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Da sala de aula ao gabinete: crônica de um diretor iniciante

Há quatro meses no cargo de diretor, José Marcos Couto Junior relata como é sair do cargo de professor para assumir as demandas administrativas de uma escola

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José Marcos Couto Júnior
José Marcos Couto Júnior na cerimônia do Prêmio Educador Nota 10. Crédito: Mariana Pekin

Até abril passado, todas as vezes que Pedro Jerônimo, meu ex-diretor no CIEP Armindo Marcílio Doutel de Andrade, sentenciava – ou profetizava – que um dia eu seria diretor e que eu tinha “o perfil para o cargo”, minha resposta padrão era: “está maluco? O que eu fiz contra você? Vai rogar esta praga para outro!”.

Dou início a este primeiro texto como colunista de GESTÃO ESCOLAR com uma confissão: nunca almejei (mais que isto, nunca cogitei) até meados de 2018 trocar a sala de aula pelo gabinete. O mais perto que estive de compor uma equipe diretiva foi  um convite para assumir a coordenação pedagógica na escola de uma grande amiga, a Ana Maria, pouco antes da divulgação dos vencedores do Educador Nota 10, exatamente um ano atrás. Não foi viável pela distância da minha casa até a escola. Ainda assim, o convite só me parecia atrativo porque continuaria trabalhando com as crianças e desenvolvendo projetos – em suma: fazendo o que eu sempre gostei de fazer.

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A aversão à direção se dava por uma série de motivos que posso apontar sem precisar forçar muito a memória: amo dar aulas e sinto-me realizado ao ver o desenvolvimento dos meus alunos. Odeio reuniões e burocracia. Tenho pavor da parte contábil e administrativa. A minha organização não é das melhores (imagine mexer com notas fiscais, assim?!). Sempre soube lidar melhor com adolescentes do que com adultos... e tantos outros motivos que poderia enumerar para me manter afastado do cargo, que renderiam um artigo apenas sobre eles. Mas o fato é que desde fevereiro deste ano sou o diretor geral da Escola Municipal Professora Ivone Nunes Ferreira, no bairro de Senador Camará, no Rio de Janeiro.

Fosse um drama ou uma comédia no cinema daria pra classificar esta virada como um verdadeiro “plot twist” (a famosa reviravolta na trama). De fato, hoje sou um gestor. Posso contar de antemão que os fatores para dizer “sim” a este desafio apresentam-se em menor quantidade do que os apontados, acima, como pontos negativos. Foram três grandes motivos mais precisamente que levaram ao cargo de diretor – os quais descrevo nos próximos parágrafos. No entanto, acredito que mesmo em menor quantidade eles são mais consistentes e convincentes do que a listagem enumerada anteriormente.

Onde e quando tudo começou
No dia 13 de julho de 2018, aos cinco minutos para o meio dia, o rumo da minha vida profissional virou de ponta a cabeça. Por meio de uma chamada de vídeo feita pela Michelle, minha esposa, ouvi a Fátima Bernardes anunciar o meu nome no programa Encontro, ao lado de outros nove vencedores do Prêmio Educador Nota 10. Naquele exato momento o projeto “As Caravanas, limites da visibilidade” (conheça o projeto aqui), inscrito no Prêmio, tornava-se nacionalmente conhecido. E com aquele anúncio, uma série de portas e convites surgiriam, incluindo aí a oportunidade de tornar-me diretor... mas até ali eu lecionava em três turnos diários. Eram 66 tempos semanais.



Se existe uma característica marcante em minha personalidade é o fato de que eu falo muito. Acho que nunca me permitiriam tentar cargos eletivos, porque cortariam meu microfone nos debates e nas plenárias antes que eu terminasse um raciocínio... agora, imaginem alguém assim, dando aulas de História das 7:30 às 22:00 horas, cinco vezes na semana! Não há garganta ou corda vocal que aguente (e tem gente que acha que 57 ou 60 anos são limites viáveis para a aposentadoria de professores). Como diria Nelson Rodrigues era “óbvio ululante” o fato de que eu iria “pifar”. Assim, o primeiro motivo que me tirou da sala de aula foi a minha saúde.

Em segundo lugar, acredito que compartilhava o drama de tantos professorxs e trabalhadorxs em geral pelo país afora: não conseguia acompanhar o crescimento do meu filho. Recordo-me da sensação devastadora e das crises de choro que tinha nos dias em que saia de casa com o João dormindo e chegava encontrando-o na cama ao retornar. Talvez alguém me ache egoísta neste ponto, mas a direção acabava se apresentando como a “solução” mais viável de acompanhar o desenvolvimento do meu bebê sem abrir mão de uma parte significativa do meu salário. E, se a “solução” parece simples, vale dizer que, mesmo no gabinete, falo o dia inteiro e que não paro de trabalhar quando chego em casa. O smartphone toca e apita o dia todo – inclusive aos finais de semana.

Mas, se parar para pensar, existiam outras possibilidades que me manteriam em sala de aula com saúde e convivendo com o João... poderia, por exemplo, buscar uma readequação salarial, ou ainda lecionar à noite em menos dias em alguma faculdade. No entanto, o motivo três foi preponderante para a decisão. Os leitores que forem amantes do futebol aqui encontrarão uma referência muito presente desde o início anos 2000 pelo técnico Vanderley Luxemburgo: “o importante é o projeto”.

Não aceitaria de maneira alguma ir para o gabinete sem ter a certeza de que poderia desenvolver um trabalho de excelência. Não toparia tornar-me diretor sem ter ao lado a parceria de uma equipe que lutasse incessantemente pela construção de um território educativo, pelo desenvolvimento de um espaço pautado na lógica da inclusão, do respeito às diferenças e do combate ao preconceito. Não seria gestor de uma unidade que não tivesse como paradigma a fomentação de um ambiente que primasse pela construção coletiva de conhecimento. Aqui surge o responsável por me fazer mudar de ideia: meu adjunto, Paulo Vitor Marinho, co-autor do “Projeto Ivone” (o qual apresentarei logo a seguir).

Sabem a máxima do Raul Seixas, na música Prelúdio? “Sonho que se sonha junto é realidade”? Conheço o “Santa Cruz” (apelido desde a graduação do meu diretor-adjunto Paulo) há 15 anos. Ele foi meu calouro na Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Foi da maturação de nossas conversas, da união dos nossos sonhos de escola – e das nossas gargantas “baleadas” – que surgiu o projeto da Ivone Nunes. Em pouco mais de três meses, sob os pilares “sustentabilidade”, “esporte”, “música” e “leitura”, implantamos uma horta orgânica. Nele, também realizamos atividades inclusivas para a participação dos responsáveis na escola, levamos os alunos ao circo, visitamos bibliotecas itinerantes e estamos para iniciar turmas de judô no pós turno, entre outras ações.

Um balanço inicial
Acredito que fiz a escolha certa. O Pedro Jerônimo, meu ex-diretor, devia ter razão. A escola está dando certo e afirmo isto pelo feedback da comunidade escolar, que está feliz e que nos tem apoiado. Como bônus, continuo em contato com as crianças, realizando atividades musicais, mantenho assim o prazer de acompanhar o desenvolvimento dos alunos. Descobri que o apoio às temidas questões burocráticas viriam no suporte das gerências da Coordenadoria Regional de Educação, e principalmente do conhecimento da Carolina, agente administrativa da escola.

O projeto inicial ainda ganhou mais corpo com as ideias da Tatiana Moura – coordenadora pedagógica, responsável junto a mim e ao Paulo Vitor por desenvolver os projetos da Ivone. Trouxe por fim a consciência de que fora da área de História todos os meus professores, de cara, são muito mais preparados do que eu em suas práticas e didática. Assim, só se eu fosse muito “limítrofe” para não querer ouvi-los e não extrair as suas potencialidades em prol da escola. Em suma, descobri que não se é diretor sozinho. E, principalmente, aprendi que os sonhos se tornam realidade quando a sua equipe e toda a comunidade escolar compram a sua ideia.

Desta nova experiência nasce a minha participação como colunista de GESTÃO ESCOLAR. Este será um espaço quinzenal para debatermos desafios, projetos e boas práticas de gestão da minha e da sua escola. Aqui, pretendo apresentar um pouco do cotidiano do gabinete na Ivone, relatando nossas conquistas e dificuldades, além de apresentar as contribuições dos educadores-leitores que nos contactarem. Buscarei também na minha prática como gestor e, agora também como colunista, nunca perder de vista o fato de que antes de tudo sou um professor. Logo, os próximos textos abordarão contradições, implicações e potencialidades que o cargo de diretor nos apresenta, em comparação com a docência. Contamos assim, colega educador, com a sua colaboração e sugestão para novos temas que serão tratados – sempre que possível, com bom humor, mas acima de tudo vislumbrando criar um espaço de diálogo em favor da Educação.  

Um abraço,
José Marcos Couto Jr

José Marcos Couto Júnior é formado em História e Mestre em Educação pela Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Em 2018, foi eleito Educador do Ano no Prêmio Educador Nota 10. Servidor da Prefeitura do Rio de Janeiro há 10 anos, atua desde fevereiro como diretor na Escola Municipal Professora Ivone Nunes Ferreira, no Rio de Janeiro.