Dicas para chegar a uma escola nova
Começar a trabalhar em uma escola nova é sempre um desafio. O segredo desta gestora foi conhecer profundamente a instituição antes do início do ano
POR: Monise CardosoQuando soube que tinha sido convocada para o cargo de supervisora escolar - função equivalente à de coordenadora pedagógica -, Maria de Nazaré Feijó ficou feliz da vida. Em breve, passaria a trabalhar na Creche Maria Nair da Silva, em Florianópolis. O que a futura gestora ainda não sabia é que a instituição passava por um momento difícil: a equipe estava de luto por causa da morte, dois meses antes, de uma colega competente e querida por todos. Era justamente o cargo dela que Nazaré ocuparia.
Normalmente, supervisores recém-chegados só têm contato com os novos colegas de trabalho e com a rotina da instituição no primeiro dia de trabalho. Por causa disso, quem é da casa pode se sentir incomodado porque encara o novato como intruso. Ele, por sua vez, pode achar que a equipe é avessa a mudanças. Com esse cenário em mente, Nazaré pediu à secretaria municipal de Educação o telefone de Marcel Noznica, diretor da creche, e telefonou para se apresentar e ficar alinhada sobre a rotina da escola e da equipe. O bate-papo a ajudou a conhecer a situação que tinha pela frente e foi a primeira das três conversas prévias que a dupla teve - as outras aconteceram pessoalmente. "Falar com o Marcel antes de iniciar o trabalho foi essencial para que as coisas dessem certo. Desde a primeira conversa, ele se dispôs a oferecer toda a assistência necessária até que eu compreendesse o ritmo da creche", conta.
Os encontros marcados antes do início do ano letivo entre os dois - nada formal, boas xícaras de café deram o tom amistoso às conversas - serviram para que Nazaré se familiarizasse com o regimento interno, o projeto político-pedagógico (PPP) e as demandas. Nesses encontros também nasceram esboços das duas primeiras reuniões pedagógicas do ano com a equipe - que serviriam para traçar o ano letivo e, é claro, para a apresentação oficial de Nazaré à equipe. Inevitavelmente, nas conversas com Marcel, surgiram comparações entre a maneira de trabalho proposta pela nova supervisora e a da antiga, mas o diálogo foi o fio condutor. "Nazaré sugeriu entregar o portfólio dos pequenos aos pais três vezes por ano. Antes, isso era feito uma só vez. Debatemos por que a mudança seria benéfica e a ideia dela foi acatada", exemplifica o diretor. "Aos poucos, fui tentando colocar um pouco de mim na estrutura da creche. Sempre com cuidado, para respeitar a história e a cultura do lugar", diz.
A iniciativa de falar com o diretor previamente permitiu que a nova supervisora traçasse uma estratégia de trabalho com base nas necessidades da equipe apresentadas por ele. Uma foi a questão da manutenção do espírito coletivo, que, devido ao luto, andava abalado. ?Fazer um plano de ação em conjunto, além de permitir que o novato conheça a situação da escola, ajuda a criar um elo profissional e fortalece a dupla gestora", diz Maura Barbosa, coordenadora pedagógica da Comunidade Educativa Cedac.
Todos no mesmo barco
A partir do início do ano letivo, Nazaré adotou estratégias de criação de vínculo usando como ferramenta atividades em grupo. A primeira delas foi a dinâmica do barco, realizada no momento em que a gestora foi apresentada à equipe. Os 40 colaboradores foram convidados a ficar em fila e envoltos por um tecido de malha, como se estivessem em um barco (veja foto acima). A instrução era que, juntos, fizessem um percurso entre os ambientes da escola. O diretor foi escolhido pela equipe para ocupar o primeiro lugar da fila e conduzir a difícil missão de fazer todos caminharem sem desviar da rota ou sair do tecido. A ideia era fazer uma analogia com a realidade da rotina escolar. "O início do ano é assim, você vai navegar em águas desconhecidas. São outras crianças e outras famílias, diferentes das atendidas no ano anterior. Mesmo as pessoas já conhecidas voltam do recesso mudadas, pois vivenciaram coisas novas durante esse tempo", diz Nazaré. Propositalmente e de maneira simbólica, ela não participou do início da dinâmica e, no meio do processo, pediu licença para entrar na fila e ajudar o time a navegar. A vivência ajudou a criar um clima descontraído e serviu para reforçar que juntos, são mais fortes. Encerrado o percurso, todos foram convidados a falar sobre como se sentiam. Muitos contaram estar perdidos dada a dificuldade de não saber os rumos que o novo ano tomaria. "Mas a dinâmica nos ajudou a perceber que poderíamos contar um com outro", diz a educadora Jéssica Helen de Abreu.
Desde então, nas reuniões pedagógicas, as discussões são sempre iniciadas com atividades em grupo. O intuito de Nazaré é reafirmar constantemente a importância da equipe estar integrada e se conhecer cada vez mais. "Saber as histórias e experiências de vida dos colegas e descobrir como cada um pode contribuir para fazer o melhor em nome do coletivo é muito gratificante", diz Maristela Della Flora, educadora auxiliar da creche. A especialista Maura concorda, mas faz uma ressalva: "As dinâmicas têm de ter um objetivo claro. Nada de finalidade recreativa".
Ouvidos atentos
Outro grande acerto de Nazaré foi apostar em momentos de escuta ainda no início do ano. Ela agendou conversas de duas horas com cada membro da equipe e fez 40 placas, cada uma com um tema que envolvia as práticas da Educação Infantil, como projetos de sala. "Pedi que cada um elegesse o tema sobre o qual queria falar. Isso amenizou a inquietude que sentiam em relação a mim: ficou claro que o assunto para conduzir a conversa poderia ser escolhido por eles", lembra. Ela ainda fez questão de ouvir cada um sobre as expectativas em relação às crianças e às famílias. "Questionei o que queriam alcançar com a Educação e contei meu desejo de criar um espaço de segurança e proteção para os pequenos, onde a relação de confiança e parceria entre os familiares e educadores é fundamental", conta.
Três estratégias para começar bem
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Além de manter um trato respeitoso nessas conversas, Nazaré sabia que seria crucial ajustar o plano de trabalho traçado com o diretor considerando o que tinha escutado. "Ceder lugar para o outro dizer sobre o que ele faz e pensa é dar um tratamento profissional às relações", diz Maura.
A Creche Maria Nair da Silva sempre foi referência na rede de Florianópolis e, segundo o diretor, isso se dá, principalmente, por mérito da supervisão, que mantém a equipe engajada e unida. "Nazaré chegou num momento delicado, mas soube como se apresentar e explorou bem a riqueza do trabalho em grupo", diz. Desde o início, eles levam a ideia de gestão compartilhada ao pé da letra, um conceito novo, ainda pouco assimilado, segundo Maura. "É raro um trabalho começar com tanta parceria. Ainda é frequente existir receio de que um interfira e passe por cima das decisões do outro", diz ela. Nem o fato de Marcel ser 22 anos mais jovem que a nova supervisora atrapalhou a construção de uma boa relação entre eles. Com Nazaré focada no cotidiano pedagógico, o diretor pode focar na administração da escola. "O Marcel põe a máquina pra rodar, e eu a mantenho em movimento", diz ela.
O processo de chegada de Nazaré durou 15 dias. Embora pareça tempo demais para quem acredita que é melhor "chegar chegando", foi essencial para que o ano letivo na creche começasse bem. "Ela assumiu o cargo como tem de ser: sem imposições e valorizando o diálogo", confirma a educadora Jéssica.
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