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Como avaliar com justiça um aluno imigrante?

POR:
Priscila Arce
Camila, estudante colombiana do   ano em atividade da EMEF Sebastião Francisco O Negro. Foto: Priscila Arce

São recentes as preocupações no Brasil a respeito da inclusão do migrante na escola, em especial na rede pública. A imigração é um fenômeno mundial e marca definitivamente a agenda de muitos países no século XXI. São milhares de pessoas que, por motivos de guerras, violência, escassez e questões econômicas, migram para outros territórios.

As barreiras para um imigrante são imensas e a primeira delas sem dúvida é a linguística. Porém, dependendo do país de origem, o migrante não sofre apenas com o idioma, mas também com preconceitos étnicos, sociais, econômicos, religiosos, entre outros.

Portanto, no contexto escolar, qual seria o papel do gestor diretor na hora da avaliação? Vou contar a vocês uma experiência pela qual passei para pensarmos mais nesse assunto.

O caso: fim de bimestre

Fui procurada pela Camila, estudante colombiana do 8º ano, que relatou sua dificuldade na compreensão do nosso idioma e se queixou de, na hora da avaliação, não se sentir em patamar de igualdade com os demais colegas da turma. Ela não conseguia responder em português ao que era solicitado durante as atividades propostas pelos docentes. Também não se via acolhida em suas dificuldades pela equipe escolar.

Constatei, então, o quanto estávamos despreparados para realmente acolher esses estudantes na escola, não apenas os latinos americanos, mas também os de outros continentes.

Camila estava certa. Possivelmente, a barreira linguística era um problema na hora da avaliação e a culpa recaía nela, uma vez que a escola não percebia que tinha responsabilidade na questão.

Como gestora, eu tinha o compromisso de reunir a equipe e refletir acerca de um plano de ação para Camila e garantir, do ponto de vista legal, os direitos da estudante. Provavelmente, o boletim dela não revelava os conhecimentos de alguém que havia frequentado a escola ao longo de sete anos.

Primeiros passos

A equipe gestora buscou acolher a família da estudante, assim como acolhe todas as outras famílias quando um novo aluno chega à escola. Nesse primeiro encontro, tentamos compreender o percurso escolar e as condições de vida da Camila e apresentamos o projeto político-pedagógico (PPP) da instituição. Foi um momento de troca de experiências e de registro de fatos importantes que poderiam ajudar a equipe na elaboração do plano de ensino para a jovem, com o objetivo de estabelecer um intercâmbio entre as culturas envolvendo todos da escola.

A falta de acolhimento da jovem e a ausência de um plano de ensino ajustado resultou em notas baixas no boletim. E ainda estávamos correndo o risco de violar o direito de aprender da estudante e de responsabilizá-la pelo fracasso escolar. Nesse caso em especial, senão tomássemos uma decisão consciente a tempo, poderíamos estar cometendendo xenofobia.

A barreira linguística exige da escola o estabelecimento de aulas para que a estudante compreenda o nosso idioma ou a divulgação de cursos existentes na cidade, por exemplo. Em contrapartida, temos experiências na rede de ensino nas quais também aprendemos o idioma estrangeiro, como espanhol ou francês, sem ficarmos restritos ao inglês.

O diretor, como um dos sujeitos responsáveis pela gestão do currículo, deve avaliar coletivamente as concepções que norteiam o acolhimento de estudantes que ingressam na escola e as práticas de avaliação às quais são submetidos, sendo migrantes ou não. Também é importante destacar que a forma como a escola compreende a gestão e implementação do currículo afeta todas as crianças. Por isso, acredito que devemos colocar em jogo quais são as dificuldades, sem assumi-las como culpa e trabalho a mais, enxergando-as como necessidades de aprendizagem da equipe.

Quem aprendeu com esse processo? A equipe escolar. Um bimestre se passou e, a princípio, a queixa da estudante resultou em demandas de trabalho, mas também em experiência. Passamos a nos perguntar: quais saberes estávamos avaliando? O que aprendemos por meio das notas da estudante?

Progressivamente, ela se sentiu acolhida também nas atividades do contraturno da escola, se destacando na prática esportiva e auxiliando outras crianças. Incluímos atividades regulares para aprofundamento no assunto e visitas com os estudantes pela cidade para compreender melhor a questão. Docentes se organizaram para ajudá-la no idioma e a família regularmente acompanha as atividades da escola.

A minha mensagem com essa experiência é que os educadores precisam conhecer as reais necessidades de seus estudantes, pois não estamos a serviço apenas de confirmar com as notas o que o estudante não sabe. Se pensarmos com cuidado, já podemos constatar o que os alunos não sabem na avaliação diagnóstica. Portanto, a finalidade da avaliação não pode ser apenas validar com notas esse processo para que o estudante fique na posição inicial.

O segredo é que o estudante se sinta motivado a estudar. Mas não há nota que faça nascer dentro da gente esse desejo. De fato, nenhum 5 ou 10 no boletim, nem nenhuma forma de repreensão, são capazes de garantir esse sentimento ao longo da vida. Fica assim, um grande desafio para a escola e para as famílias: se reinventar e realizar novas perguntas sempre!

Priscila Damasceno Arce é diretora da EMEF Sebastião Francisco O Negro, na zona leste de São Paulo-SP. Estudou em escola pública a vida toda e também foi professora e coordenadora pedagógica. É especialista em alfabetização e mestranda em formação de formadores pela PUC-SP.