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Com professores bem formados, não é preciso perder tempo com avaliações

À frente da TAMK EDU, instituição finlandesa que ajuda a levar a bandeira da Educação finlandesa para o exterior, Carita Prokki acha que é possível levantar a barra no Brasil

POR:
Soraia Yoshida
Carita Prokki é diretora de Operações Empresariais da TAMK EDU    Foto: Divulgação


Carita Prokki é diretora de Operações Empresariais da TAMK EDU, um braço especializado em Educação dentro da Universidade de Ciências Aplicadas de Tampere, na Finlândia. Trabalhando há 19 anos na instituição, ela é uma das maiores conhecedoras do sistema de ensino finlandês – o que equivale, de certa forma, a dizer que ela entende como ele se tornou o mais admirado do mundo.

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Embora tenha iniciado a carreira na Educação como professores nos anos 1990, ela confessa que não se via nessa função e procurou um papel de liderança na administração. “Quando você trabalhar na gestão, você começa a sentir falta de dar aula. Eu dava aula para adultos à noite e aos sábados. Para mim era o paraíso”, afirmou em uma palestra. Em suas aulas, Carita fazia uso de métodos diferentes de ensino, que envolviam discussões em grupo, em vez de colocar foco somente nas leituras.

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Ela decidiu deixar o cargo de reitora para completar um PhD em Liderança Organizacional. “Se você não está satisfeita com seu trabalho e sua vida, isso acaba afetando as pessoas ao seu redor. Então você precisa sair e fazer algo novo”, disse em entrevista a um jornal finlandês.

“O cargo de professor é o trabalho mais importante do mundo”

Com o sucesso da Finlândia como “meca da Educação”, Carita Prokki passa ao menos uma semana em um país diferente, a cada mês. Seu departamento, Educação Global, não conta com orçamento da universidade, por isso ela e sua equipe tenta fechar acordos com escolas e instituições em outros países. A especialista discute desde metodologias de ensino até a formação de professores, tema que a trouxe ao Brasil. Em entrevista a NOVA ESCOLA, ela defendeu que é preciso subir a barra quando se trata de formação continuada.

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A Finlândia tornou-se um modelo para todos os países que querem elevar o nível da Educação. A sra. diria que o Brasil ainda está muito longe de chegar perto da Finlândia? Temos oportunidades para melhorar?
Eu diria que é uma questão de formação de professores. Ter professores treinados em todos os níveis e de maneira equânime seria a maneira mais rápida de o Brasil melhorar os índices de Educação. Em minhas visitas ao país, eu tenho encontrado excelentes professores, muito motivados e que se esforçam para dar a melhor aula de que são capazes.

Considerando as proporções do país, para que o sistema pudesse avançar mais rapidamente, o que a sra. acha que poderia funcionar?
Treinar professores para que eles se tornassem formadores ajudaria a espalhar o conhecimento mais rapidamente. Se os professores são bem formados, eles podem ser os agentes dessa mudança. Com isso poderíamos ter mais professores bem qualificados para ensinar. Não há atalhos nem truques que funcionam para Educação, não estamos falando de mudanças que funcionam em um ano. Levaria pelo menos uma década. Após dez anos de implementação, a situação seria muito, muito melhor. É preciso que haja uma estratégia e uma vontade de que as coisas aconteçam. E eu acho que os professores estão dispostos a mudar e estão apenas esperando pela oportunidade de fazer isso.

Poderia nos contar como é o seu modelo de ensino? Ele poderia ser aplicado aqui no Brasil? 
Meu modelo favorito provavelmente não se aplicaria ao Brasil como um todo. Ele se baseia em mandar um grupo de professores por uns dois meses para a Finlândia, para que possam ver o que funciona com seus próprios olhos e desenvolver seu próprio sistema. Eu ofereceria a eles a chance de participar de programas de um ou dois meses em que pudessem testar suas ideias de como dar aula. Eles teriam o apoio de assistentes e contariam com bastante apoio para esse trabalho. Com esse sistema, é possível alcançar muito em pouco tempo e ver mudanças significativas.

Para que um programa desses pudesse ganhar escala, a sra. acredita que seria possível treinar um grupo de professores, que então voltariam ao país para treinar outros e assim por diante? Ou só funciona ao dar a mesma oportunidade a todos?
Eu acredito que todos os professores deveriam ter a mesma oportunidade, principalmente da rede pública. Com isso, os pais poderiam confiar que, no longo prazo, todos os professores teriam passado por algum tipo de qualificação. 

A Finlândia não costuma levar em conta os resultados de avaliações. O sistema nacional possui algum tipo de avaliação nacional para os professores a fim de garantir que eles possam dar uma aula melhor?
A ideia básica é que todos os professores finlandeses possuem mestrado, independentemente do nível em que estejam dando aula. Esse é o requisito mínimo. E os gestores da política educacional concluíram que não é preciso qualquer tipo de inspeção. Nós confiamos em nossos professores qualificados de que eles estejam fazendo um bom trabalho. Eles trabalham de forma local com os diretores e com outros professores,  então nós não precisamos desse tipo de avaliação, de inspeção, o tempo inteiro. Na verdade, nós não temos um sistema desse tipo. Com isso, não gastamos energia fazendo algo que não acreditamos ser necessário. Então, nesse aspecto, não temos avaliações da mesma maneira que acontece em muitos países.

Aqui no Brasil, ainda temos uma minoria de professores com nível de mestrado. Na sua opinião, isso seria um fator chave para melhorarmos o nível da Educação pública?
Vejamos o seguinte: um médico não pode começar a tratar pacientes se ele não possui a formação, não se formou na universidade e atingiu todos os níveis. Você tem a mesma coisa para um profissional da Educação.

A sra. é responsável por levar programas de formação da Universidade de Tampere para países como Chile e China. Há algo nessa experiência que poderia ser usado no Brasil?
O governo chinês vem liderando uma transformação gigantesca no sistema de Educação, desde as universidades até a formação profissional. É nisso que estamos trabalhando com eles no momento, para que os professores possam se tornar aptos a usar mais métodos de ensino ativos, para que possam sair do setor acadêmico e de pesquisas e trabalhar de modo mais próximo do mundo do trabalho. O objetivo é que haja cooperação com os setores da economia, com o mundo dos negócios, o que é uma questão crucial na China. Aqui no Brasil é um pouco diferente: o foco está na cooperação com negócios e outras áreas, mas definitivamente precisamos desse desenvolvimento. A diferença é que estamos fazendo isso num ritmo mais lento, passo a passo. Isso também nos dá a oportunidade de aprender com esses professores, que são muito engajados e motivados. No Chile, nós estamos construindo um programa de maneira conjunta que possa reunir pós-graduação e treinamento para que os professores se tornem cada vez mais centrados no aprendizado do aluno, a partir dos métodos de ensino ativos. Então, estamos nos movendo em direção a um novo paradigma no qual os estudantes são o foco e não os professores.

Um último conselho? Para o que os professores deveriam estar prestando atenção ou aprendendo agora?
Neste momento, creio que os profissionais da Educação deveriam mudar o foco do "o que ensinar" para "como ensinar". Estamos vivendo agora em uma sociedade do conhecimento e os professores, muitas vezes, concentram-se em ensinar alguns aspectos dentro das disciplinas. Claro que o Brasil não está sozinho, mas a sociedade moderna do conhecimento exige que o foco esteja em como aprendemos e como ensinamos.

E, nesse aspecto, a neurociência tem um papel importante, portanto deveríamos aprender sobre isso também.
Sim. E mais todo o resto, claro.

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