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Entrevista com Matthew Crowley

Diretor conta como uma instituição grande e de periferia combateu o fracasso e se tornou um caso de sucesso nos Estados Unidos

POR:
Verônica Fraidenraich
Foto: Marina Piedade
Matthew Crowley

Imagine uma escola pública de Ensino Médio, com nove prédios espalhados em uma área de 54 mil metros quadrados, 300 professores e 4.261 alunos de baixa renda. A maioria é descendente de imigrantes vindos da Ásia, África, América Central e América do Sul, compondo um lugar no qual se ouvem mais de 40 idiomas. Tudo isso numa cidade industrial, Brockton, a cerca de 50 quilômetros de Boston, nos Estados Unidos, com índices preocupantes de violência. Esse é o perfil da Brockton High School, a maior escola pública do estado de Massachusetts e uma das maiores do país.

Diante desse quadro, ela tinha tudo para não dar certo. E não dava mesmo: em 1998, o índice de reprovação em Matemática chegou a 75% e, em Inglês, a 44%. Os resultados alarmantes fizeram com que um grupo de educadores desse início a uma campanha de alfabetização em todas as disciplinas e para todas as séries. Houve uma mudança de paradigma e foi iniciada uma verdadeira reforma pedagógica na escola. O fracasso, antes aceito, tornou-se inadmissível. As avaliações dos alunos passaram a ser monitoradas e a formação dos professores por área foi incorporada ao cotidiano da escola.

Uma década depois, a Brockton conseguiu uma das melhores notas do estado, segundo exame obrigatório para todas as escolas de Massachusetts. Em 2010, a taxa de reprovação nessa disciplina caiu para 5% e, em Matemática, foi para 14%.

"Se os alunos dão sinais de que não estão envolvidos com o ensino e de que não estão aprendendo, é preciso pensar em maneiras diferentes de abordar os conteúdos", afirma Matthew Crowley, um dos integrantes do comitê reestruturador. Há 15 anos na instituição, ele já foi professor de História e técnico de natação até se tornar diretor assistente, cargo que exerce há cinco anos. Durante visita ao Brasil, em dezembro, ele concedeu a seguinte entrevista a GESTÃO ESCOLAR.

Como começou a reforma pedagógica na Brockton High School?
MATTHEW CROWLEY
Primeiro foi a indignação e depois a ação. Em 1993, o governo de Massachusetts fez um exame para avaliar o nível de aprendizagem dos alunos do 10º ano em Inglês e Matemática (a High School equivale ao Ensino Médio no Brasil e vai do 9º ao 12º ano). Em 1998, ele passou a ser obrigatório. Nossa escola sempre obteve péssimos resultados: 75% dos estudantes foram reprovados em Matemática e 44% em Inglês. Além disso, um em cada três jovens abandonava os estudos. Diante desse quadro, a então professora Susan Szachowicz, hoje diretora principal da instituição, reuniu os colegas com os quais tinha mais afinidade e que desejavam mudar aquela situação. Assim surgiu o comitê reestruturador, que tinha total autonomia para agir.

Quem fez parte da equipe?
CROWLEY
Inicialmente, eram oito pessoas. Para conseguir mais adeptos, os membros do comitê insistiram com os colegas e deixavam convites na sala dos professores. Hoje são 25 integrantes, entre professores, coordenadores de disciplina e diretores, que se reúnem uma vez por mês. Cada um dos membros, por sua vez, se organiza em grupos com nossos pares para repassar o que é discutido e pegar sugestões, democratizando as ações.

Qual foi a primeira proposta do comitê reestruturador?
CROWLEY
Nossa ação inicial foi definir uma espécie de roteiro básico para ajudar os professores a planejar as aulas. Todas elas passaram a contemplar quatro conteúdos: a leitura, a escrita, a oralidade e a argumentação. Seja qual for a aula, inclusive de Educação Física, o professor deve propor que os alunos tomem notas, expliquem o raciocínio, defendam um argumento, façam comparações, escrevam uma resposta dissertativa, apontem conclusões, critiquem o que foi lido, visto e escrito, expressem um raciocínio em frases completas e produzam uma apresentação com uma estrutura formal. Também foi feito um calendário de avaliações constantes para monitorar o aprendizado dos alunos. O resultado desse trabalho pôde ser visto nas avaliações, cujas notas foram gradualmente aumentando. Em 2008, a Brockton obteve no teste de Inglês um aproveitamento 90% acima das outras 350 escolas do estado. Dois anos depois, a reprovação nessa disciplina era de 5% e, em Matemática, 14%. A escola ganhou destaque em jornais e tevês do país e foi incluída no estudo Como Escolas de Ensino Médio Podem se Tornar Exemplares (How High Schools Become Exemplary), realizado pelo pesquisador Ronald Ferguson, da Universidade de Harvard.

Os professores receberam formação para mudar a maneira de trabalhar?
CROWLEY
Criamos grupos interdisciplinares e por área de conhecimento. Foram definidos objetivos e metas para cada um dos quatro conteúdos citados. A partir daí, foi feita uma análise do que é preciso ensinar aos alunos para que eles aprendam e atinjam bons resultados.

Quais eram os principais problemas enfrentados pela escola antes da realização da reforma?
CROWLEY
Nossa maior dificuldade foi acabar com a cultura que achava normal os alunos fracassarem e serem reprovados. Eles não tinham expectativa de aprender muito. Havia uma situação de apatia geral. Entre professores e alunos, o lema era: se você não me incomodar, eu também não o incomodo. Claro que ainda hoje enfrentamos dificuldades, afinal, somos uma escola que recebe adolescentes e está em uma área urbana, com problemas de formação de gangues e violência. Contudo, conseguimos que essas questões não permanecessem dentro da escola, que se tornou um lugar seguro. Fazemos um acompanhamento constante e temos observado que o número de alunos envolvidos com atos de indisciplina diminuiu. Existe, inclusive, uma cultura entre os mais velhos de querer ajudar os menores e de não causar confusão. Esse clima vai se refletindo nas turmas mais novas e cria um círculo virtuoso positivo, que tem se perpetuado ao longo dos anos.

De que forma os gestores lidam com as questões de indisciplina?
CROWLEY
Sempre que uma turma se mostra mais difícil, o coordenador da área ou mesmo um dos diretores - somos quatro assistentes, além da diretora principal, Susan - acompanha algumas aulas para tentar entender por que aquele grupo apresenta mais problemas que os outros. Se os alunos dão sinais de que não estão envolvidos com o ensino e de que não estão aprendendo, é preciso pensar em maneiras diferentes de abordar os conteúdos. Juntamente com o docente, pensamos em propostas alternativas. Também sugerimos aos professores que lecionam para uma turma mais tranquila para que assistam à aula do colega, e vice-versa, e, em seguida, troquem ideias. Não se trata de espionagem. É apenas uma forma de aprender com o outro - o que já está incorporado à nossa rotina. Outra prática comum é filmar as próprias aulas e analisá-las do ponto de vista didático, do relacionamento com os estudantes e das reações do grupo.

A escola recebeu algum investimento por parte do governo para implementar as mudanças?
CROWLEY
Nos Estados Unidos, as verbas públicas para a Educação variam por estado e, no caso de Massachusetts, também por cidade. O valor a que temos direito é calculado por uma fórmula que determina o mínimo a ser gasto por estudante e vai depender da saúde financeira do município - os que estão melhores não recebem ajuda. Mas esse não é o nosso caso. Brockton é uma comunidade pobre e urbana, com 70% dos alunos vivendo abaixo da linha de pobreza, o que nos garante a quantia mínima estipulada.

Como é organizado o dia a dia da equipe docente?
CROWLEY
O dia escolar vai das 7h20 às 14h, sendo esse tempo dividido em cinco períodos de 66 minutos cada um. Em três deles, os professores se dedicam ao ensino em sala de aula. Nos outros dois, eles se envolvem com atividades de supervisão, de auxílio aos alunos que têm mais dificuldade e ao planejamento de atividades e de projetos didáticos.

Como se dá a relação entre os diretores e os alunos?
CROWLEY
Uma das maiores razões do nosso sucesso é que temos uma relação muito positiva entre todos os membros da comunidade escolar. Existe uma cultura de respeito mútuo entre estudantes, corpo docente e pessoal do administrativo. Procuramos estar sempre em contato com os alunos no café, nas competições esportivas ou nas apresentações musicais. Apesar de uma regra bastante difundida no nosso país que diz que menor é quase sempre melhor - conceito baseado nas escolas charter, caracterizadas por terem poucos alunos, mais autonomia e serem gerenciadas por um modelo de gestão público-privado -, somos uma prova de que o êxito de qualquer escola é ditado pelos profissionais que nela trabalham.

Os funcionários também foram envolvidos na reforma pedagógica?
CROWLEY
Sim, eles fazem parte da mudança de cultura que passou a achar inadmissível o fracasso escolar. Temos um ótimo relacionamento com todos eles. Apesar da quantidade de jovens que recebemos diariamente, todos na equipe são estimulados a conhecer pelo nome cada um dos alunos e ficar atentos às faltas.

Existe abertura para o diálogo com os pais dos alunos e a comunidade?
CROWLEY
Temos três reuniões por ano e, nelas, incentivamos os pais a falarem diretamente com os professores. É uma relação positiva, fruto de um trabalho sério. Temos um conselho da comunidade e até uma página semanal no jornal local que divulga as ações da escola. Também cultivamos um bom relacionamento com empresários e políticos locais - a prefeita, por exemplo, estudou na escola.

No Brasil, há a função de coordenador pedagógico, que cuida da formação continuada dos professores. Vocês têm algo semelhante?
CROWLEY
Nós não temos esse cargo. Quem mais se aproxima dessa função é o coordenador de disciplina, que se reúne duas vezes por mês com os docentes da sua área para discutir problemas comuns. No entanto, a busca pelo aprimoramento é algo que faz parte do nosso dia a dia. Para entrar na carreira, eles têm de passar num exame de certificação. Depois de dez anos de magistério, é preciso ter feito um mestrado para seguir na carreira. Os professores estão o tempo todo pensando no que pode ser aprimorado para contribuir para a melhoria do desempenho dos alunos. As reuniões são frequentes e todos estão atentos ao que acontece no nosso dia a dia. Se eu entro na sala e vejo algo que me chama a atenção ou acho estranho, chamo o professor para conversar e saber por que ele adotou tal prática. Uma vez Susan, a diretora, entrou numa aula de História e os alunos estavam vestidos com roupas de época. Havia uma mesa cheia de comidas. Ela estranhou e foi procurar saber o que se passava. Era uma aula sobre determinado período da história americana e as iguarias servidas também eram típicas da época estudada. Essa é a cultura da nossa escola.

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