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Como dinamizar os currículos com a cultura local

Ao longo da minha prática docente e agora como gestora de uma escola pública, pude constatar que um currículo sempre estará em construção, principalmente quando pensamos em escolas e regiões diferentes

POR:
Marlucia Brandão
Foto: Marlucia Brandão

Quando falamos de currículo, estamos falando da organização do conhecimento escolar. Porém, o currículo não pode ser apenas uma relação de conteúdos. Ele é uma construção social do conhecimento.

Pensando nesse assunto, me lembro do Dr. Christopher Emdin, palestrante do SXSWEdu 2017, um dos maiores eventos de Educação do mundo, que aconteceu no Texas (EUA). Christopher é professor e diretor na Universidade Columbia e abriu o evento dizendo que a interseção entre cultura e Educação resulta, com toda a certeza, na própria pedagogia. E toda escola, fazendo uso dos instrumentos necessários, deveria respeitar a cultura do aluno. Ele também afirmou que a escola tem extraído, de forma brutal, desumana e arbitrária, a cultura que o aluno traz com ele e que deveria ser respeitada por todos.

Nessa palestra, percebemos que a relação da cultura com a Educação deve ser vista como real, inerente e profunda. É de suma importância levar para dentro do espaço escolar a cultura local e regional. Gosto muito do que diz a pedagoga Vera Candau em relação a isso.

Segundo ela, cultura é um fenômeno plural, multiforme e não estático, que está em constante transformação, envolvendo um processo de criar e recriar. Ou seja, a cultura é um componente ativo na vida do ser humano e se manifesta nos atos mais corriqueiros da conduta do indivíduo e não há indivíduo que não possua cultura. Pelo contrário, cada um é criador e propagador de cultura.

Ao longo da minha prática docente e agora como gestora de uma escola pública, pude constatar que um currículo sempre estará em construção, principalmente quando pensamos em escolas e regiões diferentes. Cada local possui as suas particularidades e a sua cultura própria, que deve ser respeitada, valorizada e levada para dentro da comunidade escolar. Cada escola tem que ter a liberdade de flexibilizar e reorganizar o currículo.

Na minha comunidade escolar, temos atores e movimentos fortes na cultura local, como os pescadores, agricultores, violeiros e a cavalgada dominical. Mas muitos dos nossos alunos não veem isso como cultural e nem dão a importância que deveriam.

Pelo contrário, eles se envergonham dos pais que vivem da pesca e da agricultura e veem os movimentos dos violeiros e das cavalgadas como coisas banais ou rotineiras, mas nunca como cultura.  

Descobrimos, então, que precisávamos dinamizar o nosso currículo e turbinar o plano de ação, buscando uma reorganização enquanto escola, para falarmos sobre o poder da cultura dentro de uma sociedade, propiciando assim um novo olhar do nossos alunos e professores sobre pontos importantes dentro da comunidade local. Como gestores, não podemos impedir que a cultura chegue à escola e muito menos que ela deixe de fazer parte do currículo.

Veja como você pode reorganizar o currículo com o apoio de toda a escola, pensando na importância da cultura local:

  • Pergunte o que todos entendem por cultura e quais são os atores da cultura local.
  • Colete as respostas. Como disse, no caso da minha escola, foram os pescadores, agricultores, violeiros, e por aí vai.
  • Analise com professores e pedagogos as respostas obtidas
  • Transforme os agentes culturais em conteúdo e distribua dentro das diversas matérias, de forma multidisciplinar, para que os alunos trabalhem durante todo o ano a cultura local
  • Crie projetos e dinâmicas para dar visibilidade à cultura local. Por exemplo, pesquisas, poesia, paródias, entrevistas, documentários, seminários, apresentações, gráficos etc. Isso dá poder aos alunos e aos demais atores da comunidade local

Novamente, trago um pensamento de Vera Candau. Em sua opinião, dentro da escola estão inseridos diversos grupos sociais que não devem ser ignorados pelos educadores, e sim valorizados, através de discussões e feiras, para que as culturas não tradicionais possam ser conhecidas e reconhecidas quanto a suas ideologias e formas de ser.

Voltando à fala de Christopher Emdin, da SXSWedu 2017, precisamos redesenhar a Educação, de forma que os pais conheçam a escola e que a escola passe a ensinar a partir da cultura de seus alunos.

Todos ganham quando a escola se mobiliza para construir um currículo multicultural no processo educativo e passa a analisar, a partir daí, as práticas e conteúdos, considerando as realidades e valores diversos. Isso influencia a aprendizagem e contribui para o empoderamento dos nossos alunos e demais atores da comunidade.

Abraços,
Marlucia

Caso queiram ler mais sobre Educação e cultura, fica aqui algumas referências:

CANDAU, Vera Maria Ferrão - Educação escola e Cultura(s): construindo caminhos. Revista Brasileira de Educação, 2003.

CANDAU, Vera Maria Ferrão - Sociedade, cotidiano escolar e cultura(s): uma aproximação. Educ. Soc., 79: 125-161, 2002.

RIBEIRO, Darcy. O processo Civilizatório: Etapas da Evolução Sócio-Cultural. 10º ed., Petrópolis: Vozes, 1987

VEIGA, Ilmar Passos Alencastro. Projeto político-pedagógico da escola: uma construção coletiva, in  Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. Ed Cortez, 1998

Marlucia Brandão é diretora da EMEIEF Boa Vista do Sul, em Marataízes-ES, desde 2016, e professora de Língua Portuguesa, com especialização em Linguística Aplicada ao Português, Psicopedagogia Institucional e Ciências da Educação. Deu aulas em todas as etapas, da alfabetização à Educação de Jovens e Adultos (EJA). Também foi Secretária de Educação de Marataízes entre 2011 e 2012.