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O que está por trás da aversão ao estudo e da violência na escola?

Por mais que as escolas tenham características distintas e pertençam a espaços geográficos muito diferentes, em geral, elas padecem de problemas muito parecidos

POR:
Cláudio Neto
Crédito: Getty Images

No texto de hoje, eu apresentarei alguns elementos que podem explicar as práticas de alunos que se voltam contra a cultura escolar, causando problemas bem característicos nas mais variadas escolas. A proposta é fazer isso à luz das análises de Paul Willis apresentadas no livro “Aprendendo a ser trabalhador: escola, resistência e reprodução social”.

As manifestações de aversão à escola e a violência identificadas na Inglaterra da década de 1970, que são relatadas no livro, ainda estão muito presentes na Educação contemporânea e continuam no centro do debate educacional brasileiro e de boa parte dos países ocidentais.

A postura antiescola dos alunos tem origem em circunstâncias definidas, de acordo com uma relação histórica específica e não são produzidas acidentalmente. Apesar disso, é possível que grupos em diferentes escolas possam apresentar problemas semelhantes – ainda que eles sejam o resultado de esforços separados. Em outras palavras, por mais que as escolas tenham características distintas e pertençam a espaços geográficos muito diferentes, em geral, elas padecem de problemas muito parecidos.

Quais são essas práticas comuns nas escolas?

O grupo e o seu significado
Interpretar adequadamente o significado dos grupos informais na escola e os motivos que levam os alunos a aderirem a eles é parte da compreensão e da resolução de muitos problemas que se apresentam no cotidiano escolar. Isto porque o grupo é a base material para aqueles alunos que apresentam uma postura antiescola. O grupo é a unidade básica da cultura contra-escolar. É o lugar da solidariedade e a mais segura fonte de resistência dos jovens. Ele posiciona e torna possível todos os outros elementos da cultura juvenil – seja pela aceitação ou a segurança transmitida pelos seus pares, seja para impulsionar os jogos de ofensa entre eles ou contra os demais alunos.

De acordo com o livro de Paul Willis “[...] o grupo é algo especial e mais que a soma de suas partes individuais. Ele tem, em particular, uma dinâmica social que é relativamente independente dos problemas” que envolvem as diferenças entre os alunos. Esse apoio mútuo representa uma força social que favorece a lealdade entre seus membros. É por isso que “dedurar” um mal feitor é sinal de fraqueza e quem dedura fica marcado pelo grupo. Na escola, fazer parte de um grupo –  principalmente dos bagunceiros – é uma forma de rejeitar a individualidade, já que o indivíduo está mais sujeito e vulnerável aos apelos morais dos códigos de conduta e do convencimento de que há um equivalente que, no futuro, compensará o esforço e a disciplina para aprender.

O vestir-se
Embora pareça tolo, não é por acaso que boa parte dos conflitos na escola envolve o vestir-se. As constantes desavenças com os alunos ou alunas que desrespeitam as normas relativas aos trajes permitidos no ambiente escolar valem mais pelo simbolismo que isso representa na contestação dos alunos. Os professores e os alunos envolvidos sabem que esse é um dos terrenos escolhidos para a luta contra a autoridade. “É uma das formas atuais de uma luta entre culturas. Ela pode culminar, ao final, numa questão a respeito da legitimidade da escola como uma instituição”, analisa Willis. Essa é uma das principais razões pelas quais muitas escolas já tiveram que convocar os pais de alunas ou alunos que teimam em desrespeitar as regras do uso do uniforme escolar ou insistem em usar roupas mais extravagantes. Esta tem sido uma velha e longa história do cotidiano escolar.

A risada
Quem nunca viu uma risadinha de um aluno no momento mais tenso da mediação de um conflito sério na escola? Uma risadinha que soa como desdém ou a mais alta provocação aos adultos envolvidos na situação? Na verdade não é bem esse o sentido do riso entre os jovens na escola. A risada tem uma extraordinária importância na cultura contra-escolar, pois a habilidade para reproduzir o riso é uma das características mais comuns dos jovens. A risada “é também usada em muitos outros contextos: para vencer o tédio e o medo, para enfrentar situações difíceis e problemas – como uma saída para quase tudo”. Como se vê, o riso pode até mesmo ser uma provocação, descaso, indiferença ou menosprezo, mas nos momentos de confronto com a formalidade da escola pode ser também a indicação de que o jovem está na defensiva, acuado e sente medo. 

As brigas e a violência
No ambiente escolar, a briga pode representar um valor importante na cultura dos jovens. Na etnografia realizada por Paul Willis, a arrogância masculina e a exibição dramática surgiram como elementos importantes para a solidariedade do grupo. A violência e o julgamento dela constituem um dos eixos mais fundamentais da ascendência dos bagunceiros sobre os outros alunos, “da mesma forma que o conhecimento constitui o eixo fundamental para o professores”.

Na violência há o mais completo compromisso com uma forma cega ou distorcida de revolta, geralmente para se contrapor à tirania da regra, contrapondo-a ao machismo dos valentões. É uma forma de romper com o que se considera insatisfatório, imposto de cima pra baixo, ou limitado pelas circunstâncias. “É uma forma de fazer com que o mundano de repente importe. [...] Brigas, assim como acidentes e outras crises, jogam a pessoa dolorosamente no ‘agora’. Tédio e detalhes insignificantes desaparecem”, escreve Paul Willis. Tudo leva a crer que a consciência de estar seguro dentro da escola – de que nada mais sério pode acontecer – torna viciantes o medo da briga e a euforia que ela gera.

Portanto, analisando numa perspectiva mais sociológica, sem evidentemente querer justificar a violência, a briga dentro da escola pode ter mais da contestação do regime de autoridade do que da índole violenta de quem a promove.

O desperdício do tempo
A queixa comum por parte dos professores e dos alunos que se dedicam à escola é que os alunos bagunceiros desperdiçam um tempo valioso. O tempo para os alunos que manifestam uma postura antiescola não é “algo que se cultive cuidadosamente e se gaste parciosamente na realização de objetivos desejados no futuro”. Para eles “o tempo é algo que reivindicam para si próprios agora como um aspecto de sua identidade e autogoverno imediatos. O tempo é usado para a manutenção de um estado – estar com no seu grupo –, não para a obtenção de uma meta – qualificações”.

Novamente, o grupo passa a ter uma importância fundamental, porque é na solidariedade dos colegas que menosprezam a escola que o tempo é empregado. A perda de tempo é realmente um problema tanto para os alunos bagunceiros quanto para os bons alunos e os professores. Por sua vez, a justificativa para a perda de tempo só encontra respaldo e significado no interior dos grupos, uma vez que as práticas cotidianas que caracterizam o desrespeito e a bagunça são realizadas de forma colaborativa e com algum respaldo dos colegas do grupo.

Por que os alunos se comportam dessa maneira?
De modo geral, a postura antiescola é uma reação à estrutura da escola e ao ensino dominante no contexto da experiência do aluno e de sua localização cultural, principalmente quando se trata de alunos de camadas sociais mais desfavorecidas. Existem profundas separações e muitas tensões no interior da reprodução social e cultural e a escola não está alheia a isso. Assim, tal comportamento não se dá tanto pelo estilo individual do professor e pelo conteúdo ensinado em sala – ainda que a interação pedagógica e a relevância dos conteúdos não devam ser menosprezados.

A escola perde legitimidade quando ela não consegue cumprir a sua promessa no combinado da troca de equivalências. Nessa troca, o respeito pelas regras do jogo escolar por parte dos alunos deveria resultar em oportunidades sociais conferidas pela inculcação da cultura escolar. Neste cenário, a percepção de que estudar não garante oportunidades futuras gera a crise entre a escola e alguns alunos, os quais passam a contestar a autoridade da instituição.

A dimensão mais básica, óbvia e explícita da cultura contra-escolar é uma oposição cerrada, nos planos pessoal e geral, à autoridade. [...] Essa oposição expressa-se principalmente como um estilo. O estilo antiescola de alguns jovens e a presença de muitos deles atualmente nas ruas em cima de uma bicicleta para entregar refeições solicitadas por aplicativos são duas faces diferentes do mesmo problema: a falta de oportunidades educacionais e sociais para a juventude. Isso não deve permanecer como um tabu nas escolas, sobretudo nas escolas públicas.

O que pode ser feito?
Para atuar nesse cenário é preciso entender que o impasse entre a escolar e os alunos avessos a ela é de base moral. Portanto, “a autoridade do professor deve, pois, ser conquistada e mantida em termos morais, não em termos coercitivos. Deve haver a anuência do ensinado”. A escola supõe um processo de mediação no qual o professor é a figura mais importante, porque é a ele que cabe controlar de forma legítima as crianças e jovens, de modo que o seu sucesso depende principalmente da consciência da autonomia relativa do modelo de ensino. Nesse contexto, é “a ideia de professor, não o indivíduo, que é legitimada e suscita obediência. Essa ideia está relacionada ao ensino como uma troca justa – mais fundamentalmente, de conhecimento por respeito, de orientação por controle”.

Embora o professor tenha um papel fundamental no ensino não significa que o impasse entre a escola e alguns alunos seja de sua inteira responsabilidade. Como vimos, o impasse é, sobretudo, de ordem cultural, em que o respeito necessário que permite incorporar os valores culturais depende da certeza do êxito profissional como produto desse processo, já que a Educação deve ser a chave para muitas outras trocas.

Em razão de tudo isso, a forma contestadora dos alunos deve ser interpretada como um olhar crítico sobre o que se passa dentro da escola. Diante disso, “a melhor sugestão parece ser a de uma retirada estratégica do confronto com a cultura contra-escolar, mas uma retirada que evite quaisquer expressões simplistas de simpatia e mantenha um certo grau de autoridade institucional”. Uma autoridade institucional fundada no respeito e na obtenção do consentimento dos alunos e não na obediência exigida pela força ou intimidação.