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Depressão: a ameaça invisível

O seriado 13 Reasons Why chamou a atenção para o problema, que é difícil de identificar

POR:
Mariana Queen Nwabasili
Não é natural: todo mundo sofre durante a adolescência, mas a tristeza durante um período prolongado pode ser sinal de que é preciso buscar ajuda. Foto: Tomás Arthuzzi

"Finalmente estamos falando sobre isso!" Esta era a mensagem passada pelos relatos dos 28 professores e gestores que se reuniram na sede de NOVA ESCOLA para discutir o tema. Vieram à tona casos de suicídio, automutilação e bullying que retratam a dimensão de um problema comum, mas pouco comentado: a relação entre o clima escolar e a saúde mental dos alunos. "Essa discussão caiu como uma luva para mim!", disse uma das participantes.

O disparador da conversa foram as cenas retratadas no seriado 13 Reasons Why (disponível em netflix.com). Nele, a jovem Hannah Baker se mata após passar por situações de isolamento, ataques e agressões sociais. Na ficção, os problemas ocorrem e ninguém parece se mobilizar para ajudar a adolescente: escola, família, amigos, todos ignoram o assunto.

O programa repercutiu. Poucos dias após a estreia, educadores, adolescentes e especialistas em saúde mental se pronunciaram. Para além das polêmicas sobre a obra - muitos a consideraram explícita demais -, o consenso é: está na hora de prestar atenção ao assunto.

Um olhar para os dados dá a dimensão do problema. O suicídio é a segunda principal causa mundial de morte de pessoas entre 15 e 29 anos, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). Ele é uma das consequências de um problema ainda maior, a depressão. Dados do 2º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), divulgado em 2012 pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostram que 3% dos adolescentes do país dizem já ter tido o transtorno. Se considerados também relatos de ansiedade e outros problemas mentais, o porcentual sobe para mais de 20%. Segundo a OMS, essa é a principal causa de doenças nos jovens de 10 a 19 anos.

Problemas emocionais podem ser difíceis de identificar. Diferentemente de problemas de saúde física, em que os sintomas são claros, a principal manifestação dos transtornos de humor são alterações comportamentais. "Quando o humor de uma pessoa torna-se persistentemente negativo, passando a causar prejuízos, ela pode estar atravessando um episódio de depressão", afirma o livro Saúde Mental na Escola, organizado pelos psiquiatras Gustavo Estanislau e Rodrigo Bressan.

Ao identificar um aluno em sofrimento, a conversa com a criança e com os pais deve ser empática. É importante que os adultos compreendam o sofrimento do jovem e ofereçam ajuda. A escola pode fornecer informações que auxiliem a família a lidar com o problema (Foto: Tomás Arthuzzi)

Com o apoio das famílias

Ao identificar um aluno em sofrimento, a conversa com a criança e com os pais deve ser empática. É importante que os adultos compreendam o sofrimento do jovem e ofereçam ajuda. A escola pode fornecer informações que auxiliem a família a lidar com o problema.

É importante diferenciar essa condição de um episódio de tristeza momentânea - as variações de humor são comuns em todos. No caso da depressão entre adolescentes e crianças, ela culmina em mal-estar emocional prolongado.

Alterações significativas no comportamento podem ser observadas: acessos de tristeza, irritação e raiva combinados, isolamento, queda no rendimento escolar, perda ou ganho de peso, ocorrência de comentários autodepreciativos ou desesperançosos em relação ao futuro, demonstração do desejo de pôr fim à vida, desinteresse em realizar atividades que demonstrava prazer anteriormente.

Adultos em cena

Carolina (nome fictício) tem 13 anos e está matriculada no 7º ano da  EEEB Gama Rosa, no município de São Pedro de Alcântara, em Santa Catarina. Em um dos dias de aula deste semestre, a diretora Marília Aparecida Ribeiro Carreira ouviu boatos de que a jovem estaria envolvida no jogo Baleia Azul, uma série de desafios espalhados por grupos de WhatsApp que envolviam cometer automutilações, colocar a vida em risco e, ao final, cometer suicídio. A "brincadeira" ganhou repercussão nacional depois da divulgação de notícias de que jovens a estariam realizando. Apesar de não haver confirmação de mortes, as denúncias se espalharam pelo país.

Em Santa Catarina, a diretora decidiu convidar a jovem para uma conversa - não há orientadores educacionais na escola. Carolina confirmou a participação, mostrou à gestora os braços, em que havia arranhado a imagem de uma baleia. "Ela disse que ninguém gostava dela e que para ela tanto fazia viver ou morrer", conta a diretora.

O caso é exemplo de que mudanças significativas de comportamento dos jovens são sintomas - e não a origem - de problemas emocionais. "A autolesão acontece entre jovens antes mesmo do fenômeno Baleia Azul. Ela é um mecanismo de alívio de sofrimentos que parecem banais para os adultos, mas que para a criança ou o adolescente são muito sérios", diz Julia Siqueira, da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina.

Para ajudar Carolina, a diretora decidiu mobilizar uma rede de parceiros. Os primeiros a serem informados foram os pais da garota, que participaram de uma reunião com o Conselho Tutelar mediada pela diretora. Do encontro, a equipe decidiu encaminhar a garota ao Sistema Único de Saúde (SUS), onde recebeu apoio psicológico.

Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e as Unidades Básicas de Saúde (UBS) possuem psicólogos e profissionais de saúde mental preparados para atender às demandas da comunidade. Recorrer a eles, tanto para o encaminhamento de casos mais graves, quanto para colher mais informações sobre como a escola pode atuar, é fundamental.

Foi o contato com profissionais especializados que permitiu que a diretora tomasse as medidas adequadas. Marília frequentou, durante cinco anos, grupos de formação sobre conflitos, violência e clima escolar organizados pela Secretaria de Estado de Educação de Santa Catarina. Marília se tornou, dentro da escola, a pessoa de referência para lidar com o tema. Mais do que o local para onde os alunos que se comportam mal são mandados, o espaço é reconhecido como ambiente onde os alunos podem expor as aflições, dúvidas e preocupações tão comuns da adolescência. "O que propomos é sempre o diálogo e fazemos de tudo para a criança se sentir acolhida", afirma ela.

Parcerias pelo bem-estar dos estudantes

Os alunos em sofrimento podem ser encaminhados a postos de saúde onde haja atendimento psicológico. Na escola, profissionais da saúde mental podem ajudar a capacitar a equipe de educadores para identificar alunos com depressão e auxiliá-los durante a recuperação.

Os alunos em sofrimento podem ser encaminhados a postos de saúde onde haja atendimento psicológico. Na escola, profissionais da saúde mental podem ajudar a capacitar a equipe de educadores para identificar alunos com depressão e auxiliá-los durante a recuperação (Foto: Tomás Arthuzzi)

Em outras escolas, esse papel pode ser desempenhado por diversos profissionais: o orientador educacional, o coordenador pedagógico, um professor ou funcionário que seja mais próximo dos jovens. Em todos os casos, formar esse profissional e o restante da equipe é essencial. Os sites do Projeto Cuca Legal, organizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para fornecer formação para professores sobre saúde mental, traz conteúdos que podem ser discutidos pelas equipes pedagógicas.

Em Santa Catarina, as ações parecem ter dado resultado. "Falei com a estudante e perguntei se estava tudo bem. Pude notar que ela já está falando mais. Me disse que está melhor e que abandonou o jogo da Baleia Azul", conta Marília.

As medidas para melhorar o clima escolar devem preparar educadores, funcionários, famílias e alunos para acolher os jovens em sofrimento.

Turma mobilizada

Os jovens também devem ser envolvidos no trabalho. "Dar espaço para os alunos colocarem seus conflitos, angústias e serem ajudados pelos pares melhora o clima escolar", diz Maria Estela Zanini, coordenadora do Colégio Bandeirantes, em São Paulo. A instituição decidiu criar grupos de ajuda, com alunos que recebem treinamento específico para dar suporte aos colegas.

Os membros da equipe são eleitos por seus colegas de turma e passam por um treinamento de um dia, no fim de semana. A ideia é que apredam como se aproximar de alunos que estão sofrendo bullying ou que têm problemas de integração e interação com colegas. Semanalmente, os voluntários se reúnem com orientadores educacionais para rever suas estratégias.

A sensação de solidão é uma constante para quem vive com depressão. Formar equipes de ajuda e capacitar alunos para conversar com os jovens com o transtorno pode ser fundamental para que eles se recuperem e voltem, gradativamente, à vida normal (Foto: Tomás Arthuzzi)

Problemas recorrentes também podem ser apresentados em rodas de conversa realizadas semanalmente com todos os alunos. Nelas, os participantes do grupo podem endereçar questões relativas ao clima que estejam afetando os colegas.

Quando o bullying é citado, o procedimento do debate é específico e cuidadoso. Segundo a coordenadora, se os colegas falam na roda "tem gente nessa sala que sofre bullying", os educadores que mediam a conversa sugerem uma discussão com base em perguntas como: "O que é bullying?", "Por que bullying se relaciona a preconceito?", "O que está acontecendo na turma é bullying ou outro tipo de provocação?".

Também é importante trabalhar com os alunos a diferença entre delação e denúncia quando algum colega está com problemas. A primeira é o tradicional "dedo-duro", que fornece aos adultos informações que eles não deveriam saber. Já no segundo caso, responsáveis recebem informações que precisam vir à tona quando a segurança de um colega está em risco (como quando se teme que ele possa cometer suicídio ou ele esteja se machucando). Nesses casos, procurar um adulto é uma forma de ajuda e cuidado.

Segundo Telma Vinha, diversos estudos apontam as melhorias que o clima escolar positivo acarreta. E elas não promovem apenas o bem-estar emocional dos alunos mas também de educadores, funcionários e até das famílias. Com espaços de acolhimento, equipe preparada e parceiros mobilizados, os indivíduos se sentem seguros, apoiados, engajados, pertencentes à escola e respeitosamente desafiados. "E o gestor escolar é fundamental para fomentar esse clima saudável e positivo", diz a especialista.

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