Como inovar no conselho de classe
Escolas públicas mostram como transformaram a reunião em um momento estratégico para definir ações de melhoria no ensino com a participação dos alunos
POR: Laís SemisAo fim de cada bi ou trimestre é hora de analisar o ciclo que passou. O conselho de classe integra esse processo não só como um instrumento de avaliação, mas também de planejamento. A partir dele devem ser tirados não apenas indicativos sobre o andamento e próximos passos do aprendizado dos alunos, mas também sobre o ensino e a prática dos professores. Pela configuração multidisciplinar do fórum, que reúne toda a equipe docente e gestora, esse é um dos poucos momentos em que é possível analisar e avaliar sob diferentes perspectivas esses dois itens.
No entanto, é pouco comum as escolas aproveitarem o conselho para avaliar o trabalho dos docentes. “O foco é sempre na avaliação do educando”, conta Patrícia Lima, professora de História do Ensino Médio da Escola Técnica Estadual Cícero Dias/NAVE, em Recife. Para evitar que esse momento caia no equívoco de apenas julgar o comportamento dos estudantes ou se tornar um desabafo coletivo sem definir um plano de ação para impactar os resultados do próximo ciclo, algumas escolas — como a Cícero Dias — têm incluído os alunos nessa discussão. “Quando o foco da preocupação se limita à indisciplina e às notas ruins, é mais difícil de se encontrar a raiz do problema. Até porque o comportamento inadequado pode estar conectado à alguma dificuldade de aprendizagem”, avalia Ueverson Aparecido Nazaré, professor de História e Filosofia do Fundamental 2 e Médio da EE Professor Sérgio da Silva Nobreza, em São Paulo.
Para ajudar aos gestores que pretendem dar uma nova cara ao conselho de classe, vejam três exemplos de escola que usaram essa reunião de uma forma diferente:
Avaliação de postura e prática
A dinâmica de trazer os alunos para o conselho de classe foi implementada na Cícero Dias em 2012. A ação fazia parte de uma série de mudanças que visavam abrir a gestão e tornar a escola um espaço mais democrático.
O processo dessa participação estudantil no conselho começa com os representantes de classe reunindo as opiniões sobre a postura de cada professor com a sala e da dinâmica de seu trabalho. Após o levantamento do que gostariam que fosse mantido e do que é passível de melhora, acontece o pré-conselho. Nele, representantes de sala se reúnem com a equipe gestora para relatar as dificuldades da turma com cada professor, apontar as melhores desde as considerações do último conselho e também apontar os alunos que precisam de mais atenção. “Acontece uma orientação no pré-conselho, em que discutimos e temos o cuidado de orientar palavras que podem ser evitadas ou trocadas por outras, para evitar desgastes por conta de má interpretação”, destaca a diretora Aldineide de Queiroz.
Como cada sala tem apenas 3 minutos para fazer suas colocações, a gestão ajuda a sintetizar as informações em uma apresentação virtual padrão. No dia da reunião, abre-se com as falas dos estudantes. É um momento de escuta, em que não acontecem réplicas dos professores.
Para a professora Patrícia, o fato de os alunos estarem dentro do conselho é a prova gritante de que este também é o momento de avaliação do trabalho docente, não apenas dos alunos. “Não é fácil fazer avaliação de nós mesmos, enxergar nossas falhas. Nem todos entendem o momento como um feedback, veem como uma avaliação negativa”, conta Patrícia.
Quando os alunos deixam a sala, é hora de se debruçar coletivamente sobre o que foi falado e avaliar o rendimento do bimestre - docente e discente. “Esse trabalho de diálogo entre os professores ajuda bastante a enxergar pontos que realmente não tiveram o resultado esperado porque não tínhamos enxergado daquele jeito que os educandos trouxeram”, explica. Isso abre oportunidades de fazer alterações no planejamento — algumas sugestões partem dos próprios alunos. “E os professores que são extremamente elogiados no conselho acabam servindo de inspiração para entender as práticas e dinâmicas que funcionam melhor com cada turma para mudar esse dia a dia”, relata Aldineide.
Para a diretora, a implementação do conselho de classe participativo trouxe mudanças notórias. “Índice de reprovação caiu, os professores estão mais dinâmicos e, consequentemente, a aprendizagem é melhor”, avalia. Segundo ela, apesar do receio que existe em trazer o estudantes para esses momentos, é uma conquista. “A partir disso, o estudante também começa a se posicionar como responsável por esse processo. Ele passa a refletir, por exemplo, que se ele é um agente que conversa, é um agente que está atrapalhando. Com isso, vem a mudança de comportamento”, avalia.
Foco nos facilitadores e dificultadores
Em 2016, o conselho na EE Professor Sérgio da Silva Nobreza, em São Paulo, passou a ser diferente. A preparação começa com a sistematização do rendimento de cada sala. O mapeamento gera um gráfico com a porcentagem de alunos com resultado insatisfatório. Outro trabalho pré-conselho instaurado nessa época foi listar os agentes facilitadores — atitudes da sala que potencializam a aprendizagem — e dificultadores. Professores, gestores, representantes de sala e grêmio estudantil fazem esse levantamento previamente para apresentar no dia da reunião.
“No conselho, temos a visão da média das classes, o que facilitou e o que dificultou esses resultados”, conta a diretora Miriam Ribeiro de Santos. Diferente do que acontece na Cícero Dias, na Sérgio da Silva Nobreza a regra é não citar nomes perante todos. Casos que precisam de atenção são levados de forma individual para a gestão.
Com essas informações na mesa, a pergunta feita para todos é: quais ações serão feitas para reverter o número de resultado insatisfatório? “Pensamos em o que cabe aos professores, à gestão e aos alunos. Assim, todos são chamados para a responsabilidade dentro do que podem fazer”, explica Miriam. Também é estabelecido uma meta de melhoria para a porcentagem de resultado insatisfatório. “Nesse diálogo entre as partes não procuramos só os problemas, mas também o que há de bom e como essas habilidades podem ser aproveitadas para reverter os dificultadores”, fala o professor Uéverson.
À parte, em uma conversa entre a equipe e sem a presença dos estudantes, é analisado o rendimento de cada aluno. Se o problema é questão de aprendizagem, o caso é passado para a coordenação. Se é indisciplina, para a direção. “Todo professor tem um caderno em que ele faz registro sobre esses dois tópicos. Então, temos o histórico dos estudantes e discutimos ao longo do bimestre na hora de trabalho pedagógico coletivo (HTPC)”, esclarece.
Em parceria com a coordenação, os representantes levam para as salas o que foi discutido de metas e ações propostas. O tema é debatido e todos os alunos assinam um compromisso com as ações. Tudo é retomado e analisado no próximo bimestre. Miriam relata que geralmente há avanços nas classes, mas, quando não há, as ações são rediscutidas.
Embora os resultados tenham conquistado a equipe, quando a proposta surgiu, Uéverson relembra que três perguntas surgiram entre os professores: 1) por que os alunos precisavam participar; 2) por que a opção pelo novo modelo e 3) se causaria algum efeito.
“Quebrar a resistência é sempre o grande desafio. Como tinha chegado na escola há pouco tempo, me chamavam de ‘a diretora protetora dos alunos’. Havia uma ideia de que só eles seriam ouvidos nesse processo. Mas passaram a entender que não tinham lados… estávamos todos de um lado só, o da aprendizagem”, conta Miriam. “Após nos desprendermos da ideia do conselho como um espaço para tratar de indisciplina, nossa concepção do que é conselho de classe mudou muito. Os feedbacks deles são formadores e esse retorno é necessário em qualquer profissão”, acredita Uéverson.
Feedback também para os futuros professores
A prática de envolver os alunos no conselho não se restringe às escolas de Educação Básica. No município de Cordeiro, na região serrana do Rio de Janeiro, o Instituto de Educação Inocêncio Andrade, que oferta o Curso Normal, também desenvolve o modelo com os futuros docentes. “Como preparamos nossos alunos para serem professores, adotamos esse formato para que eles não só desenvolvam senso crítico enquanto estudantes e consigam identificar falhas e possibilidades de melhorias no ensino e aprendizagem, mas também possam replicar quando estiverem atuando na profissão”, conta Andreia Cristina Cler, coordenadora pedagógica.
Uma semana antes da reunião, o professor conselheiro se reúne com a turma para elaborar um relatório em que os alunos se autoavaliam em relação a como estão com cada professor e destacam pontos positivos e a serem melhor trabalhados de todas as áreas da escola, não apenas em relação às aulas. Secretaria, biblioteca, gestão e todos os setores da escola também são contemplados nesse processo.
“Esse professor vai aconselhando sobre as melhores formas de apresentar os apontamentos e levantando questões que podem ajudar nesse processo de avaliação”, diz Andreia. O relatório é entregue para a coordenação, que faz uma leitura anterior ao conselho. No dia, o representante de sala e o vice fazem a leitura perante toda a equipe, que pode replicar, caso ache necessário.
A avaliação individual dos alunos é feita sem a presença dos representantes. Nesse momento, o que foi apresentado pelos estudantes também vira diretriz para uma autoavaliação do trabalho desenvolvido pelos docentes. “Pegamos aquelas críticas para amadurecer as práticas para os meses seguintes. Às vezes, é difícil ouvir as críticas. Num primeiro momento, alguns ficam um pouco chateados, mas geralmente reconhecem”, fala a coordenadora.
Ao término do conselho, Andreia leva o feedback dos apontamentos para os estudantes. “É uma oportunidade de formação para os dois lados. E, além de melhorar a relação com os professores e a aprendizagem, a partir do momento em que os estudantes são convidados a participar do processo, eles se tornam mais críticos”, considera.
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