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Formação de diretores: como montar um grupo de estudos

A formação entre pares favorece a colaboração na resolução de desafios da escola e ainda amplia o repertório do gestor para lidar com a rotina

POR:
Laís Semis
Crédito: rawpixel/Unsplash

Edilson da Silva Cruz é formado em Letras. Por cinco anos, ele foi professor de Língua Espanhola na rede municipal de São Paulo. Há cerca de um ano e meio, assumiu o cargo de diretor da EMEF Virgílio de Melo Franco. “Saí da sala de aula direto para a direção”, conta. A história de Edilson é compartilhada por muitos diretores. Mesmo entre os gestores com formação em Pedagogia, um curso que prepararia melhor para os desafios do cargo, é comum ouvir sobre o abismo entre formação inicial e a realidade da escola.

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A maior parte do aprendizado vem da prática. “Como a formação inicial não tem como foco a experiência profissional prática, as formações continuadas acabam tendo um papel muito relevante para os gestores”, afirma Rosaura Soligo, coordenadora do Instituto Abaporu de Educação e Cultura, parceiro de várias secretarias de Educação no país. Embora caiba às secretarias garantir a formação desses profissionais, há uma forte priorização de ações formativas voltadas aos professores e nem sempre os diretores são contemplados como precisam. Quando esses espaços existem, eles têm maior enfoque no administrativo. “As formações com potência pedagógica são raras”, pondera Rosaura. A experiência de Edilson confirma. As formações de que participou foram pontuais e mais conectadas a aspectos administrativos. “Fiz uma formação sobre procedimentos disciplinares”, conta. “Há formações para professores acontecendo, especialmente sobre currículo, mas não para diretores, que acredito serem tão importantes no processo de implementação de um novo currículo quanto a formação para os docentes”.

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O grupo de estudos nasceu no WhatsApp e continua ativo.  “A gente se fala todo dia e nos mantemos conectados para auxiliar em situações difíceis”, diz Renata. Crédito: rawpixel/Unsplash

Caminhos alternativos
A ausência de espaços formativos e a necessidade de criar redes de apoio para os desafios administrativos e pedagógicos da gestão escolar levou Edilson, ao lado de outros 14 diretores, a procurar caminhos alternativos para sua formação. “Eu sentia realmente falta de formação porque é disso que a gente precisa quando chega a este cargo”, diz ele.  

Tudo começou com um concurso da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. “Criamos um grupo no WhatsApp para acompanhar as chamadas do concurso e houve uma aproximação entre aqueles que tinham ideias parecidas”, relembra Renata Zuliani, diretora da EMEF Neuza Avelino da Silva Melo, em São Paulo. Os diretores acabaram escolhendo escolas em regiões semelhantes, o que ampliou a proximidade e facilitou a troca de ideias, já que o contexto dos entornos eram, em muitos casos, bem semelhantes. “Conforme os problemas foram aparecendo, decidimos nos reunir para resolvê-los”, conta Renata. O que começou como uma troca informal de informações e apoio aos colegas na mesma situação acabou evoluindo para um grupo que saiu do virtual e se tornou um grupo de estudos.

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Os diretores novatos se encontram a cada um mês e meio, mais ou menos. Mais do que pensar em como se ajudar, eles começaram a pensar também sobre como suas visões educacionais, que eles definem como sendo progressista, e seus aprendizados acadêmicos poderiam refletir na prática um projeto de Educação emancipadora.

O grupo reúne experiências diversas. Há pessoas, como Edilson, que saíram da sala de aula direto para a direção. Há outros, como Renata, que passaram pela coordenação. Há ainda quem tenha apenas uma faculdade, mas também quem tenha mestrado ou seja doutorando. “A questão é como aprender com o outro”, diz Edilson. Para ele, essa troca de bagagens permite conhecer realidades de outras escolas e não se fechar dentro de sua própria. “Embora sejam todas escolas da periferia, há situações diferentes. Cada instituição tem suas questões. Saímos um pouco do nosso mundo e expandimos nossa visão”.

“A gente também tem momentos do tipo ‘terapia em grupo’”, relata Renata. “Muitas vezes, as pessoas não conseguem nos entender porque o papel do diretor é muito complexo”. E esse é um outro ponto interessante que o grupo ataca: a criação de um senso de comunidade, o fortalecimento de uma identidade e a diminuição do sentimento de solidão por não ter um par para compartilhar os dilemas e sufocos da direção. “É muito duro estar sozinho, principalmente para quem acabou de ingressar no cargo. Esses espaços constituem comunidades de pares, são uma saída para se amparar” explica a formadora Rosaura Soligo. Nesse processo de reunir pessoas com ideias, perspectivas, valores e concepções próximas, a identidade horizontal é fortalecida entre pares. “Mesmo que haja diferenças, existe um miolo bastante semelhante que fortalece essa identidade”, afirma a especialista.

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A teoria não deve ser deixada de lado nas discussões sobre a prática gestora. Crédito: Jamie Taylor/Unsplash

A dinâmica do grupo
O ponto de encontro muda a cada reunião do grupo. “Acontece cada vez numa escola diferente, o que permite conhecer a estrutura e a realidade em que trabalha cada integrante do grupo”, diz Renata. Assim, é possível não apenas compreender melhor o contexto para fazer sugestões, mas também se inspirar e trazer novas ideias para a escola em que trabalham a partir do que encontram nesses espaços. Os encontros começam sempre com um giro guiado pelo diretor-anfitrião apresentando a escola e duram de três a quatro horas. “Tentamos colocar sempre fora da nossa jornada de trabalho e em uma data possível para a maioria do grupo. É complexo porque é difícil arranjar um horário que todos possam participar”, conta Edilson. Até o momento, o diretor diz que houve oito reuniões.

Após a apresentação da escola, o grupo se reúne com a presença também de outros membros da instituição que podem se beneficiar das discussões. O tema de cada reunião é decidido coletivamente antes do encontro. “Levamos em conta os problemas que estamos enfrentando”, explica Renata. Há textos teóricos de apoio para sustentar as discussões. Eles circulam digitalmente para que todos possam ter acesso ao material. A leitura é feita antes do encontro em que o texto disparador da temática será debatido. “No início da reunião, fazemos uma retomada, elencamos alguns pontos que têm a ver com o motivo que nos levou a escolher esse texto e vamos permeando com a nossa realidade à luz da teoria”, relata.

As discussões perpassam teorias pedagógicas, como elas são aplicadas na prática considerando o contexto em que as escolas se encontram e o que é possível fazer diante dos problemas que cada gestor enfrenta em sua comunidade. “Questionamos que tipo de escola é a nossa, falamos sobre as intervenções que fazemos, articulação com a secretaria e como introduzir práticas novas”, explica o diretor Edilson Cruz. “A gente vai trocando e, nisso, já entra em uma discussão teórica”. Cada integrante agrega as experiências que vivencia na escola ou em outros espaços de formação. Edilson, por exemplo, além de sua prática, tem trazido elementos de reflexão que são apresentados no curso de Pedagogia que está cursando.

Apesar dos encontros acontecerem com um espaçamento de quase dois meses, o grupo de WhatsApp dos diretores novatos continua ativo. “Nós nos falamos todo dia e nos mantemos conectados para auxiliar em situações difíceis”, diz Renata Zuliani. As situações são as mais diversas possíveis, de dúvidas do dia a dia até o que fazer quando o alarme da escola dispara às 2h da manhã e não há a quem recorrer, além dos colegas de profissão. “Somos uma rede de proteção de diretores”, define.  

Os encontros do grupo podem ser online ou presenciais. Crédito: Cytonn Photography/Unsplash

Para montar seu próprio grupo de estudos

  1. Encontre pares que tenham objetivos e perspectivas próximas. No caso do grupo que ilustra essa reportagem, três pontos ligavam os integrantes: a visão próxima de Educação, o fato de estarem em escolas com realidades próximas (todas localizadas na periferia de uma grande cidade) e o fato de estarem assumindo o cargo pela primeira vez. “É preciso encontrar outros interessados em fazer um projeto conjunto que compartilhem uma visão, temas e situações em comum que possam ser objetos de reflexão”, diz Edilson.

  2. Escolha uma periodicidade e formato de trabalho. Se o grupo não for virtual, escolha também um local de encontro. A periodicidade pode variar de acordo com os objetivos e interesse dos integrantes. No entanto, vale considerar quais são as possibilidades reais de encontro dentro da agenda coletiva. Encontros semanais, por exemplo, podem ser exaustivos ou de difícil agenda, o que pode acabar desestimulando o grupo a prosseguir nos trabalhos. É possível escolher um formato de trabalho virtual para o grupo, com encontros online, por Skype ou Hangouts, por exemplo. Caso a ideia seja viabilizar encontros presenciais, considere um local de fácil acesso para os integrantes ou que possa agregar conhecimento, como o modelo rotativo entre escolas dos integrantes. Também é possível pensar em um modelo misto.

  3. Delimite o propósito dos encontros. O grupo pode ter um ou mais propósitos. No caso dos diretores novatos da rede municipal de São Paulo, a intenção é trocar ideias e soluções para os dilemas diários que encaram na escola, mas também refletir sobre o desenvolvimento de um trabalho crítico embasado por teorias pedagógicas. Para as reuniões presenciais (ou online), o ideal é que haja um propósito mais delimitado para que seja possível se aprofundar nos temas de discussão e formação sem se estender por horas e perder o foco. Assim, é possível estabelecer, por exemplo, que as leituras ou outros materiais disparadores da discussão devem ser feitas sempre antes do encontro. Também é possível delimitar o tempo dedicado para cada ação dentro do encontro e o que deverá ser discutido nele. Mesmo que haja momentos de terapia em grupo, garanta que esse momento não seja apenas um desabafo coletivo, mas que traga discussões produtivas que façam avançar o trabalho e ampliem o repertório individual.

  4. Defina temas tema para cada reunião e considere o contexto. Considere o que os diretores ou a rede estão vivendo naquele período. É possível debater desde intervenções para situações específicas de funcionários até a implementação dos currículos alinhados à Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Inclusive, a implementação é um dos temas que já foram discutidos pelo grupo de Edilson e Renata. Na rede municipal de São Paulo, as escolas já estão trabalhando com o novo currículo. “Cada um expôs o que estava fazendo, como estava lidando com a resistência ao currículo, como fazemos o melhor a partir do que foi colocado”, diz Edilson. Mesmo no caso de um grupo de estudos específicos, como currículo, é necessário pensar uma progressão temática para guiar os trabalhos. Por exemplo: começar por competências gerais da Base e avançar para cada disciplina.

  5. Pense e estruture pautas além do material que é possível encontrar em uma busca de internet. “Se a conversa for muito centrada em informações que podem ser obtidas na internet, é pouco”, acredita Rosaura soligo. Para a formadora, a potência desse encontro de pares está justamente em trazer para a discussão a prática vivenciada pelos gestores. “Costumamos achar que formação é estudar. Essa é uma parte, a outra é a reflexão da prática fundamentada pelas teorias, a discussão de problemas de maneira coletiva”.

  6. Seja um amigo crítico. Você provavelmente conhece o conceito de parceiro experiente, aquele par que se encontra em um estágio mais avançado da carreira e que ajuda os outros através da sua experiência. O amigo crítico é uma variação do experiente. “O [parceiro] crítico é aquele que mesmo não tendo uma solução, se dispõe a pensar junto. É aquela pessoa na qual você pode confiar quando precisa de uma ideia ou quer discutir algo”, explica Rosaura. Vale lembrar que mesmo os palpites devem ser fundamentados por casos estudados ou pesquisas.

  7. Não se feche dentro do próprio grupo. Embora o grupo de estudos seja uma iniciativa independente, não significa que precisa estar isolado do que está sendo produzido em outras instâncias ou de pessoas externas ao núcleo. “Já trouxemos pesquisadores para conversar conosco”, conta Renata. A visita não teve qualquer custo. O convite foi feito a uma pesquisadora que passava por São Paulo para outro evento e se propôs a conversar com a equipe. “Estamos trazendo a pesquisa para o chão da escola e fazendo a ponte com a prática, que todo mundo fala”, diz.

  8. Mantenha-se aberto a novas ideias. A proposta de um grupo de estudos é desenvolver profissionalmente seus integrantes e agregar novas experiências e ideias. Para isso, é preciso estar aberto para acolher visões diferentes da sua, mesmo que não vá aplicá-las na escola. Não é só a prática cotidiana que pode ser atualizada e se transformar com o decorrer das discussões. O formato e ações do grupo também podem mudar, de acordo com os aprendizados dos membros. “Com o tempo, podemos fazer ações diferentes das de hoje. Talvez algum evento que possa incluir mais pessoas na discussão”, comenta Edilson.


Apesar de acreditar no potencial do aprendizado entre pares, Rosaura Soligo,
do Instituto Abaporu de Educação e Cultura, ressalta que a prática não invalida o papel que as secretarias têm na formação continuada de professores, coordenadores, orientadores e diretores. “Iniciativas desse tipo são muito importantes, mas é importante saber que deveria haver uma responsabilidade da secretaria em favorecer espaços dessa natureza”, diz a formadora.

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