Palavras que gritam: frases rabiscadas em banheiros escolares podem alertar para a saúde mental dos alunos
Os grafitos em banheiros escolares podem ser um pedido de ajuda por parte dos alunos e necessitam da atenção dos gestores
POR: Dimítria Coutinho“A vida não faz sentido”. “Faz, sim, você é importante”. Essas e muitas outras frases estavam escritas no banheiro feminino da E.E. Professora Maria Pia Silva Castro, em Franca, no interior de São Paulo. A instituição atende o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio. Todas foram escritas pelas alunas e ocupavam boa parte das portas beges daquele espaço.
Assim como nesta escola, esse tipo de fenômeno acontece em muitos outros banheiros de muitas outras escolas espalhadas pelo Brasil. Chamados de grafitos, os escritos nas paredes e portas partem da necessidade humana de deixar registros – e não estão presentes apenas em escolas. Porém, quando no contexto escolar, eles podem indicar alguns sinais para a equipe gestora, como situações de bullying, frases racistas, preconceituosas, machistas e outras mensagens que trazem indicadores de um clima escolar ruim. Por isso, a importância de olhar para esses grafitos com um cuidado especial.
Lidiane de Oliveira Passarinho, mestre em Psicologia e psicoterapeuta de crianças e adolescentes, conta que, durante a adolescência, os jovens ainda não têm a capacidade socioemocional de controlar e expressar suas emoções de forma completa pessoalmente. Assim, acabam usando os grafitos como uma opção. “O adolescente utiliza as formas veladas para poder manifestar sua dor e, de certa forma, pedir ajuda também. Então, todas essas mensagens precisam, sim, ser levadas em consideração”, afirma a psicóloga.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, as condições de saúde mental representam 16% de todas as doenças que atingem jovens entre 10 e 19 anos, mas a maioria dos casos não é detectada e nem tratada. Entre adolescentes de 15 a 19 anos, o suicídio já é a terceira principal causa de morte. Por isso, Lidiane acredita que qualquer pequeno sinal deve ser levado em consideração. “Os dados negativos mostram o quanto os adolescentes estão precisando de atenção. Que possamos abrir um pouquinho mais as nossas cabecinhas para essa faixa etária”, afirma.
O que fazer diante dos escritos em banheiros?
Quando os gestores se deparam com esses escritos nos banheiros dos alunos, muitas vezes há dúvidas a respeito de qual atitude tomar. Foi justamente o que aconteceu com Jaqueline Vieira Donzeli, vice-diretora da E.E. Professora Maria Pia Silva Castro. Por um tempo, ela sequer soube que os sanitários das alunas tinham esses grafitos, já que o banheiro que o corpo docente e gestor utiliza fica em outro pavimento da escola.
Quem contou sobre as mensagens para Jaqueline foi a responsável pela limpeza da escola, que avisou que as portas estavam “sujas”. Chegando lá, a gestora encontrou mensagens de depressão e pedidos de ajuda, bem como respostas positivas de outras alunas. “Eu fiquei surpresa com o teor das mensagens, porque não era o que eu estava esperando. E aí veio um incômodo de pensar no que fazer”, lembra.
As mensagens relacionadas à depressão deixaram Jaqueline muito surpresa, porque ela esperava encontrar trocas de xingamentos entre alunas, o que era mais recorrente na escola há um tempo.
Em ambos os casos, Lidiane acredita que deva ser dado o mesmo tipo de atenção. Ela explica que o ambiente escolar é um dos maiores influenciadores no desenvolvimento dos adolescentes e, por isso, é preciso que a equipe gestora tenha muita responsabilidade na forma com que trata as questões relacionadas à saúde mental dos alunos.
A psicóloga aconselha que, em situações como estas, a escola promova atividades que possam estimular a capacidade socioemocional dos jovens, o que pode ir muito além de palestras. “É interessante desenvolver vivências com pessoas capacitadas para que os adolescentes possam ter oportunidade de falar, de expressar sua dor”, sugere Lidiane. “Podem ser atividades tanto com profissionais de saúde, quanto com profissionais que despertam criatividade, como a dança”.
Na escola em que Jaqueline é vice-diretora esse tipo de parceria já existe. Por lá, os alunos costumam assistir palestras sobre saúde mental, têm acesso a diversas atividades nos finais de semana e, quando necessário, são encaminhados para o atendimento psicológico na Unidade Básica de Saúde do bairro ou em universidades parceiras na cidade.
Mesmo assim, diante das mensagens, a equipe gestora percebeu que era hora de fazer mais. Depois de uma conversa com o Fórum da Saúde Mental da cidade, eles decidiram colocar frases de auto-estima no banheiro feminino da escola, a fim de encorajar aquelas meninas que estavam passando por momentos difíceis. Foi aí que entrou o trabalho do artista Samuel Freiria, que grafitou todo o espaço.
Além de dar cor ao ambiente, o artista respondeu a algumas mensagens deixadas no banheiro. Onde estava escrito “Se todo mundo desiste de mim, por que eu não posso?”, ele respondeu “Porque você é especial para alguém”. Onde havia os dizeres “A conexão humana anda sem sinal”, ele completou “Reinicie”. Frases como “você é linda”, “você é especial” e “você é incrível” passaram a estampar as portas dos banheiros.
Como uma intervenção artística mudou o clima de uma escola
Depois da intervenção artística feita no banheiro feminino da escola, as alunas ficaram encantadas. “Recebemos muitas mensagens das alunas agradecendo, falando de como foi importante para elas. A gente não imaginava que fosse ser tão bem recebido, e ficamos muito felizes”, conta Jaqueline.
Mas a gestora acredita que o impacto dessa ação tenha ido muito além da felicidade com a surpresa. “As alunas sentiram, em primeiro lugar, que alguém está enxergando, está olhando para elas. Alguém leu o que elas estão escrevendo ali, e alguém pensou em fazer alguma coisa”, conta com orgulho.
Lidiane afirma que esse tipo de intervenção é, de fato, muito importante para os adolescentes. “É uma ótima solução. O adolescente tem essa necessidade de ser percebido. Então, quando ele entra no banheiro e vê que alguém respondeu a mensagem dele, ele diz para ele mesmo ‘nossa, estou sendo acolhido, alguém está me vendo’. E isso é todo um diferencial para ele”, afirma a psicóloga.
Na escola, as alunas, que já costumavam procurar a equipe gestora quando tinham alguma dificuldade, passaram a confiar ainda mais nos adultos presentes no ambiente escolar, segundo Jaqueline. Para Lidiane, esse tipo de resultado é esperado de ações como essa. “É uma forma de aproximação entre a gestão da escola e os alunos. O jovem percebe que está sendo visto por aquela escola, ele não é apenas mais um número”, diz a psicóloga.
E Jaqueline diz que, agora, o próximo passo é criar a mesma aproximação com os meninos, se adiantando e fazendo uma intervenção no sanitários deles - momento que, por sinal, está sendo esperado com muita ansiedade pelos alunos. Ela conta que o banheiro masculino não tem grafitos preocupantes, e que os alunos têm mais dificuldade de se abrirem quando enfrentam dificuldades, por isso a tentativa de aproximação. “Eles são um pouco mais tímidos quanto a isso, por acharem que homem não pode demonstrar, não pode chorar, não pode ser fraco”, conta a gestora.
E você, gestor, quando foi a última vez que visitou o banheiro dos alunos?
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