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Gestão democrática da escola: como inserir esta ideia entre os alunos

Escolas de educação básica que trabalham com este conceito observam melhorias na disciplina e colaboração

POR:
Cláudio Neto
Foto: Getty Images

Se há uma palavra que nós podemos citar como a grande referência das instituições contemporâneas é a palavra democracia. Ela tem adquirido importância crescente no meio educacional e também nos campos político e social. Tanto as instituições quanto as pessoas afirmam ter vocação para o diálogo e insistem em dizer que o poder que exercem não é centralizado ou personalista, o que nos leva a crer que a ideia de democracia é o consenso do nosso tempo.  

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Na esfera escolar a democracia tem se tornado algo muito além de um princípio de gestão. Ela tem se constituído em um jargão que sugere legitimidade às instituições de ensino, especialmente àquelas da Educação Básica. Nesse sentido, nós, gestores e profissionais da educação em geral, devemos ter uma prática condizente com o valor da democracia que presumimos ter. Esse alerta é importante porque a falta de sintonia entre o que dizemos e o que fazemos pode ser involuntária, sobretudo, para quem atua na educação básica e atende crianças e adolescentes que, na maior parte das vezes, não têm familiaridade com as formas de organização política do contexto estudantil. Nesse caso, para além da difusão dos ideais democráticos é necessário se aproximar dos alunos e construir junto.

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Mas essa aproximação é delicada, uma vez que a linha que separa a intenção de auxiliar da vontade de controlar os alunos é tênue. O risco de professores e gestores se tornarem obstáculos na autonomia dos estudantes não é apenas hipotético, é iminente. Tomado esse cuidado, a construção coletiva envolvendo professores e alunos pode ser promissora. Escolas de ensino fundamental que têm apoiado os alunos na criação e organização dos grêmios estudantis apresentam resultados significativos. Nesse caso, o papel da gestão escolar é fundamental, pois cabe a ela viabilizar as condições e os recursos necessários para que isso ocorra.      

Caminho

Muitas escolas no Brasil inteiro já estão vivendo experiências pedagógicas fundadas em princípios democráticos que primam pela autonomia dos estudantes. Nessa perspectiva, a noção de gestão democrática transcende o papel do diretor ou da diretora. Essa gestão é exercida nos mais diversos âmbitos da escola e nos mais variados segmentos, seja nas relações interpares, na sala de aula, entre o coordenador pedagógico e o grupo de professores, entre a família e a escola etc. Essa ideia atravessa sujeitos e espaços, práticas e pensamentos. Como resultado mais imediato as escolas vivem a cultura da paz, visto que a indisciplina está entre os aspectos que mais sofre alteração. Nessas escolas a indisciplina diminui drasticamente e não é especulação, é um fato comprovado na experiência profissional de muitos colegas com os quais tenho conversado.  

Exercendo a experiência

Não basta anunciar a vocação democrática da escola para que as pessoas passem a se comportar de acordo com os princípios democráticos. A democracia é acima de tudo um exercício e como tal ela deve ser aprendida e vivenciada cotidianamente. Nesse caso, o como fazer se torna o nosso maior desafio e começar dando o exemplo é sempre o melhor caminho.

No âmbito da escola

O caminho mais seguro e promissor que tem sido adotado pelas escolas progressistas é iniciar a gestão democrática pela repactuação das regras. Elas rediscutem o regimento interno e revisam os regulamentos coletivamente. As regras e diretrizes passam a ser estabelecidas a partir do diálogo entre os estudantes, os profissionais e as famílias, com vistas a assegurar o direito à educação. Não é mais aceitável uma disciplina baseada em regras estipuladas pela direção ou pelos professores, unilateralmente. Quando isso ocorre, geralmente tenta-se regular o comportamento individual dos estudantes e não as relações no espaço escolar. Um exemplo disso é a proibição do uso de boné em sala de aula. A quem isso incomoda e por que incomoda? Esta proibição é frágil, inconsistente e ilegítima e não é à toa que boa parte dos alunos se rebelam contra ela, porque eles não veem problema em usar o boné em sala de aula e na escola. Mas quando as regras são discutidas e votadas coletivamente os alunos tendem a respeitá-las mais porque, geralmente, essas regras são justas e têm legitimidade.

Na sala de aula

As assembleias têm sido o instrumento mais eficaz na formulação dos combinados de convivência e na mediação de conflitos em sala de aula. Quando há algo importante a decidir ou quando há um conflito entre os alunos, uma assembleia é convocada para discutir a questão. Esse processo é fundamental porque é nessas rodas de conversa, pensando sobre as suas ações ou sobre a ações dos colegas, que os alunos vão construindo a noção de respeito e de valores públicos. Esse processo é fundado na responsabilidade e não no medo de sofrer uma punição pelo erro cometido. Outro resultado igualmente importante e pouco lembrado é que as assembleias possibilitam o desenvolvimento de habilidades como a argumentação, o respeito pelo ponto de vista divergente, a capacidade de análise e de generalização entre outras.

Nos projetos da escola

A participação dos alunos nos projetos da escola favorece tanto o desenvolvimento de todos os aspectos apontados anteriormente como também possibilita o desenvolvimento de espírito colaborativo. Isso se dá, pelo menos, de duas maneiras: primeiro pela oportunidade de realizar projetos de interesse dos alunos, voltados para temas específicos e ao lado de colegas que têm aspirações e objetivos comuns. Segundo, porque esses projetos podem ser elaborados para tratar de temas latentes na escola como a imigração, as questões étnico-raciais e de gênero, a educação inclusiva, revitalização e melhoria do território no qual a escola está localizada etc. Encontrar soluções para os problemas locais tem sido uma boa alternativa para a realização de projetos que motivam os alunos.

Assembleia de alunos/ Foto: Cláudio Marques da Silva Neto

Nos conselhos participativos

Ter consciência do processo de aprendizagem é um direito dos alunos e de seus familiares. Por isso, os conselhos participativos são importantes. Deles fazem parte alunos, pais, professores, coordenadores e gestores, que ao final de cada bimestre se reúnem para discutir o percurso de aprendizagem de cada estudante. Esse é o momento de conversa franca e construtiva que tem um único objetivo: discutir a melhor maneira de fazer com que os alunos aprendam. Nos conselhos participativos se exercita a autocrítica, a argumentação, a reflexão e outras capacidades necessárias à vida democrática.

No pátio e nas demais áreas livres

É justamente nesses espaços de maior socialização que os alunos aprendem a exercer os princípios democráticos incorporados nas outras experiências. Valores como respeito, empatia, solidariedade e colaboração favorecem a integração entre os estudantes, que passam a saber mais a respeito dos seus colegas e também sobre a própria comunidade. A reciprocidade passa a ser um dos valores sociais mais importantes no contexto escolar, uma vez que os alunos se reconhecem e agem cooperativamente.

É para qualquer escola?

Incutir o conceito de democracia nos alunos não é uma tarefa fácil, mas isso já tem avançado em algumas escolas brasileiras, especialmente naquelas que optaram pelo caminho do diálogo e da participação dos estudantes e das famílias nas decisões. O meio mais usado para atingir esse objetivo tem sido a aposta na autonomia dos estudantes. A escola do controle dos alunos não faz mais sentido, principalmente porque a nossa juventude não se presta mais a isso. As pesquisas sobre indisciplina têm indicado que a lógica do disciplinamento não faz com que os alunos se tornem mais disciplinados. Se na democracia os problemas da sociedade são de responsabilidade de todos isso não pode ser diferente na escola, porque nela também as decisões afetam a todos, principalmente aos alunos e às suas famílias. Logo, a nossa resposta a essa última pergunta é sim. Qualquer escola que optar pela escuta atenta de todos os segmentos, principalmente dos estudantes e das suas famílias, pode alcançar bons resultados, mas isso exige tempo, dedicação e crença na capacidade dos alunos.

Claudio Marques da Silva Neto é diretor da EMEF Infante Dom Henrique, em São Paulo. Tem experiência em direitos humanos, formação docente, cultura escolar, indisciplina, violência e gênero. É mestre e doutorando em Educação pela Universidade de São Paulo (USP).

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