Somos mesmo solidários?
Quando há portadores de enfermidades graves como a Aids, o gestor precisa saber lidar com questões como cuidados médicos, sigilo e preconceito
POR: Terezinha Azerêdo RiosTerezinha Azerêdo Rios é graduada em Filosofia e doutora em Educação.
Otto Lara Resende (1922-1992), brilhante escritor brasileiro, formulou uma frase que se tornou uma espécie de máxima e que, mesmo dita em tom de brincadeira, incomoda muito os que nasceram em Minas Gerais, como eu. A frase é: "O mineiro só é solidário no câncer". Há várias interpretações dessa afirmação e uma delas é a de que, na verdade, o que se diz do mineiro aplica-se a qualquer brasileiro e a qualquer ser humano. Tendemos, de modo geral, a ser solidários com pessoas que enfrentam dificuldades ou sofrimentos, principalmente as que têm enfermidades graves ou incuráveis.
O que constatamos na sociedade manifesta-se na escola: temos um cuidado especial com aqueles que têm necessidades especiais. E não estou falando do que costuma ser assim categorizado, como as pessoas que têm dificuldades de visão, audição, locomoção etc. Há os que quebram a perna e necessitam de auxílio, há os que têm pneumonia e não podem frequentar as aulas e os que são surpreendidos por uma apendicite, por exemplo. É comum tratarmos todos eles com generosidade, estreitamente articulada ao princípio ético da solidariedade.
No terreno da ética, devemos refletir sobre as virtudes que nos permitem caminhar na direção da vida plena, finalidade da existência humana. Falar nisso, para alguns, é adotar uma posição moralista. "Num mundo tão complexo, marcado pela desconfiança nas relações, é ingenuidade acreditar que ainda há valores como generosidade, compaixão e prudência", dizem eles. Entretanto, é exatamente porque vivemos num mundo que tem tais características que temos necessidade da presença dessas qualidades em nossas ações e relações.
Virtude, do latim virtu, significa força. É algo que se revela no comportamento dos indivíduos e que constitui uma base para a construção de uma vida social benéfica para todos. As virtudes são qualidades em que se articulam a inteligência e a vontade, são forças propulsoras de ações na direção do bem comum.
Como gesto de construção da humanidade, a Educação deve ser, para além de partilha de conhecimentos, um esforço no sentido do desenvolvimento de qualidades. Todo professor, ainda que disso não tenha consciência, é alguém que dá testemunho de valores. As virtudes são ensinadas não da mesma maneira que se ensinam as disciplinas que integram o currículo, mas na atitude dos educadores.
Os gestores enfrentam, às vezes, situações que exigem deles o exercício de virtudes nem sempre encontradas no espaço escolar. Uma dessas situações é a presença de alunos, professores e funcionários portadores de HIV. O enfrentamento de problemas de saúde se dá, em geral, com certa tranquilidade. A acolhida e o apoio às famílias fazem parte da vida cotidiana. A Aids, porém, é uma enfermidade que provoca reações muito diversificadas nos indivíduos. Julga-se que as pessoas que possuem o vírus têm certa culpa por estarem infectadas. Associa-se a doença a desvios de comportamento, que suscitam julgamentos preconceituosos e atitudes de discriminação.
É, portanto, um desafio para a escola. Essa situação aponta para a necessidade de que a generosidade e a compaixão estejam presentes. O que está na base dessas virtudes é o respeito, o reconhecimento da existência do outro. Nesse sentido, é desejável que a equipe gestora desenvolva um bom trabalho de prevenção à infecção e de acolhimento de pessoas com HIV. Isso implica saber como lidar com questões como os cuidados médicos, o sigilo, às vezes necessário, e o combate ao preconceito, gerador de discriminação. É na tomada de consciência e na ação efetiva que se revelam as virtudes. Mais do que nunca, precisamos delas na sala de aula e na sociedade em que vivemos.
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