elas não favorece essa igualdade.

O gestor tem meios para interferir diretamente na implantação de políticas públicas como essa?
BEN AYED Posso dizer que encontramos os melhores resultados de aprendizagem em um dos territórios mais precários da França, na região metropolitana de Saint-Etienne. Esse triunfo só aconteceu porque os diretores, ao notarem a grande concorrência que estava se estabelecendo naquele local, decidiram, por conta própria, deixar de trabalhar uns contra
os outros e unir forças para atuar em conjunto. Eles decidiram qual era a melhor forma de distribuir os alunos, sem separá-los por níveis de aprendizagem. A cada ano, é organizada uma comissão de recrutamento para equacionar as demandas dos alunos, das escolas e das famílias. Esses gestores se reúnem por conta própria, sem interferência ou determinações
do poder público. Ao contrário, quando procuram o governo, já levam as soluções encontradas. Dessa forma, eles conseguiram reverter resultados negativos. Os atores sociais podem fazer pequenas revoluções quando estão seguros dos objetivos que desejam alcançar.

No que consiste a proposta de ensino unificado que foi implementada na França?
BEN AYED Essa ideia surgiu imediatamente após a Segunda Guerra Mundial. O objetivo principal era aumentar o número de matrículas escolares a fim de formar mão de obra para reconstruir o país. Num segundo momento, foi oferecer um currículo único para todos. Muitos estabelecimentos foram construídos nas periferias. A impressão era a de que não havia mais exclusão. De fato, todos estavam matriculados.

Essa política conseguiu resolver o problema da segregação entre as escolas das grandes cidades?
BEN AYED Não. O ponto crucial é que a instituição voltada para os mais pobres era inferior às do centro da cidade em termos de infraestrutura e de professores designados. Isso foi criando uma diferenciação entre elas. Recentemente, dando outra versão ao conceito de unificação, surgiu uma lei polêmica, que pretende definir o nível de conhecimentos básicos para crianças de baixa renda, o que significa institucionalizar a ideia de que os ricos podem contar com projetos educativos mais ambiciosos. Assim, o que muitos governos chamam de unificação é, na verdade, a criação de um tipo de ensino
para alunos de classes sociais desfavorecidas e de outro de excelência para os ricos. Eu diria que não temos escolas unificadas, e sim escolas comuns para o povo e diferenciadas para a elite.

Entre as diferenciadas estão incluídas as instituições privadas?
BEN AYED Certamente. Apenas os estudantes das classes mais altas têm condições de passar pelos processos seletivos dessas escolas, que têm os salários dos professores e parte das despesas bancados pelo governo. Elas oferecem melhores condições de trabalho aos profissionais e têm total liberdade para selecionar alunos. Essa situação leva escolas públicas a imitarem práticas do ensino privado, como a meritocracia. Aplicada em sala
de aula, ela exclui alunos com dificuldades de aprendizagem. No âmbito da escola, cria a concorrência entre as unidades, sejam elas públicas ou privadas. Essas práticas - tipicamente mercadológicas - hoje estão no sistema educacional.

O que é a discriminação positiva?
BEN AYED Essa expressão define a política de direcionar mais recursos para as escolas localizadas em territórios de alta vulnerabilidade. Ou seja, o governo discrimina para dar mais a quem mais precisa. Na França, recebeu o nome de zona de ensino prioritário - as ZEPs. Porém houve uma falsa discriminação positiva, pois os recursos destinados às regiões mais pobres eram menores do que os encaminhados às áreas mais ricas. Um levantamento realizado pelo Tribunal de Contas da União demonstrou que a verba  destinada para cada aluno da ZEP é, em média, de 1,2 mil euros por ano, enquanto nos outros territórios é de 3,2 mil. Tamanha disparidade prejudica a qualidade de ensino nesses locais. Enquanto as ZEPs receberem menos verbas, não se pode falar em discriminação positiva. Por isso, essa política não está dando certo.

Como é possível combater e acabar com as desigualdades na Educação?
BEN AYED O ideal é que as intervenções e ações oficiais tenham como base as pesquisas realizadas na área de Educação - e isso serve para qualquer governo. Nos últimos anos, o poder público francês foi passivo em relação às desigualdades e ignorou o apelo dos especialistas, que tinham várias sugestões a dar.

Quais parâmetros devem orientar o trabalho dos formuladores e gestores das políticas públicas?
BEN AYED As ações principais, segundo nossos estudos, têm de ser no sentido de garantir a isonomia da qualidade de ensino desde a formação inicial dos educadores até a formação em serviço - a continuada -, proteger o ensino contra toda forma de competição e eliminar definitivamente os testes de seleção de alunos para ingresso nas instituições. É importante também criar políticas que garantam uma maior distribuição de recursos
financeiros e de infraestrutura nos locais em situação de vulnerabilidade, e não incentivar os sistemas de classificação de escolas ou de bonificação. Deve-se, ainda, substituir as avaliações nacionais de desempenho por um acompanhamento de aprendizagem por meio de observatórios, em que pesquisadores e educadores passem a monitorar o desenvolvimento dos alunos e produzam relatórios sobre os resultados de programas educativos.

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