Desde de que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi colocada em consulta pública, tenho pensado muito no quanto o professor de Educação Infantil precisa ser mais autor e mais autônomo, ler, ampliar seu conhecimento cultural e ser um observador atento das diversas linguagens da criança. Além disso, ele precisa saber ouvir, propor diferentes encaminhamentos e considerar o entorno e as peculiaridades das turmas.
Minhas reflexões estão pautadas nos trabalhos que desenvolvo com professores e coordenadores de escola em diferentes municípios de São Paulo e foram disparadas pela proposta do BNCC de organizar a aprendizagem dessa etapa em “campos de experiências”. Abaixo, copio um trecho do documento para vocês entenderem um pouco melhor o que é isso.
Os Campos de Experiência colocam, no centro do projeto educativo, as interações, as brincadeiras, de onde emergem as observações, os questionamentos, as investigações e outras ações das crianças articuladas com as proposições trazidas pelos/as professores/as. Cada um deles oferece às crianças a oportunidade de interagir com pessoas, com objetos, com situações, atribuindo-lhes um sentido pessoal. Os conhecimentos aí elaborados, reconhecidos pelo/a professor/a como fruto das experiências das crianças, são por ele/a mediados para qualificar e para aprofundar as aprendizagens feitas.
Com base nesse trecho, gostaria de ilustrar o que tenho pensado a respeito desse assunto com duas situações que presenciei há alguns anos na escola que eu coordenava e que me mostraram como a escuta atenta do professor pode impactar positivamente em novas propostas na sala de aula.
Do interesse pelas formigas, nasceu um projeto
No segundo semestre, as turmas de 4 anos sempre desenvolviam o projeto “Na época dos Castelos”, que costuma chamar a atenção das crianças facilmente, pois elas se divertem com as fantasias, os adereços e os contos de fada. No entanto, os pequenos da sala da professora Andréa também estavam fascinados com as formigas que viviam por todo o parque da escola. Elas sempre faziam perguntas sobre os insetos, queriam ficar seguindo as formigas para descobrir para onde ia aquela fila indiana, mexiam nelas com gravetos e, na sala de aula, era um tal de desenhar e fazer formigas com massa de modelar.
Muita atenta a essa movimentação, a professora resolveu elaborar um projeto sobre o inseto e propôs às crianças a construção de um formigueiro com vaso plástico. Ela conseguiu alguns tipos de formiga de brinquedo, criou um jardim de faz de conta e montou um canto sobre o tema na sala. O grupo ainda fez uma pesquisa nos livros e assistiu a vídeos sobre o inseto e, daí, elaborou um portfólio com as descobertas e produções artísticas. Foi um projeto que só aconteceu naquela sala.
Da escuta, a transformação de um canto de faz de conta
Num canto de faz de conta da sala da professora Maristela, foi montada uma cozinha com fogão, utensílios e vários ingredientes que simulavam os alimentos. Lá, as crianças se divertiam elaborando pratos diferentes. Mas, todos os dias, muitos itens da cozinha eram levados para o canto da leitura, que parecia ter se tornado uma extensão do primeiro. Inicialmente, a professora pedia para os pequenos brincarem de cozinhar apenas no espaço que era destinado para isso, pois, assim, não atrapalhariam os outros colegas que queriam se sentar e folhear os livros. Mas de nada adiantava e, no dia seguinte, vários utensílios gastronômicos estavam lá de novo.
Até que alguns dias depois Maristela se sentou com as crianças para conversar e entender porque elas estavam levando os objetos para o canto da leitura. Mateus disse: “Prô, as pessoas têm que comer o que a gente cozinha. Na cozinha, não tem mesa, então a gente leva a comida para onde tem lugar para sentar”. A professora compreendeu que só o espaço da leitura tinha almofadas e um tapete para se sentar confortavelmente. Era preciso transformar a cozinha num restaurante, com lugares para servir os clientes! Com as crianças, Maristela procurou uma mesa e cadeiras, reorganizou os espaços e continuou a brincadeira.
Essas duas situações são especiais e só aconteceram porque as professoras estavam muito atentas e escutaram as crianças. Hoje, me pergunto quantas vezes não aconteceram propostas bacanas desse jeito, não porque os professores não observaram a turma, mas porque já existia um planejamento e não houve abertura para flexibilizá-lo, levando em consideração o que encanta os pequenos.
Agora, pergunto a você: precisamos ou não de um professor cada vez mais autor e autônomo? Defendo que, mais uma vez, é na formação contínua que podemos qualificar a prática docente. O que você acha?
Um abraço, Leninha