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Quando o aluno percebe que há um clima ruim entre os professores

POR:
Willmann Costa
Shutterstock

Tenho costume de circular pela escola, observando o clima escolar, se está tudo bem e se os alunos estão satisfeitos. Certo dia, fui abordado por uma aluna no pátio que me disse que a professora Solange* estava sofrendo bullying. “O senhor não vai fazer nada?”, ela me perguntou. Quis saber mais detalhes sobre aquela afirmação.

De acordo com a aluna, a professora teria chegado, várias vezes, chorando na sala de aula. Ela estaria sendo humilhada por outra docente, a Sara*, que a acusou de ter roubado seu material do armário. Juro que fiquei atordoado com aquela situação, mas disfarcei. Acalmei-a e falei que iria verificar o que estava acontecendo.

Fui para minha mesa e fiquei pensando de que forma resolveria o problema, sem expor a aluna nem aumentar o conflito. Entendi a mensagem da estudante como sendo a ponta de um iceberg que parecia ser um problema bem maior do que estava visível.

A versão da professora Sara

Da mesma forma que circulo pela escola, também vou à sala dos professores com frequência e não havia percebido nenhum conflito assim tão explícito. Passei a observar a Solange, que possivelmente seria vítima de bullying, mais detalhadamente e percebi que ela não estava bem, parecia triste e abatida.

No dia seguinte, encontrei com a Sara, a outra professora envolvida na questão. Puxei conversa sobre a produção de um material de trabalho que precisaríamos fazer e sobre o prazo de entrega. Ela me ouvia com atenção e balançava a cabeça, em sinal de concordância. Em seguida, comentou que precisou refazer as avaliações das turmas, pois tinha pensado que o material havia sumido de seu armário.

Na verdade, tinha sido um engano. Na semana seguinte, ela achou todas as provas em uma gaveta no armário de sua casa. Tomamos um café. Ela comentou que não se sentia confortável com a visita de alguns alunos na sala dos professores. Disse que, normalmente, são os professores que os chamam para falar sobre alguma coisa.

Voltando ao assunto das avaliações, a professora falou que chegou até a pensar que as provas tinham sido levadas por algum estudante mal-intencionado. Ainda bem que esse engano foi solucionado. E eu não percebi nenhum mal-estar entre as duas professoras. Pelo menos, não na perspectiva da Sara.

O outro lado

Dois dias depois, circulando pela escola, encontrei a docente Solange. Quis saber se estava tudo bem, pois, nos últimos dias, percebi que ela andava triste. Ela respondeu que não estava satisfeita com a postura de alguns colegas. Perguntei se queria conversar sobre isso. Ela disse que sim e iria me procurar quando terminasse a última aula.

No fim do dia, com a escola já quase sem funcionários e alunos, sentamos para bater um papo. A professora estava visivelmente nervosa. Perguntei o que poderia fazer para ajudá-la. Ela falou durante meia hora e a ouvi com muita atenção. Disse que os colegas a olhavam com jeito de superioridade e que não havia mais ambiente para ela continuar na escola. Me confidenciou que quando acontecia qualquer coisa de errado, na sala dos professores todos olhavam para ela, como se fosse a culpada. Quis saber se alguém a tratou mal. Diretamente, não, mas ela sentia que os olhares e as falas pareciam julgamentos.

Uma solução

Eu disse que na próxima reunião colocaria na pauta o tema “relacionamento no local de trabalho”. Solange continuava angustiada. Perguntei sobre suas turmas. Se queixou da falta de interesse dos alunos, da indisciplina. Continuei tentando tatear a origem daquele incômodo. Quis saber se estava tudo bem em casa. Nesse momento, a professora começou a chorar e me contou do grave problema de saúde que seu marido estava passando. Ouvi-a por mais meia hora e percebi a chave do problema.

Passei a apoiá-la naquilo que era mais importante, no momento, para ela e passei a conversar com mais frequência. Na reunião seguinte, fiz a dinâmica do aquário com os professores, voltada para a reflexão dos relacionamentos. No exercício, ficamos todos em roda e aqueles que querem falar sobre o tema escolhido vão ao meio para dar a sua opinião. É uma forma de estimular a escuta empática. Assim, a professora percebeu que não havia nada contra ela entre seus colegas. Sentindo-se mais segura, falou do problema de saúde do marido e teve a solidariedade dos outros membros da equipe.

A aluna voltou a falar comigo e disse que a professora não estava mais sofrendo bullying, pois nunca mais tocou no assunto e nem chegou chorando na sala. Foi aí então que percebi que somos como um iceberg: a ponta que fica acima da superfície são as nossas ações. Um líder precisa ter uma escuta atenta para entender o que está submerso e que mantém relação de causa e efeito ao que está visível aos nossos olhos. Dessa forma, evitamos muitos conflitos.

Um abraço,

Willmann Costa

*Nomes fictícios para preservar a identidade das professoras.

Willmann Costa é diretor geral do Colégio Estadual Chico Anysio, no Rio de Janeiro-RJ, e professor de Língua Portuguesa e Literaturas. Tem mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade, pela Universidade Veiga de Almeida. Atuou como tutor do programa Gestão da Aprendizagem Escolar na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).