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Visito as famílias para estreitar os laços da minha escola com a comunidade

POR:
Cláudio Neto
Luciana (mãe), João Victor (aluno),Vera Lúcia (avó), Claudio (blogueiro e diretor) e Soraia El Saifi (professora)

A qualidade da interação é algo fundamental na relação entre os professores e os alunos, entre os profissionais da escola e também entre a escola e a comunidade. Dessas, a que tem sido declaradamente mais difícil é a última. Nem sempre as famílias dos alunos se sentem à vontade para participar das discussões e dos projetos da escola, assim como, em muitos casos, os profissionais de ensino têm dificuldades em promover a participação efetiva dos pais, especialmente no que diz respeito ao planejamento.

Para a superação desse impasse, algumas estratégias e projetos são importantes para encurtar a distância entre as famílias dos alunos e a escola. Na minha experiência profissional, a iniciativa que tem sido exitosa é a ida à casa dos alunos, porque tão importante quanto os pais entenderem o modo de funcionamento da escola é a compreensão que os profissionais da Educação têm da dinâmica de vida da comunidade escolar. Nesse sentido, ir até as famílias dos alunos é tão essencial quanto as suas famílias irem até a escola.

A ida à residência dos alunos tem gerado resultados muito positivos no contexto escolar em que eu atuo e, em alguma medida, também na vida dos próprios estudantes e dos seus familiares. O projeto “Visita às Famílias” consiste na minha ida à casa dos estudantes, acompanhado da professora mediadora de conflitos da escola e de outros educadores que se dispõem a nos acompanhar, geralmente aqueles que indicam a família do estudante a ser visitada. Essas visitas são agendadas previamente e acontecem semanalmente, às terças-feiras.

Como escolher as famílias a serem visitadas

Há alguns anos quando decidi realizar esse projeto enfrentei dilemas que são comuns à situação de conhecer a moradia das pessoas. Eu tinha dúvidas quanto à receptividade e quanto ao possível constrangimento que os moradores poderiam ter ao abrirem suas casas para uma visita do diretor da escola, mesmo deixando claro que o motivo da visita não era reclamar do comportamento dos alunos.

Acredito que esse seja o grande mérito do projeto, uma vez que ir à casa dos estudantes não é suficiente. O fundamental é entender o contexto sócio-familiar e a dinâmica de vida dos estudantes fora da escola, e não entregar reclamações em domicílio.

Nessa perspectiva, os critérios de indicação dos alunos a serem visitados são:

a) as dificuldades de aprendizagem;
b) as ausências reiteradas na escola;
c) a não adesão aos projetos, especialmente aqueles de apoio pedagógico;
d) os alunos transferidos;
e) a percepção de comportamentos atípicos como a timidez excessiva, o silêncio excessivo, a tristeza, o choro, a agressividade etc.

Por outro lado, há um assunto do qual não se fala: a indisciplina escolar, uma vez que a ideia do projeto é superar a histórica culpabilidade mútua que envolve a escola e a família. Ao contrário, se reconhece a importância dessa parceria para o sucesso escolar dos estudantes.

Colhendo os frutos

Durante os cinco anos de realização do projeto alguns resultados já podem ser percebidos. O principal deles é a cultura de paz instituída na escola. No nosso cotidiano, a violência e a indisciplina escolar não nos afligem. Evidentemente temos conflitos, mas a atenção dada a eles e os mecanismos de participação democrática permitem a convivência harmônica no espaço escolar.

Outros resultados importantes aparecem como indicativos do êxito do projeto, como a maior confiança e respeito que as famílias dispensam à escola, o reconhecimento da legitimidade da escola na comunidade, maior integração dos alunos nos projetos e, consequentemente, a responsabilidade dos estudantes (compreensão do ofício de aluno), o apoio que a escola pode dar às famílias e o sentimento de valorização e de prestígio dos alunos que foram visitados.

Alguns alunos quando chegam à escola, após a visita em sua casa, dizem: “Olha, o diretor foi visitar à minha casa”. Às vezes, quando ando pelo bairro, algumas mães ou pais que encontro no caminho, dizem: “Diretor, quando é que o senhor vai visitar à minha casa? Me avisa que eu vou fazer um bolo, viu!?”

Essas reações atestam que a preocupação com a receptividade e o constrangimento da família não deve ser obstáculo para que a visita à casa dos alunos seja evitada. Ao contrário, temos evidências de que essa proximidade é fundamental para o bom desempenho dos alunos e para a integração da família à escola.

Via de mão dupla

Falarei rapidamente também do contraexemplo, ou seja, de como as famílias podem ser beneficiadas com as visitas. Para tanto, narrarei o caso da visita à casa de uma aluna do 7º ano, no início deste mês. Durante a conversa com o pai e a mãe da garota, ficamos sabendo do seu irmão de 20 anos de idade que está sem estudar há oito anos, porque abandonou os estudos no 6º ano, em 2009, e não conseguiu vaga na Educação de Jovens e Adultos (EJA), porque não há escolas com esta modalidade de ensino nas proximidades de sua casa.

Consciente dessa dificuldade, indaguei sobre a possibilidade de ele seguir os estudos no ensino “regular”, ainda que ele tivesse que conviver com colegas bem mais novos do que ele. O garoto disse que gostaria muito, já havia até tentado isso, mas as escolas não aceitaram a sua matrícula. Por fim, eu o convidei para estudar na escola e a sua matrícula foi efetivada na sexta-feira, dia 15 de setembro, de modo que ele passou a ser nosso aluno a partir de segunda-feira, dia 18, após uma batalha travada junto ao sistema de autorização de matrícula, que não permitia a inclusão de um aluno de 20 anos de idade para estudar com crianças de 13 anos.

Este projeto de visita às famílias é uma prova inequívoca de que, nós diretores de escola, temos que criar mecanismos que efetivem o estreitamento dos laços da escola com a sua comunidade. E isso só é possível em uma escola que prima pela garantia dos direitos dos alunos e que percebe que, sim, a educação familiar e a educação escolar existem e devem ser respeitadas, sem que isso seja empecilho para o diálogo. Se a escola reconhece e respeita as diferenças, ela dificilmente cederá espaço para as relações de desigualdade em seu cotidiano.

Para saber mais:

PEREIRA, F. H. Configurações do ofício de aluno: meninos e meninas na escola. 2015. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.

Claudio Marques da Silva Neto é diretor da EMEF Infante Dom Henrique, em São Paulo. Tem experiência em direitos humanos, formação docente, cultura escolar, indisciplina, violência e gênero. É mestre e doutorando em Educação pela Universidade de São Paulo (USP).