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Melhores resultados, maior incentivo e boa imagem: um ciclo virtuoso e transformador

Alunos com bons resultados, escola com imagem positiva e professores empenhados em ensinar são conquistas que estão interligadas. Juntas, elas formam um círculo virtuoso, que leva à melhoria da qualidade de ensino

POR:
Noêmia Lopes
Ilustração: Carlo Giovani

Até o começo de 2005, as únicas famílias que matriculavam os filhos na EMEF Nossa Senhora de Guadalupe, em Concórdia do Pará, a 152 quilômetros de Belém, eram as que não conseguiam vaga em outra escola da cidade. Ao mesmo tempo, quem entrava para a equipe docente escutava: "Vai para a Guadalupe? Coitado. Um lugar tão ruim..." O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) era de apenas 2, o pior do município. Hoje, quase sete anos depois, os pais fazem fila em busca de matrícula nessa mesma escola. Ou melhor, nessa escola, que não é mais a mesma. Os professores que lá trabalham agora recebem os parabéns. E o Ideb dobrou.

Tudo isso é resultado de uma grande virada. Ela consiste em adotar medidas para mudar a imagem da instituição, entusiasmar alunos, professores e funcionários e alcançar melhores resultados na aprendizagem. Essas três dimensões, valiosas para elevar a qualidade do ensino, são interdependentes - uma influencia o desenvolvimento da outra de forma cíclica. E não importa por onde se começa a "girar" o círculo: o essencial é fazê-lo rodar no sentido certo (pois o contrário também pode acontecer e, nesse caso, os resultados serão desastrosos).

Ao longo desta reportagem, você verá como reconhecer as características desse tripé - por vezes, elas passam despercebidas ou são subestimadas - e como construir com sua equipe um grande círculo virtuoso. No caso da Nossa Senhora de Guadalupe, o investimento começou pela melhoria da imagem junto à comunidade (leia o relato).

Mudar a imagem da escola vai muito além de investir na estrutura física

É certo que instalações bonitas e agradáveis fazem com que alunos, professores e funcionários se sintam acolhidos e respeitados e, com isso, produzam mais e melhor. Mas a aparência, isolada, não basta. Ou seja, a infraestrutura é uma parte da questão. "Imagem é aquilo que os outros enxergam numa instituição, é sua identidade, construída com base em valores e ações cotidianas", diz Agnelson Correali, consultor de recursos humanos, em São Paulo. Uma equipe que promove a justiça e a cooperação, por exemplo, é sempre mais bem-vista do que um grupo que lança mão de atitudes discriminatórias e autoritárias.

E, pode ter certeza, as decisões tomadas e a forma de tratamento entre as pessoas rapidamente pulam os muros - nas falas e atitudes da equipe e dos estudantes - e se transformam em assunto da comunidade. Os alunos reclamam de aulas desinteressantes ou elogiam as propostas das quais participam? Chegam e saem animados ou veem a vida escolar como uma obrigação entediante? Os docentes dizem que as faltas são abundantes ou comentam o comprometimento de todo o grupo com a aprendizagem? Os funcionários falam que a bagunça reina do portão para dentro ou reconhecem que são educadores e podem contribuir com o bom funcionamento da escola? Cabe a você, gestor, ficar atento a essas manifestações não apenas para zelar pela imagem da escola mas também para identificar problemas e propor soluções coletivas. "Em toda equipe, cada integrante deve entender seu papel, comprometer-se com ele e sentir-se contributivo para, assim, corresponsabilizar-se pela manutenção de uma imagem positiva", diz Correali.

Outro fator que compõe a imagem é a forma pela qual a escola se comunica interna e externamente. Os cadernos dos alunos, os murais, as paredes e os muros refletem informações sobre os projetos pedagógicos e a organização escolar. "Quando elementos como o regimento, os resultados de aprendizagem, o calendário e as prestações de contas são expostos, os gestores demonstram transparência e abertura para que todos opinem e participem", afirma José Fernandes de Lima, membro do Conselho Nacional de Educação (CNE). O conjunto dessas mudanças faz com que cada um se engaje com mais empenho, movendo para a frente o círculo dos bons resultados.

O estímulo para ensinar e aprender depende de formação e reconhecimento

A segunda base do tripé está ligada ao envolvimento da equipe com a aprendizagem dos alunos. Há quem pense que aumentar o entusiasmo com o trabalho depende de dinâmicas de grupo e elogios. Engano. A motivação requer uma série de fatores articulados, que vão desde as condições favoráveis de trabalho para o grupo até a experiência pessoal de cada um em encontrar sentido no papel que desempenha. Bom salário é motivador? Sem dúvida. Assim como boas perspectivas de crescimento pessoal e profissional e espaço, tempo e materiais adequados. Mas é preciso ir além. "O simples fato de o gestor fazer reuniões periódicas com todos os segmentos e dar um tratamento profissional às relações estabelecidas é estimulante para criar um vínculo sólido", diz Maura Barbosa, consultora de GESTÃO ESCOLAR.

Além das reuniões por setores, são essenciais os debates coletivos para a construção e a revisão do projeto político-pedagógico (PPP). "Esses encontros são formativos e é por meio deles que se consegue conquistar o grupo e uni-lo em torno de objetivos comuns", afirma Elisabete Ferreira Esteves Campos, do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Educadores da Universidade de São Paulo (Gepefe/USP). Em resumo, quem ajuda a definir metas e a traçar estratégias para atingi-las naturalmente se envolve mais. E ainda que esse estímulo comece com alguns, logo outros serão "contagiados".

Paralelamente às ações que alimentam a vontade de ensinar e aprender, é necessário investir no estudo e no reconhecimento de práticas inovadoras, atestando com isso que ali as pessoas têm espaço para criar e ser agentes de mudança. "Diretores e coordenadores devem dotar a equipe de autonomia e reconhecer a importância das sugestões e opiniões na manutenção da motivação de todos na escola", defende Evely Boruchovitch, professora do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Os bons projetos devem ser divulgados internamente, para a comunidade, e externamente, para as demais famílias e escolas da região, com apoio da Secretaria de Educação (leia mais no quadro abaixo). Foi assim, baseando-se em projetos de formação profissional e de valorização de alunos e educadores, que os gestores da EMEF Missionários Combonianos, em João Neiva, a 76 quilômetros de Vitória, puseram o círculo virtuoso para rodar, melhorando o desempenho das turmas (leia o relato ao lado).

O mesmo vale para os alunos, que devem ser incentivados a participar do projeto escolar por meio de instâncias como o grêmio estudantil. "É preciso ter alta expectativa em relação às crianças e aos adolescentes. Se acreditamos que são capazes de produzir bons resultados, eles avançam e, com isso, se motivam a aprender mais. Se ninguém lhes dá crédito ou novos desafios, podem até desistir da escola", diz Tereza Perez, diretora da Comunidade Educativa Cedac, em São Paulo. E, se os resultados pioram, a imagem da escola se deteriora e o círculo gira ao contrário.

Crescimento em rede

O desejo de renovar o clima institucional e dar novo sentido à aprendizagem deve partir tanto das escolas quanto das Secretarias de Educação. Não basta algumas unidades se tornarem ilhas de excelência, enquanto as demais permanecem estagnadas. Tampouco funciona a rede incentivar, mas não haver esforço interno para mudar. Nas palavras de Maria Helena Pádua de Godoy, consultora do Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG), em Belo Horizonte, "toda escola pode avançar quando os gestores têm vontade política e traçam estratégias certeiras para melhorar o ensino. Mas, ao mesmo tempo, é preciso apoio para cada instituição". A parceria favorece ainda a divulgação de bons trabalhos e a promoção do diálogo entre os profissionais, o que pode ocorrer por métodos convencionais, como reuniões e seminários, ou com a ajuda de meios de comunicação, como jornais, sites e comunidades virtuais.

A busca por bons resultados também impulsiona a roda das mudanças

Quando a imagem de uma escola se renova e um clima de participação contagia a todos, é natural que os indicadores de aprendizagem melhorem - as notas das avaliações sobem, as taxas de aprovação aumentam e os índices de evasão e distorção idade-série caem. Por vezes, a escola ganha prêmios e visibilidade. E o círculo virtuoso se mantém em movimento, com a chance de aperfeiçoar os projetos e atender às novas demandas. Analisar os resultados ajuda a fazer um diagnóstico da aprendizagem e definir planos de ação, implementá-los, tomar ações corretivas e propagar boas práticas.

O desafio, então, é manter vivo o ciclo de desenvolvimento. Nesse ponto, os especialistas são unânimes em afirmar que o grande aliado dos gestores é o projeto político-pedagógico: a sistematização das decisões coletivas dá forma a uma trajetória que pode ser constantemente aprimorada. Pensando nisso, a direção do Liceu Estadual de Maracanaú, a 32 quilômetros de Fortaleza, partiu da reformulação do PPP para melhorar os resultados (leia relato ao lado) e viu que as boas ações, quando listadas no projeto da escola, têm mais chances de permanecer vivas em caso de troca de equipe. Mais um motivo para pensar que esse círculo é mesmo virtuoso.

Recuperar a confiança com ações transparentes

Em 2005, Francisco Charles Martins de Souza e Fumi Hosoda Mineshita assumiram, respectivamente, a direção e a vice-direção da EMEF Nossa Senhora de Guadalupe, em Concórdia do Pará. De cara, perceberam que precisariam mudar a imagem ruim que as famílias tinham da escola - tanto em relação à estrutura física quanto à sua organização interna.

Foto: Adauto Rodrigues

Novos valores
Era urgente reformar a escola: o pátio servia de estacionamento para motos e bicicletas; não havia espaços de convivência protegidos do sol nem sala de informática e biblioteca; faltavam salas de aula; e os professores se reuniam na cozinha. Os recursos do governo não eram suficientes e ao buscar apoio dos comerciantes e empresários, os gestores viram o quanto a instituição estava desacreditada. "Muitos desconfiavam do destino das doações feitas anteriormente - não havia prestação de contas nem melhorias aparentes. Pedimos um voto de confiança, conseguimos verbas e materiais e organizamos mutirões. Hoje, ao final de cada reforma, mostramos à comunidade tudo o que arrecadamos e como gastamos em planilhas", conta o diretor, Charles.

Foto: Adauto Rodrigues

Ânimo renovado
Quando a escola estava em estado de abandono, os alunos não a viam como um lugar de aprendizagem. Para as famílias, a instituição servia a propósitos como oferecer merenda. Professores e funcionários faltavam por qualquer motivo. Contudo, as novas benfeitorias mostraram que a gestão se tornara séria e todos se sentiram mais valorizados. Hoje, quem entra na Guadalupe é recebido por crianças e jovens entusiasmados, que não se cansam de dizer que não trocam a escola por outra. Os pais reconhecem o valor do ensino, são atuantes no Conselho Escolar e fazem fila na época de matrículas. E os docentes e a equipe de apoio recebem formação permanente e se comprometem cada vez mais.

 Foto: Adauto Rodrigues

Ganhos concretos
Com a imagem recuperada e a comunidade motivada, o impacto na aprendizagem logo surgiu. Entre 2005 e 2010, a aprovação subiu de 54% para 75%. No mesmo período, o Ideb das turmas de 4ª série saltou de 2 para 3,9. E das turmas de 8ª série subiu de 2,5 em 2007, quando começou a ser medido na escola, para 4,1, em apenas dois anos. "Para continuar crescendo, temos novos projetos, como uma rádio interna, comandada pelos alunos", conta o diretor. A evasão ainda preocupa - apesar de ter caído de 17% para 14% nos últimos anos -, em especial na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Para incluir a EJA no ciclo virtuoso, as turmas da noite ganharam um coordenador pedagógico exclusivo e inovações no currículo, como um projeto de saúde em Educação Física e uma oficina de escrita.

Melhorar as condições de trabalho com formação

Nos últimos anos, a EMEF Missionários Combonianos, em João Neiva, mudou muito: foi municipalizada e regionalizada (as vagas se destinam às famílias do bairro). "Não havia horário de estudo, os pais não conheciam nosso trabalho e os resultados deixavam a desejar. Viramos o jogo com ações formativas", conta Catarina Bollis Campagnaro, diretora de 1996 a 2010.

Foto: Diana Abreu

Preparo em foco
Quando a escola era estadual, antes de 2005, Catarina participou de uma formação para educadores do município. Ela notou que os novos conhecimentos ajudariam a equipe a conhecer os objetivos das atividades feitas com os alunos e, assim, trabalhar melhor e com mais prazer. "Não tínhamos coordenação pedagógica. Eu me reunia com os professores e discutia o que aprendia", conta Catarina. De uma das propostas, nasceu o projeto de uma comunidade leitora. Catarina mostrava aos docentes como trabalhar os comportamentos leitores e investia nas reuniões formativas, impulsionando os professores a aprimorar a prática.

Foto: Diana Abreu

Indicadores em alta
Com o passar do tempo, a formação ganhou cada vez mais impulso. Hoje, há encontros pedagógicos quinzenais, com duas horas de duração, que fazem parte da jornada de trabalho. "Dessa forma, foi natural que o aproveitamento dos alunos desse um salto. Em 2010, dos 243 estudantes que terminaram o ano letivo conosco, apenas 20 foram reprovados. A evasão é praticamente zero. E o Ideb vem subindo gradativamente - 3,3 em 2005, 4,7 em 2007 e 5,5 em 2009", relata Adriana Baptista, a atual diretora da escola.

 

Foto: Diana Abreu

Parceria consolidada
As conquistas e os projetos em curso são divulgados em murais, ação que ajudou a mudar a imagem ruim que a instituição já teve. Antes da regionalização, as famílias do bairro faziam de tudo para matricular os filhos em outras escolas. Nem uma reforma que deixou o prédio bonito pôde transformar o cenário - o que só ocorreu com a formação e os avanços na aprendizagem. Hoje, os pais conhecem as necessidades da escola e são verdadeiros parceiros, como Sergio Fernando Dalmaschio (na foto, com a diretora, Adriana), que doou e instalou prateleiras para livros.

Avançar nos resultados com base no PPP

Em 2004, Plácido José Sousa Cavalcante chegou à direção do Liceu Estadual de Maracanaú. "Senti certa apatia nos alunos de Ensino Médio e notei que não havia uma preparação adequada para o vestibular", conta. Era hora de rever o projeto político-pedagógico.

Foto: Jarbas Oliveira

Valorização do estudo
Com aulas bem planejadas e docentes mais disponíveis para orientar os alunos, os estudantes do Liceu se tornaram verdadeiros pesquisadores. Eles apresentam os resultados de trabalhos científicos em seminários e querem avançar cada vez mais. Cresceu também o interesse dos docentes pela escola - até quem mora longe quer assumir vagas no Liceu por causa de seu PPP.

 

Foto: Jarbas Oliveira

Esforço reconhecido
Os melhores trabalhos dos seminários vão para feiras de Ciências, que já deram ao Liceu dezenas de prêmios e permitiram às turmas viajar para vários países. Os bons resultados e a crescente aprovação nos vestibulares deram mais credibilidade ao projeto. Consequência: a procura pela escola aumentou e outras instituições visitam o Liceu para aprender com as suas experiências.

 

Foto: Jarbas Oliveira

Renovação positiva
A comunidade aprovou o novo PPP em 2005. "Com a concentração de carga horária, uma das principais mudanças implementadas, os docentes têm menos turmas por semestre e mais tempo para estudar", diz Plácido. As médias em Língua Portuguesa e Matemática no Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece) foram de 261,8 e 265,5 (em 2005) para 293,3 e 295,1 (em 2010). E o ingresso no Ensino Superior aumentou cerca de 20%.

Quer saber mais?

CONTATOS
EMEF Missionários Combonianos, tel. (27) 3258-2351
EMEF Nossa Senhora de Guadalupe, tel. (91) 3728-1755
Liceu Estadual de Maracanaú, tel. (85) 3101-2888

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