Como instaurar um bom clima escolar em regiões vulneráveis
Experiências de três instituições públicas de ensino mostram que o diálogo é um caminho eficaz nessa empreitada
POR: Anna Rachel FerreiraVisualize o cenário: uma escola ao lado de um presídio, em uma região de baixo poder aquisitivo em que pelo menos 40% dos alunos são atendidos por programas sociais promovidos pelo governo, alunos com histórico de violência vindos de medidas sócio-educativas, o prédio é tão apertado que os estudantes não possuem pátio escolar para conviverem durante o momento do intervalo. Como você imagina o clima de uma escola assim? Provavelmente, não dos melhores. Mas, você pode se surpreender. GESTÃO ESCOLAR conversou com alunos e professores de três instituições de ensino com situações bem parecidas com a descrita acima e descobriu como, por meio do diálogo, elas se tornaram referência e orgulho para a comunidade escolar.
Conversando sobre tudo
Em Campinas, no interior paulista, a EMEF Dr. João Alves dos Santos, têm se dedicado a dar voz aos estudantes e incentivá-los a serem promotores de uma cultura de paz dentro e fora da escola. A unidade de período integral, que atende estudantes de todo o Ensino Fundamental em uma região periférica da cidade, possui 40% dos alunos do Ensino Fundamental 1 e 28% dos estudantes do Ensino Fundamental 2 atendidos por programas sociais do governo. Há 3 anos foram implementadas as equipes de ajuda na esola. Formadas por dois representantes de cada turma, elas são pessoas de confiança dos próprios alunos. “Os estudantes escolhem pelos critérios de confiabilidade e confidencialidade. Nós entendemos que há lugares e situações em que não estamos presentes e que os jovens não se sentirão confortáveis em conversar conosco. É nesse momento que entram as equipes”, explica o coordenador pedagógico José Luiz Pastre.
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A ideia dessas equipes é fazer com que alunos que se isolam encontrem uma turma. Outro propósito é evitar e intervir em situações de bullying. A professora Telma Vinha, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que nessas situações a intervenção entre pares é muito mais eficiente do que a de um adulto. Após a eleição, os alunos tiveram a formação durante um sábado inteiro na unidade escolar. Nesse dia eles conversaram sobre a importância de ser confiável, como reconhecer comportamentos que indiquem que o aluno está passando por algum problema, os procedimentos que poderiam ser adotados em determinadas situações, como abordar o colega e em quais situações é necessário procurar a ajuda de um adulto entre outras questões. A formação prosseguiu de maneira continuada com encontros periódicos da turma para discutir o andamento das coisas, tirar dúvidas e se ajudar mutuamente.
Claro que essa é uma ação isolada que não responde sozinha pelo clima positivo que a escola apresenta. Entre as iniciativas está a criação de um plano de convivência em que toda a equipe se reuniu para diagnosticar pontos sensíveis e criou estratégias para solucioná-los. A escola ainda buscou parcerias com organizações não governamentais e governamentais a fim de compreender melhor quem é a comunidade com a qual está lidando e ainda trouxe a professora Thaís Cristina Leite Bozza, da Faculdade de Educação da Unicamp, para desenvolver sua pesquisa de doutorado sobre violências virtuais com os alunos de 9º ano da escola. “A escola João Alves se mostrou um terreno fértil para o desenvolvimento desse trabalho, pois já atuava promovendo debates durante a disciplina de Convivência Ética e assembleias. Ou seja, era um local onde eu sabia que seria possível desenvolver um diálogo produtivo sobre violência online”, explica a doutoranda.
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Desde o segundo semestre de 2018, Thaís acompanha a turma promovendo discussões semanais sobre assuntos que envolvem seu tema de pesquisa. Padrão de beleza exposto nas redes sociais, a necessidade de like, a privacidade, o cyberbullying, as fake news são alguns dos tópicos em pauta. Em geral, a professora traz um caso real a ser discutido por toda a turma coletivamente. Na sequência, em grupos, os adolescentes analisam um caso mais assemelhado ao cotidiano deles. Depois eles ainda pesquisam nas redes sociais deles situações que já viram acontecer pensando nesses riscos e agressões a serem discutidas no encontro seguinte. Para encerrar, a professora faz uma abordagem teórica sobre o assunto tratado e a turma pensa em estratégias que pode colocar em prática para evitar tais situações.
Comunidade Ativa
Na EMEF/EJA Maria Pavanatti Favaro, também em Campinas, o espaço físico é restrito. Não há pátio escolar, por exemplo. Mas, isso não é motivo para uma comunidade menos afetiva e engajada. Muito pelo contrário, ali todos são ouvidos e participam do dia a dia das atividades e decisões. “Além de iniciarmos parceria com a Unicamp para estudarmos o clima escolar e desenvolvermos outras propostas, nós visamos utilizar as ferramentas disponibilizadas pelos próprios governos federal e municipal em favor da construção de uma comunidade democrática”, comenta o orientador pedagógico Robson Alexandre de Morais.
Há oito anos, a unidade passou a oferecer atividades de contra turno por meio do programa Mais Educação. Algumas das atividades realizadas chegaram a ser premiadas como a Fanfarra e o grupo de hip hop dos estudantes. Essas ações foram o primeiro passo para que a escola fosse vista como um polo cultural importante para a população do entorno. Nesse período, a Comissão Própria de Avaliação (CPA), criada pela Secretaria de Educação do Município de Campinas foi se fortificando na unidade. “Nós nos reunimos semanalmente com os representantes de todas as turmas, professores, pais e funcionários para avaliar o andamento da escola, fazer revisões e propor melhorias”, explica Robson.
Essas ferramentas funcionam baseadas em uma proposta pedagógica focada na relação amistosa entre alunos e funcionários e a gestão democrática aplicada a todos os níveis. Todas as turmas se reúnem três vezes por mês para rodas de conversa sobre temas de sua escolha que envolva convivência e uma vez por mês realiza assembleias, por exemplo. Quando as decisões tomadas nas assembleias de turma envolvem o contexto escolar mais amplo, elas vão para a assembleia geral. Recentemente, os alunos votaram pela ampliação do horário de intervalo e criaram um projeto de intervalo participativo. Por sugestão dos professores, a proposta foi inscrita no Prêmio Atitude Educação Feac e com o valor da premiação estão sendo comprados jogos, revistas, entre outros materiais para levar o projeto adiante. Uma das atividades propostas ficou tão famosa que alguns estudantes do 1º ao 5º ano têm comparecido no horário de contra turno para participar dela. “O xadrez se popularizou de uma maneira que eu não imaginava e eu fico emocionado de ver os alunos mais velhos ensinando os mais novos a jogar”, afirma o professor de Matemática Edson Dias dos Santos.
Apesar de ter havido um grande corte no repasse de verbas do Mais Educação, a escola tem sempre se reinventado no intuito de envolver a comunidade. Atualmente, há uma competição anual em que uma das provas é a arrecadação de alimentos. “Cada grupo de estudantes recebe dez cópias do memorando da escola com todas as informações sobre a competição e a pontuação dos alimentos. No horário de contra turno eles batem na porta das casas do bairro pedindo que as pessoas contribuam com eles”, conta Edson. Ao final, são montadas cestas básicas a serem entregues para famílias com menor condição financeira e que, em muitos casos, são de alunos da própria escola. Edson conta que a experiência sempre o comove. “No ano passado, o menino disse a mãe que finalmente o papai Noel tinha chegado a casa deles e eles poderiam fazer uma ceia de Natal. Sempre que me lembro dessa cena, me emociono”, conta.
Aprendizagem Cooperativa
O Espaço Cooperativo de Aprendizagem Horizonte, em Poços de Caldas, Minas Gerais, nasceu da necessidade de atender estudantes acima de 15 anos com defasagem de três anos ou mais e ainda aqueles que estão cumprindo medida sócio-educativa. Atualmente a unidade atende 60 estudantes que são agrupados em três turmas independente do ano letivo. “Durante as avaliações diagnósticas percebemos que as dificuldades eram as mesmas, independente do ano em que estavam. Além disso, agrupados dessa maneira, eles não ficam se comparando porque todos são iguais”, comenta a coordenadora Flávia Camargo.
O formato da unidade é inspirado em pesquisa da professora Díaz Aguado, da Universidade de Barcelona, na Espanha, trazida pela secretária de Educação da cidade, Flávia Vivaldi. “Fizemos um grupo de estudos com os professores que atuam na escola por cerca de quatro meses para podermos aplicar a metodologia de aprendizagem cooperativa com nossas turmas”, explica a secretária. As turmas estudam os conteúdos necessários a partir de temas de interesse deles mesmos. Do mesmo modo que decidem o que estudarão, também são eles que discutem e escolhem as regras de convivência da escola e foram eles que optaram por mudar o nome da escola no ano passado, por conta do trabalho diferenciado que é desenvolvido ali.
Além da autonomia e participação oferecida aos estudantes, a unidade conta com o apoio de alunos de Psicologia que realizam uma terapia em grupo semanalmente com os adolescentes. “Percebemos que um dos fatores mais importantes era resgatar a autoconfiança desses jovens que já não acreditavam em si, no seu potencial e tinham vergonha de seu nível de aprendizagem”, comenta a coordenadora. Pensando de maneira integral nos estudantes que recebem, a coordenação da escola entendeu que era necessário agir em várias frentes.
O resultado tem se mostrado em alunos que saíram do projeto para ingressar no Ensino Médio, um ganho de autoestima e, principalmente, a crença na escola renovada. Em uma das atividades realizadas com os alunos, eles produzem uma linha do tempo de suas vidas. Um dos adolescentes indicou a volta para a escola como um marco na vida dele. No final do ano, os jovens escrevem uma avaliação de como foi a experiência na escola e é comum que eles usem expressões do tipo “foi a melhor escola em que já estudei”, como escreveu o aluno Gabriel Lucas Pelegrino da Silva, ou que “é uma escola diferente em que a gente tem mais liberdade”, como afirmou o estudante Lucas Henrique Fernando Alves.
Nenhuma ação produz um bom clima escolar sozinha. Por esse motivo é que a professora Telma Vinha recomenda o Plano de Convivência. “A única maneira de fazer ações assertivas é realizando um bom diagnóstico e desenvolvendo uma série de estratégias que, em conjunto, curtirão o efeito necessário. É preciso planejar a abordagem a ser realizada e não ficar somente em atividades e projetos isolados”, explica. Desse modo, não há escola impossível de se promover uma boa convivência entre pares e entre equipe e alunos. O que há é um trabalho longo a ser percorrido, mas que já se mostrou bastante frutífero.
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