7 estratégias para vencer as barreiras de comunicação com as famílias imigrantes
A falta de comunicação pode ser um problema quando um estrangeiro chega na escola. Saiba como vencer as barreiras da língua e garantir uma comunicação eficiente com as famílias
POR: Lúcia Cristina CortezA partir de 2013, a Escola Municipal Professor Waldir Garcia, em Manaus (AM), começou a receber um grande número de alunos imigrantes. Grande parte deles, vindos do Haiti, após o país ser parcialmente destruído por um terremoto, em 2010. Em 2017, chegaram os venezuelanos, que vivem uma crise social, política e econômica em seu país de origem. A situação na Venezuela, os leva a fugir do seu país de origem em busca de uma vida melhor. Tais famílias são, portanto, consideradas refugiadas. Hoje, dos 206 alunos matriculados em nossa escola, 35 são alunos estrangeiros – eles representam cerca de 17% da nossa comunidade estudantil.
Com a chegada desses estudantes, há a barreira inicial da língua. As crianças, pela sua facilidade de aprendizagem e pela convivência diária com o idioma nas dinâmicas da escola, superam as barreiras da comunicação nos primeiros meses – ou até semanas. Os pais e responsáveis, entretanto, nem sempre encontram a mesma facilidade. Apesar disso, eles são essenciais para apoiar a aprendizagem das crianças, além de necessitarem trocar informações sobre o desenvolvimento, comportamentos e situações dos estudantes em relação à escola. Como vencer as barreiras da comunicação com famílias não possuem compreensão do nosso português e que falam línguas tão diferentes da nossa?
Como eles chegaram até nossa escola
Nossa escola está localizada próxima da Paróquia de São Geraldo. Eles possuem a Pastoral dos Imigrantes, que trabalha acolhendo e abrigando os haitianos e Venezuelanos que chegam Manaus. Pela proximidade, houve uma grande procura dos estrangeiros pela escola.
O Padre Valdeci Mayer Molinari, pároco desta igreja, construiu uma casa de apoio para as crianças de 0 a 3 anos, filhas de imigrantes. Ele nos procura para firmarmos uma parceria e matricularmos as crianças na idade escolar. Como só atendemos o Fundamental I, encaminhamos as crianças menores para o Centro Municipal de Educação Infantil Maria de Mathias, localizada na frente da nossa escola. O Centro só atende no turno matutino. Por isso, à tarde abrimos nossa escola para que os pequenos de famílias imigrantes possam também participar das oficinas da Waldir Garcia no contraturno.
A barreira das línguas variadas
Foi assim que começamos a trabalhar com um grande contingente de alunos estrangeiros. Em geral, eles falam quatro línguas: crioulo, francês, espanhol e inglês. Foi um início muito difícil, desesperador para os professores. Falarmos idiomas diferentes foi uma barreira a ser vencida, mas não impeditiva para que acolhêssemos estas crianças e iniciássemos o processo ensino e aprendizagem.
Para estabelecer uma comunicação, fomos buscar estratégias com discentes, educadores e familiares estrangeiros. Abaixo, compartilho seis estratégias e garantiram uma melhor comunicação e acolhida dos estudantes refugiados e suas famílias:
1) Primeiro, tivemos que conhecer a cultura do aluno estrangeiro e a situação do seu país de origem – como uma crise, um desastre ambiental ou ainda uma guerra civil. Essa ação partiu do princípio que a diversidade cultural tem que ser valorizada, respeitada e que temos muito a aprender com as diferenças. Essa aproximação de outras culturas se deu não apenas entre os adultos, mas também as crianças. Foi essencial trabalhar essa diversidade com os alunos pois o bullying é uma prática comum entre as crianças na escola e com a chegada dos estrangeiros, ficou mais evidenciada. Assim, passamos a discutir o conceito de empatia e a estimularmos para que a vivenciassem na prática com os colegas.
2) Entre as ações trabalhadas na escola para conhecermos e valorizarmos a cultura dos novos estudantes, realizamos oficinas de filosofia, teatro, coral e dança. A partir destas práticas, começamos a estimulá-los a trocarem experiências culturais e aprenderem com as diferenças. Há dois anos nosso musical de Natal traz a temática da diversidade a partir de apresentações que demonstram como essa data acontece nas diferentes nações.
“O teatro e a ludicidade se entrelaçam e se completam de forma intensa, possibilitando a motivação subjetiva do indivíduo, concebendo significativa experiência emocional e intelectual, que pode e deve focalizar a diversidade de gênero, de classes, raças e grupos sociais, envolvidos no processo de educação” (Costa, 2004)
3) Devido à grande chegada de alunos que têm o espanhol como primeira língua, buscamos parcerias para inserirmos o idioma em nosso currículo escolar. Entre elas, destaco duas:
Trouxemos o projeto piloto “Manaus Internacional Integrando Culturas por meio da Língua Espanhola”. O projeto consiste no envio de alunos universitários do curso de Letras-Espanhol para ministrarem aulas de Língua Espanhola nas escolas aos alunos. É uma realização da Prefeitura de Manaus, em parceria com a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), a Associação de Professores de Espanhol do Estado do Amazonas (APE-AM) e o Consulado Geral da República da Colômbia.
Outra parceria é o Programa Ampliando Horizontes, que é focado nos docentes. Se trata de um curso livre de Língua Inglesa e Espanhola, da Divisão Profissional do Magistério na Secretaria Municipal de Educação (DDPM-SEMED), destinado a servidores. No momento, a coordenação deste programa está fazendo um levantamento de demandas para avaliar a possibilidade de desenvolvê-lo in loco nas escolas, visando atender aos educadores que desejam estudar inglês ou espanhol, no contraturno. Na Waldir Garcia, quase todos os funcionários participaram da pesquisa e disseram que querem estudar espanhol. Hoje há um grande desejo de aprendermos esta língua para avançarmos no atendimento aos alunos estrangeiros.
4) Planejamos realizar um curso de Língua Portuguesa na escola para os pais estrangeiros. No entanto, como a igreja de São Geraldo trabalha oficinas para ensinar o idioma, desde que os imigrantes chegam à paróquia, decidimos unir esforços e orientar as famílias sobre a realização do curso. Estes cursos são oferecidos até hoje em nossa comunidade. No entanto, caso a escola não possua um parceiro que possa apoiá-los nessa tarefa, é possível considerar a realização de um curso básico do nosso idioma.
5) Incentivamos o protagonismo das crianças. Elas passaram a ser nossos tradutores junto aos colegas e aos pais no dia a dia escolar. Tornaram-se grandes colaboradores para estabelecermos uma boa comunicação entre os envolvidos no processo ensino e aprendizagem. Estas atividades de colaboração, os ajudam a criar laços fortes afetivos e a trabalhar em equipe, um apoiando o outro para juntos enfrentarem as dificuldades.
6) Recebemos e executamos o projeto “Temperos do Saber”, autoria do nosso querido professor da UFAM e tutor voluntário, Marcelo Rodrigues. Um dos objetivos específicos da ação é gerar maior envolvimento das famílias com a escola. Por meio da culinária, a proposta é aproximar a escola dos pais e responsáveis. Já tivemos aulas práticas ministradas pelos pais de receitas típicas dos seus países, como, por exemplo, a sopa da Liberdade, do Haiti, e as arepas, da Venezuela. São momentos de grande aprendizagem destas respectivas culturas e de significativas interações entre a comunidade.
7) Para que os alunos se sintam acolhidos desde a sua chegada na escola, também colocamos sinalizações em outras línguas. Assim, eles têm um pouco mais de autonomia para se localizar no espaço escolar.
Para aprender também com os erros
Nos dois primeiros anos que iniciamos a trabalhar com estrangeiros cometemos alguns equívocos, como sermos autoritários, conteudistas, individualista, impessoais e com padrões rígidos de avaliação e disciplina.
A partir de 2016, mudamos a proposta pedagógica da escola e reescrevemos nosso projeto político-pedagógico para contemplarmos esta missão, reconhecendo a nova clientela escolar, dados sobre a aprendizagem, relações familiares, recursos, diretrizes pedagógicas e um plano de ação inclusivo. Redefinimos nosso currículo. Assim, passamos a promover uma gestão democrática e a Educação integral. Nessa perspectiva, nossa escola valoriza as múltiplas dimensões do desenvolvimento humano, como também a promoção de diversidade de práticas, agentes, espaços e saberes.
Foi através da implementação destas práticas inovadoras e transformadoras que vivenciamos a inclusão social e cultural, a escuta e o acolhimento das diferenças no espaço escolar numa perspectiva de diálogo intercultural. Somos facilitadores entre os estudantes, respeitando suas individualidades, diferenças e identidades. Cumprimos nosso papel social, que é formar para autonomia e cidadania. Todos juntos aprendemos com as diferenças. Em nossa escola, seguimos a filosofia:
“Somos todos diferentes e iguais.
Cada um tem o seu jeito.
Sua família, sua origem, crenças e histórias.
De tantos lugares e maneiras, linguagens e brincadeiras.
Uns são altos, outros baixos,
Mas no respeito às diferenças, somos um só.”
(Editora Saraiva)
Um abraço,
Lúcia
Lúcia Cristina Cortez é professora de Língua Portuguesa e especialista em gestão escolar, com 34 anos de experiência; diretora da Escola Municipal Professor Waldir Garcia, em Manaus, AM, desde 1995
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