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Paula Louzano fala sobre modelos curriculares no Brasil e no mundo

Após estudo internacional, pesquisadora considera que o atual modelo curricular brasileiro gera desigualdades

POR:
Rosi Rico
Paula Louzano. Foto: Zé Carlos Barretta
Paula Louzano

Ao definir uma base nacional comum, formada por um conjunto de conhecimentos, valores e habilidades que todos têm direito de aprender, o objetivo do governo federal é garantir a igualdade no ensino. Na prática, porém, isso não ocorre, segundo Paula Louzano, doutora em Política Educacional pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e atualmente faz pós-doutorado no Centro de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Para ela, as Diretrizes Curriculares Nacionais, que deveriam cumprir esse papel, são muito genéricas. Sem orientações específicas, a decisão do que e de como ensinar recai sobre municípios, escolas e professores muitas vezes sem recursos financeiros ou capacidade técnica para assumir tal responsabilidade.

Essa falta de clareza faz do Brasil um caso isolado no cenário internacional, segundo a pedagoga, que realizou uma pesquisa sobre as estruturas curriculares e o modelo de atuação de Austrália, Chile, Cuba, Estados Unidos, Finlândia, México, Nova Zelândia e Portugal. Na entrevista a seguir, ela compara a realidade brasileira com a desses países e indica o que pode mudar o cenário atual.

As Diretrizes Curriculares e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são suficientes para a especificação da base nacional comum?
PAULA LOUZANO É importante separar PCN e diretrizes. As diretrizes aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) têm força de lei, ou seja, são obrigatórias. Os PCN não. Eles são uma sugestão. Quando falamos da especificação da base nacional comum, estamos nos atendo àquilo que é obrigatório, porque se não for assim não é um direito de todos. Fica na dependência da escola definir se ela quer ou não que aquelas sugestões sejam utilizadas. E as diretrizes são extremamente genéricas. No Brasil, a definição para na indicação de que a base nacional engloba o ensino de Língua Portuguesa, Matemática e Ciências naturais e sociais. Ela não chega a tratar do que deveria ser aprendido em cada área do conhecimento.

Seria suficiente transformar os PCN em lei?
Não. Os PCN devem, sem dúvida, ser um ponto de partida para a definição dessa base comum. Mas eles falam de concepção, metodologia de ensino, sugestão didática etc., ou seja, misturam vários aspectos. E ainda têm uma estrutura diferente para cada área do conhecimento. Outro ponto é que, em geral, os países costumam fazer uma discussão sobre o currículo a cada dez anos. Os PCN são de 1996, então, teríamos de atualizá-los.

As orientações didáticas do Pacto Nacional para Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) podem ser um balizador?
Elas podem ser referência sobre o que deve ser ensinado nos três primeiros anos do Ensino Fundamental. Mas quando olhamos para o debate curricular no mundo, observamos que os países tendem a detalhar o que e como ensinar. As orientações didáticas do Pnaic estão vinculadas apenas ao como. Deveríamos ter um documento anterior que tratasse do que ensinar. Essa discussão chegou a ser iniciada no CNE por meio do documento Direitos de Aprendizagem, mas ainda não foi para a frente. O Ministério da Educação (MEC), portanto, implementou um programa nacional de alfabetização sem ter um acordo sobre o que as crianças têm de aprender. Mas acredito que com base no PCN, nos currículos estaduais e municipais e no Pnaic podemos tentar chegar a um acordo sobre o que é comum.

É importante garantir que essa discussão inclua escolas e professores e que os educadores sejam parceiros e não meros implementadores?
Precisamos dos especialistas em Educação, mas também dos docentes e dos gestores. O que for definido tem de fazer sentido para o professor, ele precisa estar convencido de que aquilo é importante. E você só alcança isso quando traz esse ator para participar. Portanto, não pode ser um processo apressado de debate. Quando se observa os países que fizeram uma política curricular interessante e que conseguiram levá-la para a base do sistema, que é a escola, percebe-se que eles cuidaram muito do processo de elaboração participativa e da implementação.

O que o Brasil pode aprender com as experiências de outros países?
A maioria dos países foca no que ensinar e tende a dar mais autonomia no como. Nossa Constituição também fala da liberdade pedagógica, portanto não tem sentido para a sociedade brasileira detalhar o como. Entre os que dão orientações bem claras sobre o que tem de ser ensinado temos, por exemplo, Portugal, que chega a deixar na entrelinha a definição do como. Cuba especifica ainda mais. No outro extremo, há locais como a Finlândia que detalha pouco os conteúdos, mas separa o que se ensina de dois em dois anos. O Brasil só diz que precisa ter Língua Portuguesa e Matemática na Educação Básica, sem entrar no mérito do que tem de ensinar ano a ano e ciclo a ciclo. Se fosse classificar, ele seria um país único, fora do espectro internacional. Mas não existe uma única opção correta. Cuba e Finlândia, que representam modelos opostos, são dois casos de sucesso. Pela nossa visão de que os docentes devem ter autonomia, nos aproximamos mais do sistema finlandês. Mas temos de debater também qual o nível de centralização da política curricular que tem de estar na mão do governo e quanto isso fere a autonomia do professor.

Como aliar a autonomia da escola e dos professores e a diversidade cultural do país à necessidade de estabelecer uma base comum?
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) já pensa nesse equilíbrio à medida que diz que o currículo da escola será composto de uma base comum e outra diversificada, que muda conforme a região, cidade e escola. O que ainda não fizemos foi ser específico com respeito ao que é comum. Precisa ter debate. A lei que obriga o estudo da cultura afro-brasileira e africana conseguiu fazer isso. Após discussão, definimos, como país, que, por causa da nossa história, isso é importante e esses conteúdos devem fazer parte do currículo de todos e não só de alguns. Por incrível que pareça, as diretrizes, nesse caso, são as que mais especificam. Precisamos fazer isso também para Matemática, Língua Portuguesa, Física etc.

Os países que optaram por definir o que e como ensinar conseguiram estabelecer maior equidade no sistema educacional?
Parte do argumento usado por países que estão buscando centralizar a política curricular é a questão da equidade, afinal não é justo que pessoas de um território mais pobre aprendam menos do que alguém que está em outro mais desenvolvido. Mas não precisa detalhar tudo e ter controle para garantir equidade. A Finlândia não faz isso e assegura igualdade. No entanto, não tenho dúvida que o atual modelo brasileiro gera desigualdade. Porque, ao não especificar nada, deixa na mão do município, do estado ou da escola esse poder. Muitos, porém, não têm condições, seja porque não têm recursos financeiros, seja porque não têm capacidade técnica. E quanto menos eles têm condições de fazer, mais vão se apegar ao livro didático e à avaliação, que estão prontos, para definir o que deve ser ensinado. Não vejo como a situação de hoje possa ser positiva.

Quando a base curricular nacional estiver definida, qual deve ser o foco de atenção para assegurar a qualidade do ensino?
A implementação dessa base e o alinhamento dela com outras políticas, como avaliação, elaboração de material didático e formação de professores. A política curricular pela qual acredito que iremos optar entrega autonomia ao educador sobre como ensinar e vai depender da interpretação que esse profissional fará das informações e da adaptação disso na aula. Esse não é um trabalho trivial. Os países que investiram bastante na elaboração do currículo conseguiram sucesso na implantação e foram além da simples criação de um documento. Na Austrália, houve uma preocupação grande de validar tudo com os docentes e checar com a escola se aquilo fazia sentido. Eles começaram em 2008 e até hoje algumas disciplinas ainda não foram implementadas. Por que todo esse tempo? Porque eles entenderam que o processo já é uma formação. É o que vai garantir que os professores se apropriem daquilo.

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