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Desenvolvimento cognitivo versus socioemocional: qual é o papel da escola?

Uma boa escola não pode se resumir unicamente ao desenvolvimento intelectual de crianças, jovens e adultos. A convivência com a diversidade é parte do desenvolvimento integral dos estudantes e não deveria ser menosprezada

POR:
Ewerton de Souza
Crédito: Getty Images

É comum associar o sucesso de uma escola à sua capacidade de possibilitar que seus alunos desenvolvam habilidades de leitura, de escrita, de cálculo, de raciocínio lógico e pensamento científico, bem como a apropriação de um rol de conhecimentos gerais valorados socialmente. No entanto, será que uma boa escola pode se resumir unicamente ao desenvolvimento intelectual de crianças, jovens ou adultos?

Se como dispõe o artigo 205 de nossa Constituição Federal, a Educação deve ser promovida“visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Certamente, organizar um currículo que objetive somente a aprendizagem de habilidades intelectuais não será suficiente para alcançar esses fins. Daí que documentos como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), por exemplo, comprometem-se explicitamente com a Educação integral, uma vez que preconizam que o desenvolvimento de todas as dimensões do sujeito (física, intelectual, emocional, social e cultural) é importante.

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E é importante não somente porque está na Constituição, mas principalmente porque assim o mundo atual o exige. Vejamos: vivemos em um mundo globalizado em que as distâncias foram encurtadas; as fronteiras, atenuadas; e as pessoas, conectadas a partir de inúmeras plataformas de comunicação. Um sujeito que esteja plenamente inserido em nosso mundo, de modo que seja capaz de se relacionar com outros sujeitos, que seja bem sucedido em seu trabalho e que tenha plena consciência de seus direitos (bem como de suas obrigações), deverá estar aberto e preparado para lidar com a complexidade que permeia as relações em nossa sociedade – complexidade esta que se encontra atravessada pela diversidade.

E, nesse território, a escola é um espaço privilegiado de desenvolvimento deste sujeito. Por se tratar de um microcosmo no qual se expressam todas as relações também presentes na sociedade, a escola proporciona ao aluno a experiência de conviver com aquele que é diferente de si. Nela, nos vemos interagindo a todo momento com pessoas que não pensam da mesma maneira, pessoas com trajetórias nem sempre iguais, vindas de famílias que têm valores diversos dos nossos, origem em culturas estranhas à nossa e, por vezes, realidades sociais que escapam às nossas percepções imediatas.

Fora da bolha (pública ou privada)
Portanto, quanto mais diversa, maior será a possibilidade de nossas crianças e jovens expandirem seus mundos e aprenderem a lidar com situações em que será necessário considerar as diferenças na busca de caminhos comuns à sociedade. Isso tem sido uma preocupação de todas as boas escolas, sejam públicas ou privadas. Há escolas elitizadas que se preocupam, no desenho de seu projeto pedagógico, em garantir que seus estudantes não fiquem restritos à “bolha” de seu ambiente original, estimulando o contato destes com outras realidades que compõem nossa sociedade.

Na escola pública, então, essa realidade se impõe de modo imperativo. Como não há, em tese, seleção, ao menos no ingresso de crianças e jovens, as salas de aula apresentam uma amostra de boa parte dos segmentos sociais e culturais. No meu caso, que trabalho com Educação para jovens e adultos (EJA), tenho o privilégio de vivenciar turmas em que encontro, brancos, negros, orientais, jovens, adultos, idosos, heterossexuais, homossexuais, travestis, transexuais… e uma variedade enorme de ideias e trajetórias.

Essa diversidade é riquíssima porque não permite que ninguém, como já disse, fique isolado dentro de uma bolha que, no fundo, é ilusória, uma vez que numa sociedade globalizada, complexa e hiperconectada como a que vivemos nenhum grupo está realmente isolado.

Entretanto, a constatação de que há a diversidade não significa que ela é passivamente aceita por todos. À escola, espaço privilegiado de construção de relações humanizadas, apresenta-se o desafio de fazer dialogar aqueles que são diferentes. E isso é um caminho desafiador para qualquer projeto pedagógico, exigindo da equipe escolar uma escolha radical por valores democráticos, de respeito e reconhecimento àqueles que manifestam opiniões, orientações, culturas, crenças e valores diferentes daquelas que nos constituem.

Para que o educando compreenda a diversidade e a aceite, o educador precisará provocar a reflexão, mediar os conflitos, desconstruir as falácias de argumentos que, alegando sermos todos seres humanos, eliminam as diferenças existentes entre nós no intuito de privilegiar este ou aquele grupo.

E, para que o educador faça isso com competência, cabe à coordenação pedagógica o estímulo desta reflexão a partir de processos formativos. Aqui, o cuidado é de que a diversidade não fique escondida sob o manto da normalidade ou da superficialidade das relações. Às vezes, uma turma tranquila em que cada educando está “na sua” pode significar que ninguém queira sair de si para realmente compreender o outro.

Termino esta contribuição com a dica de um filme que pode estimular algumas reflexões das equipes escolares sobre o papel que a escola cumpre na sociedade. Já assistiram a Capitão Fantástico? Nele os pais decidem criar seus filhos isolados do restante da sociedade. E, embora sejam muito bons em promover o desenvolvimento de saberes como aqueles que elenquei no começo deste artigo, será suficiente tornar as crianças intelectual e fisicamente competentes? Ou será que existem aprendizagens que somente a escola, como uma célula da sociedade, poderá realmente desenvolver? Quem assistir com sua equipe, não deixe de compartilhar aqui suas impressões!

Ewerton Fernandes de Souza é coordenador geral no CIEJA Clóvis Caitano Miquelazzo, escola da prefeitura de São Paulo que lida exclusivamente com Educação de Jovens e Adultos, especialmente na faixa etária dos 15 aos 18 anos. Foi um dos 50 finalistas do Prêmio Educador Nota 10 de 2017.

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