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Qual é a diferença entre as competências gerais da BNCC e as socioemocionais?

Elas têm se tornado cada vez mais sinônimos, mas não é bem assim conceitualmente

POR:
Camila Cecílio
Crédito: Getty Images

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é a política pública que define os direitos de aprendizagens de todos os alunos do Brasil da Educação Infantil ao Ensino Médio. Para nortear o trabalho das escolas e dos professores em cada uma das etapas de ensino, a BNCC traz como pilares 10 competências gerais que vão além dos saberes cognitivos (aqueles conhecimentos pautados pelos componentes curriculares como Língua Portuguesa e Matemática). As competências gerais apontam para a necessidade do desenvolvimento integral do estudante.

Aprovada em 2018, a BNCC está em fase de implementação em salas de aula de todo o país. Escolas das redes públicas e particulares devem tê-la como referencial em seus currículos até o início do ano letivo de 2020. No entanto, durante esse processo, competências gerais e socioemocionais têm se tornado cada vez mais sinônimos – o que não é bem assim.

Ok, mas o que são as competências gerais?
Segundo a definição que consta na BNCC, competências são “mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atividades e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho”. Na prática, isso quer dizer que os alunos devem utilizar os saberes para dar conta do seu dia a dia, sempre respeitando princípios universais, como a ética, os direitos humanos e a justiça social e sustentabilidade ambiental.

E as socioemocionais?
As competências socioemocionais começaram a ser investigadas depois dos anos 1930, quando pesquisadores se debruçaram sobre quais seriam as palavras usadas para descrever os traços da personalidade humana, conforme explicado aqui. Somente a partir dos anos 1980 foi possível chegar aos cinco eixos que definem as competências socioemocionais: abertura ao novo (curiosidade para aprender, imaginação criativa e interesse artístico), consciência ou autogestão (determinação, organização, foco, persistência e responsabilidade), extroversão ou engajamento com os outros (iniciativa social, assertividade e entusiasmo), amabilidade (empatia, respeito e confiança) e estabilidade ou resiliência emocional (autoconfiança, tolerância ao estresse e à frustração).

LEIA MAIS BNCC e suas competências: Qual aluno queremos formar?

Cada um desses eixos traz qualidades (ou de traços de caráter) que podem se entrelaçar com competências cognitivas, criando capacidades híbridas, como, por exemplo, a criatividade e o pensamento crítico.


Mas, afinal, há diferença?
Anna Penido, diretora do Instituto Inspirare, foi uma das leitoras críticas da BNCC a convite do Ministério da Educação (MEC). Ela defende que as socioemocionais são recortes das competências gerais e que, portanto, não podem ser tratadas como sinônimos. O equívoco de afirmar que são sinônimos se dá porque há competências que não são socioemocionais, mas sim de outras naturezas. “Não podemos pensar só nas socioemocionais, as outras também são muito importantes como, por exemplo, cultura digital, repertório cultural. Não existe hierarquia do que é mais importante, tudo faz parte da educação integral. A dica é: trabalhe as competências gerais que você trabalhará as socioemocionais”, sugere. Anna também ressalta que as competências gerais não hierarquizam, cada uma é igualmente importante em suas dimensões e que elas devem ser trabalhadas de forma sinérgica.

O diretor de articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna e membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), Mozart Ramos Neves, compartilha uma visão semelhante à de Anna Penido. Para ele, que atua e possui diversas publicações com os temas de Educação Integral e competências socioemocionais, não há nenhuma competência 100% pura ou seja, totalmente cognitiva ou socioemocional. “Algumas são mais socioemocionais que outras. Quando você trabalha o pensamento crítico, curiosidade, criatividade, por exemplo, estão muito mais próximas do cognitivo do que da socioemocional”, observa.

Já César Callegari, que presidiu a comissão da BNCC no Conselho Nacional de Educação, não acredita na separação das socioemocionais. “Imagino que quando se fala delas [socioemocionais] é no sentido tático de chamar a atenção para alguns temas, como o respeito à diversidade e o trabalho colaborativo, mas elas devem estar sempre em toda parte e não restritas ou confinadas a um determinado setor no campo das competências”.

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Da sala de aula para a vida
O conselheiro Mozart pondera que é mais importante que as pessoas entendam que as 10 competências gerais que estão na BNCC precisam ser desenvolvidas pela escola para o desenvolvimento integral do estudante. Ao avaliar o cenário, ele garante que fica claro que essas competências vão crescer ainda mais no decorrer do século 21. A perspectiva de Mozart se baseia em diversos estudos. Um deles, de 2006, já apontava que as principais habilidades que empregadores esperavam de encontrar em jovens candidatos eram pensamento crítico/resolução de problemas, trabalho em equipe, criatividade/inovação, de modo que conhecimentos básicos, como Matemática e Ciências, estavam no final da lista.

“O que era ponto de chegada hoje é apenas ponte de partida. O que o mundo está precisando é do que chamamos de qualidades humanas, são os valores que de alguma forma você carrega para sobreviver em um mundo em constante descontinuidade”, diz Mozart. “O tempo de um determinado conhecimento científico não é como há 200, 300 anos. Quando você desenvolve essas competências não será ajudado apenas na escola, mas na vida”, explica.

Qualquer que seja a denominação, o conceito de competência é conhecimento aplicado, que pode ser mobilizado para determinada finalidade, de acordo com Callegari. “Sabemos que muitos conhecimentos são relevantes mesmo que não possam ser rapidamente aplicados”. Para César Callegari, apesar das críticas à BNCC esses direitos são fundamentais hoje, especialmente em face dos ataques que a Educação vem sofrendo. “Temos que afastar a ideia do conhecimento como uma coisa meramente utilitária”, diz.