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Este diretor virou o jogo em sua escola - eis seus conselhos

Diego Mahfouz foi Educador Nota 10, em 2015, e concorre ao “Nobel da Educação"

POR:
Laís Semis
Diego em frente à Escola Municipal Darcy Ribeiro, em São José do Rio Preto (SP). Além da revitalização dos espaços, o diretor conquistou o engajamento da comunidade para ser parte da mudança. Foto: Erick Men

“Educação é um alicerce que ajuda na transformação de vida das pessoas. Para mim é algo que vai muito além dos muros que dividem a escola da comunidade”, diz Diego Mahfouz Faria Lima durante nossa conversa de cerca de uma hora e meia relembrando sua trajetória com a Educação. Não é fácil conseguir esse tempo na agenda do diretor que acaba de ser anunciado como um dos dez finalistas do Global Teacher Prize (“Prêmio Professor Global”, em tradução livre), considerado o “Nobel da Educação”. À frente da Escola Municipal Darcy Ribeiro, em São José do Rio Preto (SP), que funciona em três períodos, sua rotina se divide entre tarefas administrativas, pedagógicas e muitos atendimentos à comunidade escolar. Sem contar o suporte a outros gestores que compartilham dos mesmos desafios que Diego teve ao assumir a direção da Darcy Ribeiro. “Diretores sempre me ligam perguntando o que podem fazer para transformar suas escolas e entender o que eu fiz sobre determinado problema”, conta. “Até alunos de outras escolas entram em contato comigo pelas redes sociais pedindo mentoria porque querem no futuro também serem professores, mas precisam de inspiração pois sabem dos desafios de desvalorização da carreira”.

No início de 2014, Diego Mahfouz assumiu a vice-direção de uma das piores escolas da região de São José do Rio Preto - convite negado por muitos outros profissionais. Já no primeiro mês, com o afastamento da diretora e coordenadora pedagógica, ele se viu sozinho com a tarefa de colocar a casa em ordem. A instituição era o retrato de um pesadelo de indisciplina, violência, resultados ruins, altas taxas de evasão e um grande desrespeito ao patrimônio. “Eu conhecia a Darcy Ribeiro pela mídia negativa que estampava manchetes dos jornais locais. Ainda assim, fiquei assustado com o que encontrei quando fui conhecer o espaço pessoalmente”, relembra. Não foi uma tarefa fácil reverter esse quadro. Mas com instrumentos de protagonismo dos alunos, mediação de conflitos entre pares, tutoria, mudança no modelo de avaliações, projetos extra-curriculares e atividades aos finais de semana, Diego conseguiu transformar o olhar da equipe, dos alunos e da comunidade externa e engajá-los no sonho de ser uma escola melhor para todos. Conheça mais sobre a experiência e confira os pontos essenciais para virar o jogo também na sua escola na entrevista a seguir.

Quando você chegou à Darcy Ribeiro, a escola tinha má fama na região e estampava chamadas policiais nos jornais. Além da indisciplina e das condições ruins da escola, com as paredes queimadas por fogo, banheiros sem vasos, salas sem portas, qual situação te mostrou o tamanho do seu desafio como gestor?
Um momento muito marcante e triste pra mim foi a primeira reunião de pais. A escola tinha mais de 1200 alunos, o que significava que tínhamos mais de mil famílias para comparecer na reunião. Pedi aos inspetores para colocarem uma faixa avisando sobre o encontro e organizamos 500 cadeiras no pátio para recebê-los no dia. A reunião estava marcada para às 19h e avisei ao vigilante para começar a liberar a entrada às 18h40 porque queria evitar tumulto. Às 19h, eu tinha três pais. Às 19h30, nove.

Em seu primeiro ano de gestão, Diego conseguiu reverter o quadro de presença na reunião de pais. Hoje, quem não chega no horário para o evento, pode ficar até sem lugar. Crédito: Acervo pessoal Diego Mahfouz.

Qual foi o momento em que você percebeu que estava fazendo a diferença, em que tinha virado o jogo na escola?
Durante as férias de julho, quando decidi pintar as salas de aula. Enviei um email para todas as escolas da região pedindo sobras de materiais de pintura. Uma tinha meia lata, outra um pincel, um rolo… ganhamos bastante material e a prefeitura disponibilizou dois pintores. Eu me juntei a eles no trabalho. Uma aluna apareceu na escola durante as férias e viu sua sala sendo pintada. Ao ir embora, ela apenas falou “obrigada”. No dia seguinte, uma outra funcionária, mobilizada pelo agradecimento da aluna, já veio com uma roupa mais apropriada e decidiu nos ajudar com a pintura. Fato é que nossa escola é muito grande - ela ocupa meio quarteirão - mas a notícia começou a correr no bairro. Quando eu vi, tinham funcionários, pais e avós ajudando na pintura, fazendo doações de materiais e trazendo comida para quem estava trabalhando. E o que era para apenas pintar as salas, deu para pintar a escola inteira. Foi nesse momento que vi a comunidade participar, vi que o medo que as famílias tinham da Escola Darcy Ribeiro tinha se transformado em pertencimento. Foi um grande avanço. Hoje, tem reparos na escola que eu nem solicito à prefeitura. Temos uma equipe de pais voluntários na escola que faz manutenção da escola e que me cobram quando não são chamados para ajudar. Os pais me pedem ajuda, conselho com os filhos. A escola se tornou uma referência dentro da comunidade.

Qual foi seu maior aprendizado à frente da Darcy Ribeiro?
Que a transformação é possível, mas que para ela acontecer é necessário a mudança de olhar. De toda a equipe e da comunidade para que não seja um mero projeto. Tornar o aluno protagonista de tudo que acontece e dar a ele voz também é algo fundamental. Muitos diretores me ligam perguntando qual é o segredo e eu falo sobre o protagonismo. Os exercícios do diálogo e da mediação de conflitos são transformadores.

Uma das ações do diretor foi trabalhar o protagonismo dos alunos por meio de uma gestão democrática, instituindo assembleias e o grêmio estudantil. Foto: Erick Men

Qual é o conselho que você daria a qualquer diretor que chega a uma escola?
Pare a comunidade para saber mais dela. Quando cheguei à Darcy Ribeiro, fiz um questionário com perguntas básicas e apliquei com as famílias que moravam ao redor da escola. As perguntas de um questionário desse tipo devem atacar três pontos chaves: 1) quais foram os desafios do ano anterior; 2) quais são os pontos positivos da escola na visão deles; e 3) quais são os sonhos e expectativas das famílias em relação à escola. Isso foi antes do início do primeiro ano letivo. Reuni os questionários e eu tabulei todas as respostas. Foi nesse mapeamento que descobri todas as prioridades da escola (faça aqui o download do modelo do documento usado por Diego). Essa aplicação do questionário foi também uma forma de me apresentar para a comunidade e dar início a esse “ouvir”. Isso mostrou também que eu estava interessado. Conheça a escola, quem está nela e a comunidade do entorno, mostre que você veio para ficar e quer fazer um trabalho diferenciado e de qualidade para todos ali. A escola não tem mais espaço para diretor de gabinete, que só faz reunião e preenche papelada. O diretor tem que estar no dia a dia. É uma figura que tem de ser liderança, mas também mostrar que todos estão juntos nessa, arregaçar as mangas e fazer. Não tem um recreio que eu não passo com os alunos.

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Para quem você daria nota 10?
Para minha mãe. Foi ela quem me disciplinou muito nas questões do estudo. Sempre me falava que era isso que ia transformar minha vida. Lia, estudava e fazia lição de casa comigo mesmo com todas as atividades domésticas que tinha para fazer, além do seu trabalho. Foi ela quem me alfabetizou antes de entrar na escola. Quando comecei a fazer o Magistério, não tínhamos dinheiro e mesmo assim ela pediu ajuda para quem podia para fazer acontecer.

E quem ficaria de recuperação?
Os nossos responsáveis por planejar os investimentos nas políticas públicas de Educação. Ainda falta muito investimento em políticas de formação de professor, de acolhimento dos jovens, não só para tornar a escola mais atrativa, mas também para apresentar opções voltadas para o mercado profissional, porque eles pedem por ajuda nesse sentido. Também deixaria de recuperação nossa Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que tem pontos defasados no que diz respeito a como é a Educação hoje. Acho que ela precisa ser revista para estar mais preparada para lidar com a globalização que vivemos. Também vejo que ela deixa muitas lacunas, não contemplando realmente aquilo que é necessário para a formação de professores, não só em investimento, mas em como ela deve acontecer.



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