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A gestão escolar democrática ainda é um desafio para os educadores?

POR:
Cláudio Neto
para instituir uma gestão verdadeiramente democrática, é necessário criar espaços de diálogo e dedicar tempo às pessoas, para que os projetos e as questões do cotidiano da escola sejam cuidados por todos   Ilustração: Rafael Castro

A gestão escolar democrática é parte da narrativa dos educadores de modo geral e dos programas educacionais, tanto na esfera pública quanto na esfera privada. Nas falas e nos escritos educacionais não há quem seja a favor de uma escola autoritária ou de programas que atentem contra princípios como a autonomia, a liberdade e o protagonismo dos estudantes. No entanto, apesar de esse discurso ser corrente e estar bem consolidado no campo educacional, as práticas no ambiente escolar nem sempre correspondem a esse ideal. O fato é que a gestão escolar democrática ainda desafia os diretores de escola em todo o país.

No Brasil, a ideia de uma escola democrática ganhou força a partir da segunda metade da década de 1980 com o processo de redemocratização do país, ainda que antes disso ela fosse acalentada nos corações de muitos educadores e idealistas. O que era uma aspiração de intelectuais e de pessoas engajadas politicamente passou a ser o senso comum nos cânones da educação nacional. Foi nessa atmosfera que uma década mais tarde nasceu a lei de Diretrizes e Bases da educação (LDB), que tinha 11 princípios fundamentais e passou a ter 12, a partir da Lei nº 12.796/13, dos quais destacamos alguns: a) igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; b) liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; c) pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; d) respeito à liberdade e apreço à tolerância; e) gestão democrática do ensino público e; f) consideração com a diversidade étnico-racial (Lei nº 12.796/13).     

Como se pode observar, a gestão democrática passou a ser preconizada no texto legal da LDB, uma vez que o ideal da soberania popular voltou a ser uma realidade no plano social mais amplo. O país sai do estado de exceção – período de 21 anos – com a tarefa de estabelecer a democracia e isso, evidentemente, passa a ser também uma responsabilidade da política educacional.

Transcorridas mais de duas décadas de vigência da LDB, nós, gestores escolares, tentamos tornar a democracia uma realidade na escola e descobrimos, a duras penas, que essa incumbência não é fácil, seja pela natureza conservadora de alguns que nos cercam, seja pela estrutura do sistema educacional que não passou pelas devidas adequações que possibilitariam mudanças e inovações importantes.

A despeito disso, acredito que cada um de nós tem tentado, à sua maneira, conciliar o ideal educacional da gestão democrática com um conteúdo programático compatível com esse fim, no sentido de criar meios de efetivação da democracia. Esse tem sido o nosso grande desafio. Temos muitos exemplos de diretores de escola que vêm fazendo experiências exitosas Brasil afora, algumas delas apresentadas em revistas especializadas da área da educação, como tem sido o caso da Nova Escola.

Na minha experiência profissional como diretor de uma escola pública, no centro da capital paulista, a gestão democrática tem sido a marca da minha atuação e, apesar dos excelentes resultados que nós conquistamos, eu confesso que as dificuldades vão se acentuando cada vez mais, especialmente quando o nível de democracia se refina, pois é necessário criar mecanismos para garantir que aquilo que se espera realmente aconteça. Desconfio que, de maneira geral, o caminho que nós, gestores, encontramos para implantar a democracia na escola passa por aquilo que é previsto na legislação e por outros mecanismos que instituímos a fim de superar dificuldades específicas das nossas realidades. 

Na escola em que eu trabalho, nós viramos o jogo a partir da compreensão de que deveríamos partir de um significado compartilhado. Entendemos que seria necessário estabelecer consensos de ordem conceitual. Chegamos à conclusão de que a construção de uma escola democrática exige a mudança de paradigmas do que é ser um educador e do que é ensinar nesse contexto. Nessa perspectiva, nós traçamos um programa com instancias de participação que tem dias e horários para acontecer, sendo que, conforme determina a própria legislação, a instância máxima de poder seria o Conselho de Escola. Todos os assuntos, problemas e projetos, até mesmo aqueles que vêm dos outros fóruns de discussão, são deliberados por maioria simples dos votos dos seus membros.

Ilustração: Rafael Castro

A partir do Conselho de Escola foram definidas as outras instâncias consultivas ou intermediárias da nossa organização:

 

- Associação de Pais e Mestres – que faz a gestão dos recursos da escola;

- Assembleias Escolares – instituídas para deliberarem os assuntos estudantis e de organização da escola demandadas pelo Grêmio Estudantil ou pelo Conselho de Representantes de Classes, de que não fira a autonomia do Conselho de Escola;

 - Grêmio Estudantil – instância de organização e representação dos alunos;

- Conselho de Representantes de Classe – formado por dois alunos de cada turma. Cria demandas para serem deliberadas pelo Grêmio Estudantil ou pelas assembleias estudantis;

- Conselhos Participativos – reuniões bimestrais por classe nas quais participam os professores, membros da coordenação e da direção da escola, os alunos e os pais;

- Reuniões de pais – realizadas bimestralmente para informar, discutir e encaminhar demandas para o Conselho de Escola.

 

Uma maneira complementar específica de atuação que encontramos para resolver questões do dia a dia da escola foi a visita à casa dos alunos, sobre a qual já falei aqui nesse blog. As visitas ajudam a entender certos aspectos como a dificuldade de aprendizagem, ausências reiteradas na escola e nos projetos e a percepção de comportamentos atípicos como a timidez excessiva, o silêncio excessivo, a tristeza, o choro, a agressividade, a apatia, a indiferença etc. É na conversa em particular com os pais ou com os responsáveis – sem a presença dos alunos – que certos assuntos podem ser abordados e discutidos com a atenção que eles exigem.

Como se vê, para instituir uma gestão verdadeiramente democrática, é necessário criar espaços de diálogo e dedicar tempo às pessoas, para que os projetos e as questões do cotidiano da escola sejam cuidados por todos, em prol de uma educação de qualidade. Quando isso é feito os resultados aparecem e a cultura de paz reina no ambiente escolar.

A minha experiência, e certamente a de muitos outros colegas, tem provado que a gestão democrática é mais eficaz do que qualquer estratégia de disciplinamento que aposta na punição severa dos alunos como forma de inibição das burlas, da indisciplina, ou mesmo da violência.     

Nesse sentido, os gestores que têm obtido êxito nessa empreitada sabem que uma coisa essencial para isso é a convicção democrática. Não basta anunciar a democracia e não acreditar nela. A crença em princípios como igualdade, liberdade, fraternidade, respeito, solidariedade e empatia faz parte do processo de construção coletiva. Sem isso, o que prevalece é o simulacro, cujo resultado mais fácil de obter será a frustração. Não é à toa que os primeiros princípios compõem o lema da Revolução Francesa de 1789 – o evento fundador da contemporaneidade.

Uma coisa importante que nós também aprendemos é que, embora não haja receita, boas práticas podem ser observadas e transpostas, desde que os fundamentos sejam os mesmos. Ou seja, eu já aproveitei boas experiências de outras escolas que surtiram o efeito desejado quando eu também implantei no meu local de trabalho. Nesse caso, ao replicar o mesmo dispositivo instituído em outro contexto eu obtive o mesmo êxito porque as nossas intenções e ideais eram semelhantes.

Outro aprendizado igualmente importante para nós, diretores de escola, é que a dificuldade inicial para se implantar a gestão democrática é compensada pela cultura de paz na escola e, sobretudo, pelos resultados alcançados. Os alunos aprendem bem e melhor porque eles se tornam sujeitos do seu próprio processo de construção de conhecimentos. De igual modo, se chega a uma conclusão muito simples: o acesso aos bens culturais proporcionados pela educação como aprender a ler, escrever, pensar bem e fazer um bom uso social de tudo isso é o primeiro fundamento da democracia, a qual não se restringe à participação nas decisões da escola. Evidentemente, a participação é muito importante, mas não é o bastante.

 

Para saber mais:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm

http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v23n61/a05v2361.pdf

 

Claudio Marques da Silva Neto é diretor da EMEF Infante Dom Henrique, em São Paulo. Tem experiência em direitos humanos, formação docente, cultura escolar, indisciplina, violência e gênero. É mestre e doutorando em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro Indisciplina e Violência Escolar: dilemas e possibilidades.

Plenária de discussão de território no EMEF Infante Dom Henrique  Foto: Arquivo/Infante Dom Henrique