Por que ensinar habilidades socioemocionais
"Conteúdos escolares não bastam para a sociedade atual", diz Esther Carvalhaes, analista da OCDE
POR: Maggi KrauseUm mundo em mutação exige que indivíduos e sociedades se adaptem continuamente e colaborem entre si para resolver problemas nunca antes vistos. Nas próximas décadas, surgirão empregos que ainda não existem e as tecnologias continuarão evoluindo. É nesse contexto que vários países analisam seus sistemas de ensino atuais e valorizam as habilidades não cognitivas no cotidiano escolar.
Para saber mais sobre essa discussão, NOVA ESCOLA entrevistou a pesquisadora Esther Carvalhaes, analista na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em Paris. Formada em Educação pela Universidade de São Paulo e doutora em políticas educacionais pela Universidade da Cidade de Nova York, ela se especializou na aplicação de métodos estatísticos para melhor compreender realidades educacionais. Hoje, recebe e analisa os dados de vários países e acompanha o projeto Educação 2030, como conta a seguir.
Por que as atenções internacionais estão voltadas para as habilidades socioemocionais?
Apenas os conteúdos escolares não parecem mais bastar para as sociedades atuais. O aprendizado não irá mais se limitar ao período da Educação Básica, mas deverá continuar durante toda a vida do indivíduo (em inglês, life-long learning). Na escola, os alunos aprendem a se relacionar, a lidar com diferentes opiniões e costumes, a trabalhar em equipe e até a estabelecer alvos mais elevados para si mesmos. Isso exige que eles desenvolvam uma série de habilidades não estritamente cognitivas, mas que têm mais a ver com sua capacidade de construir relações de confiança e de se autoconhecer, de mobilizar ou controlar suas emoções, seja para atingir objetivos escolares ou para criar um ambiente positivo ao seu redor.
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Quais características um professor deve ter para desenvolver essas habilidades nos alunos?
É difícil imaginar que um professor ou professora possa ajudar seus alunos a desenvolver certas competências se não tiver disposição para servir de exemplo. Há várias vertentes de pesquisa educacional que mostram a importância de modelos sociais no aprendizado. Os educadores que já desenvolveram certas competências têm papel fundamental em ajudar outros a desenvolvê-las. Eles podem inspirar, demonstrar, explicar o porquê de suas ações e compartilhar estratégias. Este aprendizado não vem só dos docentes, mas de pais de alunos, de colegas de sala e de amigos fora da escola.
Como as evidências internacionais podem verificar o impacto das habilidades socioemocionais no aprendizado em longo prazo?
De certa maneira, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) já tem feito isso: é preciso continuar medindo através dos anos que relação existe entre certas habilidades e o aprendizado nas novas turmas. Algumas competências estão associadas a melhores níveis de desempenho em vários países. Se elas forem testadas em diversos grupos de alunos e as pesquisas mostrarem os mesmos resultados, aumenta a credibilidade destas evidências. Por exemplo, é certo que a motivação para aprender e a sensação de pertencimento à comunidade escolar influenciam diretamente na aprendizagem. Observar diferenças entre países também é importante, porque elas permitem elaborar e estudar novas hipóteses para explicar por que certas competências se manifestam de outras formas dependendo do contexto.
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Qual o grande desafio dos pesquisadores?
Quando se trata de habilidades socioemocionais, ainda temos muito a aprender. Um dos principais obstáculos neste sentido refere-se à dificuldade de se aferir certos atributos individuais de forma rigorosa e objetiva. Como medir, por exemplo, a criatividade dos alunos? E sua capacidade de colaborar com os colegas? E seus níveis de persistência para alcançar um objetivo? Ou ainda sua resiliência, ou seja, sua capacidade de suportar e superar desafios? Outra dificuldade está no plano metodológico. No mundo ideal dos pesquisadores, teríamos que medir as habilidades de interesse com instrumentos confiáveis desde cedo na vida das crianças e acompanhar seu desenvolvimento individual até a vida adulta. Mas isso é muito difícil de realizar em larga escala.
Quais seriam as alternativas?
Um dos caminhos é fazer uma reflexão séria sobre que habilidades e competências são consideradas relevantes para a vida dos alunos e desenvolver instrumentos mais sofisticados que ajudem na aferição destas habilidades. Na OCDE, mais de 20 países cooperam em um projeto chamado Educação 2030. Muitos deles estão se perguntando se os sistemas de ensino atuais são capazes para preparar suas crianças e jovens para um futuro próximo.
Como será esse projeto na prática?
Ele se iniciou em 2015. Em maio de 2017 aconteceu um importante encontro de trabalho entre especialistas, que ouviram estudantes e outros interessados sobre o assunto. A partir dele, cada país irá definir quais competências (saberes, habilidades, atitudes e valores) serão cruciais para a inserção dos estudantes na vida adulta em 2030 e, então, examinar se elas estão refletidas nos currículos atuais das escolas. Será um exercício de troca de ideias e aprendizado com as experiências de outros, mas também um autoexame para saber o que falta. Este diálogo está em pleno andamento e a primeira fase do projeto dura até o fim de 2018. A segunda fase será dedicada a questões fundamentais, como traduzir um currículo em ações e projetos pedagógicos, desenvolver competências em sala de aula e fazer avaliações escolares coerentes com os novos conceitos.
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