A arte do diálogo é fundamental na democracia da escola
POR: Cláudio Neto
Nesse espaço eu tenho buscado a interlocução com os meus colegas da gestão escolar e com os educadores em geral que se interessam pela temática da democracia na escola, em torno da qual já discutimos alguns aspectos como a importância da qualidade do vínculo com as famílias, o papel da gestão na formação em serviço, o protagonismo dos estudantes etc.
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Não é raro o questionamento sobre a efetividade da democracia no contexto escolar ou, ainda, sobre os limites dela na relação pedagógica entre professores e alunos. Isso porque ainda se confunde as diferenças institucionais com as relações de desigualdade entre os segmentos envolvidos na ação educativa (gestão, coordenação, professores e alunos). A respeito disso, tomarei a palavra aqui para argumentar que a escola enquanto espaço social de formação de crianças, jovens e adultos pode sim buscar os seus fins e objetivos a partir de práticas democráticas.
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Nesse sentido, a palavra passa a ser um dos grandes fundamentos da democracia. A condução do diálogo nos diversos níveis da instituição escolar passa a ser fundamental para que os gestores tenham êxito no seu trabalho. Portanto, conversar com a sua equipe, com os coordenadores pedagógicos, professores, funcionários, alunos e as famílias é o caminho a ser seguido. Afinal, quem nunca ouviu dizer que a comunicação precisa ser melhorada ou que ela é um problema? Como indicado no título desse texto, o diálogo se torna, de fato, uma arte, visto que a comunicação passa a ser uma estratégia fundamental.
Em razão disso, parece-me um equívoco incontestável a crença no diálogo apenas como uma estratégia para o desenvolvimento das ações e dos projetos de uma escola. Comunicar bem, ouvir as pessoas e decidir coletivamente é uma estratégia importante das organizações, no entanto, quando se trata de uma escola, especialmente quando se trata de uma gestão democrática é muito mais que isso. O diálogo, para além de uma estratégia, se torna o principal fundamento do projeto de uma gestão convicta na democracia. Sim, a conversa é uma arte.
No entanto, é importante destacar que o fato de a conversa ser uma arte não significa dizer que se trata de um dom que apenas algumas pessoas detêm. A arte da conversa é uma competência profissional exigida aos ocupantes de cargos de liderança, sobretudo, quando se trata de ocupantes do cargo de gestão escolar.
Um exercício que temos feito aqui, por orientação da redação, e que considero exitoso, é descrever a maneira que nós – autores/gestores – temos encontrado para efetivar essas propostas no nosso local de trabalho. Ou seja, trazer temas importantes para o debate educacional que fazem parte da nossa experiência profissional, cujos resultados já são reconhecidos. Esta ideia corresponde à máxima segundo a qual os bons exemplos legitimam as práticas anunciadas.
Tal como proposto, farei uma breve descrição de como a arte do diálogo é posta em prática no meu contexto de trabalho. O momento é oportuno porque estamos iniciando o ano letivo e a narrativa levará em conta o que já fizemos em fevereiro de 2018. Começamos nessa dinâmica no dia 22 de janeiro com reunião de equipe (direção, coordenação pedagógica e secretaria). Nesse momento é feito uma avaliação do trabalho do ano anterior e se anuncia o que será proposto para a recepção e início das atividades com os professores, os alunos e seus familiares. Esse trabalho de planejamento é feito em duas semanas.
Nos dias 1° e 2 de fevereiro a conversa passou a ser com os professores e funcionários. Foram dois dias intensos de muitas discussões e propostas para o ano letivo. Após a análise dos resultados das avaliações internas e externas traçamos as linhas do nosso trabalho para o ano letivo de 2018, cuidando também, evidentemente, da acolhida do grupo com um café da manhã organizado com grãos de várias regiões do Brasil e do mundo, proclamando a diversidade a ser aprofundada no currículo.
Ainda no dia 1° de fevereiro, considerando a relação da escola com o seu território, todos foram às ruas para ouvir duas mulheres idosas que foram contemporâneas da escritora Carolina Maria de Jesus – moradora do bairro até o início da década de 1970. A ideia é resgatar as histórias do lugar e criar um centro de memória, valorizando o saber popular. Aqui a hierarquia se inverte, o lugar de fala e mais alto é ocupado por Dona Antônia e por Dona Iracema, afinal, a escuta é o aspecto mais importante na arte da conversa.
A partir do dia 5 de fevereiro esse processo chegou aos alunos. Todos foram recepcionados no pátio para a tradicional saudação, apresentação de toda a equipe da escola e orientações sobre a dinâmica do primeiro dia de aula. Essa foi a primeira grande reunião do ano com todos os alunos de cada período, na qual todos podem tomar a palavra. As discussões versaram sobre dois eixos: como vamos estudar e como vamos conviver na escola.
Após a recepção, o diálogo prosseguiu em grupos menores com reuniões em cada uma das nove turmas de cada período (manhã do 6º ao 9º ano e uma turma de 5º ano e tarde do 1º ao 5º ano). Nas reuniões por turma todos participam inclusive o diretor que divide a coordenação dos trabalhos com uma professora (figura 7). Em seguida, as turmas foram reagrupadas por ano para encaminhamento das proposições. Esse processo durou dois dias e culminou, no terceiro dia, na grande assembleia final para apresentação dos resultados.
No quarto dia de aula, após a sistematização das relatorias, foi realizada uma assembleia geral com os alunos em cada período, tanto para encaminhar as resoluções quando para produzir uma síntese das deliberações para os pais. Para tanto, no dia 08 de fevereiro, foram realizadas três reuniões (uma no inicio do período da manhã e duas no final do período da tarde).
Como se vê, a democracia na escola exige muito trabalho, demanda tempo e decorre de uma construção coletiva. Todos são importantes nesse processo. Embora seja trabalhoso e até desgastante, os resultados compensam especialmente no que diz respeito à aprendizagem e à cultura de paz na escola.
A proposta de aprofundar a conversa aqui, a partir da descrição do que acontece na prática, tem como objetivo esclarecer, ainda que pareça óbvio, que operar com o conceito de gestão democrática exige atenção a coisas práticas do dia a dia do universo escolar. A noção de democracia, portanto, remete a um vasto conjunto de práticas que podem efetivar o que se pretende, já que o termo gestão – e eu acrescento aqui a gestão democrática – é fundado na ideia de mediação, seja no campo das relações, seja no campo pedagógico, ou ainda no âmbito administrativo, a exemplo do que tem sido postulado pelo incansável Professor Vitor Paro.
Como o esforço educativo envolve a atuação de muitas pessoas, ele deve ser coordenado de maneira a evitar a lógica autoritária instituída entre dominados e dominadores. Para tanto, a divisão de responsabilidades de acordo com as diferenças dos papeis institucionais não pode ser confundido com relações de desigualdades. Em uma organização autoritária prevalece o controle, na organização democrática, a articulação. Ainda que desempenhem funções específicas na escola, diretores, coordenadores, professores, funcionários e alunos podem vivenciar uma forma de poder que permita a participação de todos.
Por fim, na minha trajetória profissional eu aprendi que o bom gestor necessariamente não é aquele que decide sozinho, ordena e determina as funções de cada um no processo educativo. Ao contrário, o bom gestor tem sido aquele que sabe ouvir, considera as opiniões de todos, decide coletivamente, encaminha tudo o que foi decidido e tem como parâmetro da sua coerência a garantia dos direitos de aprendizagem. A não violação de direitos é o que regula a relação de todos os profissionais da escola, e o sucesso dos estudantes é o que legitima a democracia.
Para saber mais
PARO, Vitor Henrique. Gestão Escolar: democracia e qualidade do ensino. São Paulo: Ática, 2007.
Claudio Marques da Silva Neto é diretor da EMEF Infante Dom Henrique, em São Paulo. Tem experiência em direitos humanos, formação docente, cultura escolar, indisciplina, violência e gênero. É mestre e doutorando em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro Indisciplina e Violência Escolar: dilemas e possibilidades.
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