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Precisamos voltar nosso olhar para os meninos na escola

Os meninos apresentam uma média de 83% a mais de chance de serem reprovados quando comparados com as meninas

POR:
Cláudio Neto
Crédito: Valter Campanato/Agência Brasil

Um dos maiores desafios para a gestão escolar, especialmente quando se trata de escola pública, é assegurar o acesso, a permanência e o sucesso escolar dos estudantes. Historicamente, o terceiro aspecto dessa tríade tem sido o nosso maior desafio, uma vez que o acesso à Educação Básica no Brasil já atingiu o patamar aceitável de 95% de atendimento à demanda e a permanência dos alunos na escola depende, em grande medida, dos resultados obtidos nesse percurso.

O desempenho insatisfatório dos estudantes brasileiros é motivo de angústia para os educadores, os gestores de políticas públicas, as universidades e a sociedade em geral. Considerando dois indicadores importantes como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) temos a dimensão do problema que a sociedade brasileira enfrenta no processo de formação das crianças e jovens. Anunciar que é um problema da sociedade não significa isentar de responsabilidade as escolas e a política educacional. Queremos dizer, apenas, que o problema afeta todo o sistema educacional e tende a se agravar ao longo da Educação Básica, atingindo níveis críticos no Ensino Médio.

A dimensão do problema                     

Em relação aos anos iniciais do Ensino Fundamental (4º e 5º ano), o Ideb no ano de 2017 atingiu a meta projetada. Nesse nível de ensino, tanto as escolas públicas quanto as privadas têm um desempenho satisfatório –embora as instituições particulares não tenham atingido a meta projetada desde 2011.

Tabela 1 – IDEB 4º/5º ano do Ensino Fundamental
Fonte: http://ideb.inep.gov.br/resultado/

Neste nível de ensino, as notas das esferas Estadual (6.0) e Municipal (5.6) estão acima das metas projetadas (5.6 e 5.1, respectivamente), situação semelhante ao desempenho das escolas públicas (5.5) e privadas (7.1) –sendo que as escolas públicas alcançaram a meta (5.2) e as particulares chegaram muito perto (7.2).  Como se vê, as escolas privadas têm uma nota mais acentuada, apesar de não terem atingido a meta, enquanto as escolas públicas têm nota menor e superaram a meta, ainda que timidamente.

Tabela 2 – IDEB 8º/9º ano do Ensino Fundamental
Fonte: http://ideb.inep.gov.br/resultado/

À medida que as crianças avançam no processo de escolarização, os resultados vão decaindo. Na segunda etapa do Ensino Fundamental, as notas das esferas Estadual (4.5) e Municipal (4.3) começam a ficar abaixo das metas projetadas (4.8 e 4.6, respectivamente). As escolas públicas (4.7) e privadas (6.4) também ficam abaixo das metas (4.7 e 7.0 respectivamente). Apesar de não atingirem a meta, as escolas privadas mantêm o desempenho superior.

Tabela 3 – IDEB Ensino Médio
Fonte: http://ideb.inep.gov.br/resultado/

Quando os estudantes chegam ao Ensino Médio, os resultados são ainda mais preocupantes. Na esfera Estadual, a nota (3.5) fica mais distante da meta (4.4). As escolas públicas (3.5) e privadas (5.8) têm resultados piores em relação às duas etapas anteriores e ficam mais distantes das metas projetadas (4.4 e 6.7 respectivamente).

Quando olhamos para avaliações internacionais, a situação não é diferente. No universo de 70 países que fizeram a prova do Pisa em 2015, o Brasil obteve as seguintes colocações: 63° lugar em Ciências, 59° em leitura e 66° em Matemática. A avaliação coordenada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) foi aplicada em 23.141 estudantes de 841 escolas, o que representa uma amostra de 73% dos estudantes com 15 anos de idade. De 2012 para 2015, a pontuação do Brasil caiu em leitura e em matemática. Como esse texto não pretende cumprir a função de arauto do caos, cabe destacar que estes resultados não refletem a realidade de todas as escolas e nem de todos os alunos. Evidentemente, há escolas públicas e privadas que têm resultados muito superiores, assim como há escolas com resultados ainda mais desanimadores.

De partida, reconheço a dimensão política da situação que nos encontramos. A combinação da falta de investimento adequado na Educação pública com a brutal desigualdade social brasileira está na origem dos nossos problemas. A despeito disso, a resignação não é o caminho, porque cabe à gestão escolar observar as desigualdades intraescolares.   

E os meninos com isso?

Ao olhar para esse cenário desalentador da Educação brasileira, o gestor escolar deve fazer uma análise mais profunda para interpretar adequadamente a realidade da sua escola. As avaliações em larga escala são importantes e necessárias para entender uma realidade mais ampla, mas para as situações específicas de cada escola é preciso afinar ainda mais o foco para perceber as causas do problema, ou seja, para saber por que o desempenho escolar dos estudantes piora na proporção inversa do aumento da escolarização. Para isso, é fundamental olhar para dentro da própria escola e é justamente aí que os meninos passam a ser uma questão. Com isso, não queremos dizer que as meninas devam ser esquecidas. Embora elas tenham mais sucesso na escola há também aquelas que estão na mesma situação de desvantagem, ainda que seja em menor proporção.

Se dados amplos falam de realidades diversas significa que eles não se aplicam à totalidade das escolas e nem dos estudantes. Nesse sentido, é importante que o gestor escolar faça a si próprio e à sua equipe a seguinte pergunta: quem são os estudantes que estão indo mal na nossa escola? Os alunos que aparecem em situação de fracasso no Ideb e no Pisa só podem ser identificados nas escolas. São as avaliações internas que afinam o diagnóstico e têm dupla finalidade: identificar os estudantes com dificuldades de aprendizagem e revelar quais são essas dificuldades.

O gestor poderá constatar que geralmente as desigualdades sociais se convertem em desvantagens escolares, de modo que o fraco desempenho escolar dos estudantes pode ter a ver com isso, especialmente quando se trata da origem social, da cor/raça e do gênero dos estudantes. São esses marcadores sociais que mais saltam aos olhos quando se analisa as desigualdades intraescolares. Diante desse contexto, o olhar sobre os meninos é fundamental, conforme revela a pesquisa de André Augusto Couto, realizada na Rede Estadual de Minas Gerais e publicada em 2017. Esta pesquisa indica que os meninos apresentam uma média de 83% a mais de chance de serem reprovados quando comparados com as meninas.

O que fazer na escola?

Certamente, é na escola que os dados sobre a aprendizagem e sobre as dificuldades de aprendizagem podem ser refinados. Se, por um lado, as avaliações em larga escola como o Ideb e o Pisa nos ajudam a entender a realidade da Educação no Brasil e no mundo, por outro, é na escola que as informações decorrentes dessas avaliações podem ser qualificadas, a ponto de atingir as singularidades dos estudantes. Ao analisar os dados das avaliações e voltando à nossa pergunta – sobre quem são os estudantes que estão indo mal na nossa escola? –, chegaremos aos sujeitos com características bem peculiares, restando à escola identificar cada um deles. A partir disso, o olhar da instituição escolar terá, inevitavelmente, que se voltar para os meninos – não todo ou qualquer menino. Os meninos que enfrentam dificuldades na escola são aqueles que têm marcas específicas, para os quais a vida não é exatamente “a pureza da resposta das crianças” cantada pelo nosso querido Gonzaguinha. 

SAIBA MAIS .  Reprovação: Efeitos do contexto escolar na trajetória dos alunos do Fundamental

 

Claudio Marques da Silva Neto é diretor da EMEF Infante Dom Henrique, em São Paulo. Tem experiência em direitos humanos, formação docente, cultura escolar, indisciplina, violência e gênero. É mestre e doutorando em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro Indisciplina e Violência Escolar: dilemas e possibilidades.