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O que o caso de agressão no BBB ensina a todos nós

Relacionamentos abusivos podem acontecer em diversas instâncias. Saiba qual é o papel da escola quando essas situações acontecem dentro do ambiente escolar

POR:
Laís Semis
Cena em que  Marcos Harter, do BBB, levanta a voz e encurrala Emilly Araújo, com quem tem um relacionamento, na parede. O episódio provocou grande debate e resultou na expulsão de Marcos. Crédito: Reprodução/TV Globo.

O casal discute, qualquer um que estiver por perto é capaz de entender o que está acontecendo. Em um determinado momento, o rapaz aumenta o tom, levantando a voz e fisicamente acua a garota contra a parede. Sua força física claramente se impõe, obrigando ela a se subjugar. Essa cena foi vista em rede nacional no programa Big Brother Brasil (BBB) na última semana, mas não é uma situação incomum na nossa sociedade, seja em discussões domésticas, de trabalho e, claro, nas escolas.

A briga entre Marcos Harter e Emilly Araújo no BBB provocou um grande debate. A Rede Globo, responsável pelo programa, expulsou Marcos do reality show. Até a decisão ser anunciada, porém, a emissora foi acusada de estar lavando as mãos para o caso, evitando intervir e deixando toda a responsabilidade nas costas da garota. Com isso, ignorou o fato de que relacionamentos abusivos acontecem em diferentes graus, muitas vezes os envolvidos não sabem que estão nessa situação e os espectadores se omitem.

“Essa é uma situação muito frequente na escola, principalmente entre alunos de 14 e 19 anos, quando começam a se relacionar”, relata Willmann Silva Costa, diretor da C.E. Chico Anysio, no Rio de Janeiro. No entanto, é difícil que os estudantes tragam o tema para a equipe gestora ou docente e nem sempre os alertas são visíveis para quem não acompanha de perto o relacionamento. É preciso, muitas vezes, saber como identificar esses casos. Por exemplo, quando os funcionários, ao circular pela escola, presenciam discussões agressivas entre casais. “A gente percebe pelo tom da voz não habitual e uso de vocabulário mais forte e do imperativo, dando ordens com gesticulação excessiva, que alguma coisa não está certa na conversa”, aponta Willmann.

Telma Vinha, professora de Psicologia Educacional da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que é muito mais fácil para os adolescentes abrirem situações e compartilharem como estão sentindo entre pares do que com os adultos. Na visão dos estudantes, os profissionais da escola podem julgá-los ou puni-los e o que eles precisam nesse momento é de uma rede de suporte.

“Uma pessoa abusiva pode manipular a outra dizendo que a ama e que irá mudar. Porém, quanto mais vezes a pessoa a recebe de volta, mais poder se ganha sobre ela”

Uma opção para lidar não só com esse cenário, mas com outros que também envolvem mediação de conflitos, é implementar na escola um grupo de apoio entre pares. “As equipes de ajuda são formadas por alunos com preparo sobre como abordar o tema, técnicas de apoio, formas de ajudar sem julgar. Existem professores por trás que ajudam esse grupo, com discussão sobre os casos sem nomear os envolvidos”, explica Telma. “Muitos casais que vivem uma relação abusiva não assumem que a vivem. Alguns, por vergonha, e outros, por não identificar tal dinâmica como sendo agressiva”, comenta a psicóloga Cláudia Magalhães.

Em determinados casos, uma conversa já ajuda os envolvidos a entenderem a condição em que se colocam, repensarem suas atitudes e a mudá-las. Mas, em outros, a solução não é tão simples. O casal pode não ver a própria relação dessa forma e até mesmo acreditar que as exaltações são uma demonstração de cuidado da parte do outro. “Uma pessoa abusiva pode manipular a outra dizendo que a ama e que irá mudar. Porém, quanto mais vezes é recebida de volta, mais poder se ganha sobre ela. Depois do abuso, a pessoa tende a se mostrar carinhosa e amorosa”, analisa a psicóloga.

“Os envolvidos não vão deixar esse papel se eles não tiverem uma mudança de concepção”, afirma Telma. “Sair de um relacionamento abusivo leva tempo, aí a importância de se montar uma rede de apoio”, completa. Mas, antes de adotar procedimentos para corrigir esses problemas, é preciso evitar que aconteçam quando possível. “Depois que eles ocorrem, é como se fosse um incêndio. Você apaga, mas tem sequelas. Daí a necessidade de se trabalhar o tema preventivamente por meio com a problematização da questão da igualdade e violência contra a mulher, por exemplo, e identificação de casos próximos aos reais, como personagens de livros, filmes, novelas e o próprio BBB”, indica Telma.

Outro alerta para a instituição é quando o aluno passa a ter um comportamento diferente após se envolver no relacionamento, passando a ser mais submisso, por exemplo. Cláudia indica que existem muitos motivos para uma pessoa mudar seu comportamento. “Isso não significa necessariamente que um dos dois esteja passando por uma relação abusiva, mas, é importante que a escola esteja atenta e observando esse casal e como um influencia o comportamento do outro”, comenta. Como relata Willmann, não são só as meninas vítimas de um relacionamento abusivo. Isso pode acontecer com meninos e também em relacionamentos homoafetivos. “Trabalhamos com a ideia de que ninguém pode neutralizar a presença do outro. Tivemos um caso de uma aluna que tinha uma postura de liderança e era muito ativa. O aluno que ela namorava começou a ficar sempre nos cantos, quando estava com ela ficava mais quieto, de canto, ela não queria que ele fizesse atividades simples, como jogar ping-pong”, relembra o diretor.

Persolidades podem ser usadas como casos de identificação próximos ao real. A pintora Frida Kahlo, por exemplo, também passou por relacionamento abusivo com seu marido, o também pintor Diego Rivera. A relação entre eles era intensa, difícil, cheio de brigas e separações. Crédito: Guillermo Kahlo

Na CE Chico Anysio - como em muitas outras escolas brasileiras - não há grupo de mediação entre pares e os alunos são instruídos a conversarem com a orientadora educacional. Eles são chamados para conversas individuais para que ninguém se sinta coagido pelo companheiro a não dizer o que está se passando ou sentindo. Em um segundo momento, os dois são chamados conjuntamente. Mesmo na mediação entre pares, quando há casos que seguem com problemas, os professores de apoio também podem sugerir aos mediadores que esses alunos venham buscar ajuda dos profissionais da escola.

Na conversa, Telma indica que a empatia é importante para que os estudantes se sintam confortáveis em compartilhar o que está acontecendo. O papel do mediador é de empoderamento, explicitando à vítima que ela não é a causa da situação e a instigando ambos a buscarem mais sobre o tema para entendê-lo. Para a especialista, a família só deve ser informada caso a situação se desdobre em algum tipo de violência física ou com a autorização dos envolvidos. É possível recomendar que se abra o jogo com pais ou responsáveis e pensar conjuntamente na melhor forma de como fazê-lo. “Às vezes, as reações dos pais são mais rigorosas do que a escola pode esperar e a relação com adolescentes é muito delicada. Se você perde a confiança deles, você os perde”, pondera. É possível também que o problema vivenciado pelos adolescentes seja um reflexo do que acontece entre os pais ou outros membros familiares e não haja entendimento por parte deles de que atitudes abusivas representem um problema, mas uma configuração natural. “O papel da escola é ampliar isso. Colocar que a família pode pensar assim, mas partir para um trabalho de pesquisa e discussão das leis e conquistas sociais, por exemplo”, recomenda a especialista em psicologia educacional. Após a mediação do conflito, é preciso monitorar o caso, retomando a conversa com os envolvidos.

Pode acontecer com você ou seu colega também

Qualquer um pode ser vítima ou agressor em um relacionamento abusivo sem ter consciência do que está se passando. O próprio movimento da escola em ações preventivas e questões trazidas por estudantes ajudam na conscientização e reflexões vivenciadas. Inclusive para situações que estejam eventualmente ocorrendo dentro da equipe.

Caso um funcionário perceba que há algo errado com o colega, cabe chamá-lo para uma conversa. “Às vezes, vemos pelo desempenho e motivação do profissional que tem algo emocional afetando o trabalho e a acolhida é importante, mesmo que seja apenas ouvindo”, compartilha Willman. “Se você tem uma relação de trabalho em que um funcionário está passando por isso, é humano se colocar para conversar sobre. O tom não pode ser prescritivo, precisa ser de apoio”, indica Telma Vinha.