Na semana passada, ouvi de uma professora o relato de uma situação vivida em uma das escolas onde dá aulas. Ela estava passando pelo pátio em direção à sala dos professores, na hora do recreio, quando foi atingida no rosto por uma fatia de melancia (infelizmente, conhecemos bem esse tipo de cena!). Sentindo-se atordoada com a pancada, a professora percebeu que a “fatia voadora” viera da direção em que estavam alguns de seus alunos. Ao ser indagada pela diretora sobre o que havia acontecido, ela relata o fato e presencia a intervenção da direção com o grupo de alunos:
– Quero saber quem atirou a fruta!
Em resposta, o silêncio.
– Não sairemos daqui sem que o responsável apareça! Se não aparecer, a turma toda será suspensa! – comunica a diretora.
Foi, então, que um dos meninos se apresenta como o responsável, já explicando à diretora e à professora que não havia nenhuma intenção em acertá-la. Tratava-se apenas de uma “brincadeira” com o colega que tinha tomado o rumo errado. Tenho certeza de que você já ouviu justificativas parecidas, não é mesmo?
De posse da confissão, a diretora, em alto e bom tom, comunica que o aluno seria suspenso. A professora, conhecendo formas mais construtivas de resolver situações de conflito, conversa em particular com a diretora, refletindo acerca do fato de o aluno ter assumido sua responsabilidade e falado a “verdade”. Ela argumenta que suspender o aluno mesmo depois de ele ter contado o que havia acontecido significaria não reconhecer a verdade como um valor necessário e importante para as relações sociais. Além, evidentemente, de ensinar que esse tipo de postura não vale a pena.
Seria essa a intenção da diretora? É evidente que não, como mostra o desfecho da história… Após ponderar a consideração da professora, a diretora volta atrás e “suspende a suspensão”. Mas, ainda sim, insiste:
– Você falou a verdade, portanto, não será suspenso das aulas. Mas quero sua mãe aqui na escola, amanhã.
Aí entra a pergunta que não quer calar: por que chamar essa mãe?
O que eu penso sobre isso
Se realmente temos o objetivo de “contribuir para a formação de sujeitos autônomos”, as sanções dadas merecem nossa atenção especial. Acredito que o relato acima nos ajuda a refletir sobre o tema, então, vamos lá!
Quando usamos sanções que não estão associadas ao fato ocorrido – como a suspensão de todas as aulas, do recreio, do parque, ou, quando em casa, da televisão, do computador, enfim, de algo que seja do gosto do sujeito –, estamos diante do famoso “castigo”. Ou, nas palavras de Piaget*, da sanção expiatória. Nesses casos está presente a necessidade ou o desejo de fazer sofrer quem ultrapassou quaisquer limites. As consequências dessas punições são várias:
- O cálculo de risco: em que se ensina à criança ou ao jovem que a má ação deve ser cometida de modo a não ser descoberta.
- A conformidade cega: o medo da punição e, portanto, do adulto, passa a orientar as ações.
- A revolta: em que se somam a rebeldia contra a autoridade de pais e professores com a negação das regras impostas, sem, contudo, que a criança e o jovem tenham antes construído internamente suas próprias regras.
Assim como os prêmios e recompensas por “bons comportamentos”, as sanções expiatórias são verdadeiras “âncoras” para a permanência na heteronomia. (Para saber mais sobre heteronomia, leia este post antigo.)
Ao contrário, quando as sanções são coerentes e se relacionam com as infrações, elas se orientam para a reparação, seja material ou afetiva, havendo a possibilidade de se (re)pensar sobre as próprias atitudes. Nesse caso, incentiva-se a construção de regras morais próprias. Estamos falando, então, das sanções por reciprocidade, ou seja, permitir ao sujeito a compreensão da falta cometida, bem como de seus efeitos.
Bons exemplos são:
- A exclusão momentânea do grupo como consequência do descumprimento das regras anteriormente construídas e necessárias para a boa convivência.
- A reparação material dos atos – ou seja, repor ou consertar objetos, limpar o que foi sujo, ou ainda, nos casos em que houve ferimento, auxiliar no curativo –, pode também ser aplicada.
- Em algumas situações também é possível empregar a privação de algo do qual abusa, como no caso, por exemplo, para a criança que insiste em rasgar o livro da biblioteca. Ela será privada de pegá-lo emprestado até que se sinta capaz de devolvê-lo sem danos.
- E, por último, a simples repreensão, ou seja, levar à compreensão de que se rompeu o elo social da confiança sem imposição pelo autoritarismo. Aqui, a sanção torna-se uma consequência natural da falta cometida.
Minha sugestão para a “fatia voadora”
Voltando ao relato inicial, a repreensão seria a reflexão com o aluno sobre seu ato: o risco de machucar alguém (como de fato ocorreu), o desperdício do alimento, o ato de sujar o ambiente, desrespeitando o trabalho de quem limpa, etc. A reparação seria, além de limpar o que foi sujo, buscar restabelecer junto à professora a confiança de que ele não mais agirá dessa maneira.
Portanto, nesse caso há a necessidade de se chamar a mãe? Respondo com outra pergunta: em que isso ajuda?
Formar para autonomia implica incluir em nossa prática um tipo de sanção que incida de forma significativa na formação dos alunos. Isto é, que contribua para uma mudança de atitude por tomada de consciência e por respeito ao próximo, e não somente pelo medo.
Fomos educados dessa maneira? Infelizmente não. Daí, talvez, a dificuldade de agirmos de modo construtivo.
Mas, o que você pensa sobre o tema? Vamos lá, comente! Concordando ou não, este é nosso espaço de trocas.
Cumprimentos mineiros e até a próxima segunda!
*Referência: PIAGET, J. O juízo moral na criança. – São Paulo: Summus, 1994.