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Além do Rio: violência explode nas escolas de Manaus

Agressões, roubos e invasões afetam aulas na capital do Amazonas

POR:
Renan Simão, Laís Semis
Caso de polícia: em Manaus, roubos e invasões são constantes, como mostram os 60 boletins de ocorrência acumulados pela diretora Daniele. Foto: Laís Semis

Uma panela de pressão, 6 quilos de açúcar, 30 quilos de frango, três extintores de incêndio, 42 telhas. Material de construção. Máquina de cortar grama. Monitor de computador, aparelho de DVD, microfone, 12 projetores, câmera fotográfica, notebooks, dez tablets. Material esportivo. Ar-condicionado.

A lista de itens roubados na EM Themistocles Pinheiro Gadelha, em Manaus, não para de crescer. "Passamos por tempos de terror aqui. Em 2014, em um único mês tivemos 21 assaltos", relembra a diretora Daniele Almeida dos Santos, que assumiu a escola em julho de 2013.

A pilha de 60 boletins de ocorrência acumulados por ela segue aumentando. "Segunda-feira eu já chego aflita. Às vezes, é uma coisa simples, como alguém que invadiu a quadra. Mas, em outras, pode ser que todo nosso equipamento, material de limpeza ou merenda tenham sido levados", relata a diretora.

Não são apenas as funções de apoio que sofreram. Recursos de sala também sumiram. A escola começou o ano letivo sem uma única caixa de som e sem projetores porque tudo foi roubado. "O pedagógico sente porque são professores sem recursos para trabalhar em sala. Gera um clima de insatisfação na equipe", conta a diretora Daniele.

LEIA MAIS: Diretor pode negociar com traficante? E chamar a polícia?

Situação semelhante se repete por boa parte das escolas da capital amazonense e por outras cidades. Agressões, ameaças e roubos no entorno também fazem parte da vida de 84% dos estudantes. É o que aponta um estudo da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), do Ministério da Educação e da Organização dos Estados Interamericanos que entrevistou jovens do Fundamental 2 e do Ensino Médio em escolas de Maceió, Fortaleza, Vitória, Salvador, São Luís, Belém e Belo Horizonte, sete das capitais mais violentas do país.

O problema, evidentemente, não se restringe a elas. Nos noticiários mais recentes, esteve em destaque o caso do Rio de Janeiro. No primeiro semestre, uma em cada quatro escolas tiveram que fechar ou interromper aulas por causa da violência, como tiroteios, assaltos ou operações policiais. Pelo menos 129,5 mil alunos foram afetados pelas interrupções.

Uma escola amedrontada: os portões arrombados da EM Themistocles Pinheiro Gadelha, em Manaus, são o indicativo do problema e da solução. Em um contexto violento, as escolas tendem a se fechar, quando a abertura e a confiança na comunidade são o melhor caminho para tornar o local mais seguro. Foto: Laís Semis

Escola aberta contra a violência

A quadra da Themistocles está sempre fechada. Isso porque, após o furto de 42 telhas – para facilitar a invasão à escola –, a estrutura do espaço ficou comprometida. "Nossa quadra é invadida diariamente. São pessoas que vêm para se esconder, fazer uso de entorpecentes, namorar ou mesmo assaltar a escola", diz Daniele. De acordo com Miriam Abramovay, coordenadora de Juventude e Políticas Públicas da Flacso, a depredação ocorre porque as pessoas não se sentem pertencentes ao local: "A escola é um bem público. Quando ela se torna um lugar de proteção, também se torna um lugar protegido".

Reverter a situação é difícil. Afinal, a escola reflete as questões de segurança do ambiente em que está inserida. Caren Ruotti, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP, aponta um caminho: "O que a gente tem de exemplos mais positivos em segurança são as escolas que se abrem para a comunidade. Não são as que se fecham, que colocam grades e vigilância".

O ideal é que a segurança das escolas seja como nas cidades: funciona sob os "olhos da rua", como conceitualizou Jane Jacobs em seu livro Morte e Vida de Grandes Cidades. Isso significa ter diferentes pessoas - mesmo sendo desconhecidas - observando os locais públicos. Essa providência funciona como uma medida de manutenção de segurança e liberdade.

Como conseguir isso? Exemplos de boas práticas seriam deixar os espaços da escola abertos e chamar as famílias para participar do dia a dia da instituição. É o que acontece na EM Professor Waldir Garcia, também na capital amazonense. Os horários de uso da quadra foram definidos no início, em reunião entre escola e comunidade. A penalidade - decidida conjuntamente - para quem não cumpre as regras é a perda do horário. "Não sofremos com roubos ou depredações porque eles cuidam do nosso espaço, e essa relação é muito boa", diz a diretora Lúcia Cristina Santos.

Em São Paulo, após duas décadas comandando a EM Campos Salles em Heliópolis, o diretor aposentado Braz Nogueira tem muito a compartilhar sobre o dia a dia em uma das maiores favelas da metrópole. Ele foi além da abertura da quadra: por anos dividiu as chaves da escola com a comunidade - pais, líderes comunitários e representantes de igrejas católicas e evangélicas. "Eu tinha 12 conjuntos de chaves que eram compartilhados com esses grupos", relata. "A escola é da comunidade. Ela é muito mais deles do que foi minha como diretor", afirma Braz.

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