Abraham Leonardo Gak: "O principal desafio é entender os jovens"
Educador argentino conta o que fez para lidar com as crises e os problemas dos adolescentes e atingir a taxa de menos de 2% de abandono da escola
POR: Paola Gentile, GESTÃO ESCOLARFoto: Axel Indik/Getty Images Latin America
Fazer o jovem que terminou o Ensino Fundamental continuar os estudos e, uma vez matriculado, não os abandonar são dois grandes desafios para educadores aqui, no Brasil, onde, em 2007, a taxa de evasão no Ensino Médio foi de 50%, e a de reprovação, 33%. Em Buenos Aires, a Escola Superior de Comércio Carlos Pellegrini surpreende por seus resultados. Apesar de o nome remeter a um ambiente profissionalizante ou a uma faculdade, ela atende cerca de 2,5 mil jovens entre 13 e 18 anos e oferece o equivalente ao nosso Ensino Médio - que na Argentina chama-se Secundário e tem duração de cinco anos. Ali, a taxa de abandono é de 1,5%, e o índice de aprovação, 98,5% (dados de 2006).
A escola atingiu esses patamares recentemente, durante a gestão do educador argentino Abraham Leonardo Gak, que esteve à frente dela como diretor entre 1993 e 2007: "Os adolescentes precisam ter certeza de que estão aprendendo coisas importantes e num local em que existem pessoas preocupadas com os problemas e as crises pelas quais eles passam nessa idade".
Professor da Universidade de Buenos Aires e da Universidade Nacional de Salta, no norte da Argentina, em 2009 ele recebeu o prêmio Maestro de Vida, conferido pela Confederação dos Trabalhadores da Educação da República Argentina. Gak tem sido convidado a dar palestras em encontros que se propõem a debater e encontrar soluções para a Educação de jovens. Um deles foi a IV Jornada de Gestão de Instituições Educacionais, promovida em outubro do ano passado na capital argentina pelo Instituto 12ntes, quando conversou com NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR.
Como a Carlos Pellegrini conseguiu ser uma escola-modelo no ensino de adolescentes em uma época em que muitos sistemas não sabem o que fazer para que esse público não pare de estudar?
ABRAHAM LEONARDO GAK Acredito que um jovem só abandona a escola quando sente que há muito tempo foi abandonado por ela. Apesar de hoje a escola não mais oferecer garantias de um futuro promissor nem de uma participação efetiva na sociedade, ela continua sendo uma instituição confiável e cheia de possibilidades. Portanto, não pode ser a responsável pela exclusão. Quando estive à frente da Carlos Pellegrini, procurei caminhos que fizessem com que os adolescentes fossem atendidos em suas necessidades cognitivas e de aprendizagem e compreendidos como pessoas em desenvolvimento, que precisam de um ambiente que os ajude no autoconhecimento e na socialização.
Qual o currículo dos cinco anos de duração desse segmento de ensino?
GAK Acredito em uma formação que sirva para qualquer cidadão. Ele precisa ter conhecimentos da língua como sendo uma ferramenta fundamental para sua comunicação e de História, Geografia, Matemática e Ciências para entender o mundo. Minha equipe fez questão de incluir disciplinas como Filosofia, Psicologia e Sociologia, pois acreditamos que elas fazem parte da boa formação geral. Os alunos da Carlos Pellegrini têm aulas de Direito e Economia voltadas à formação ética e ao entendimento das problemáticas contemporâneas. Oferecemos também duas línguas estrangeiras - hoje um pré-requisito básico para qualquer bom profissional - e damos uma atenção especial à Arte, justamente pelas inúmeras possibilidades que ela oferece para que os jovens se expressem.
Como a Arte entra na rotina?
GAK Procuramos desenvolver o prazer cultural e estético que acompanha e certamente acompanhará o adolescente por toda a vida. Não há jovem que não tenha reações positivas com a música, a dança, o teatro e as artes visuais. São quatro horas de aula por semana no primeiro ano - Música e Artes Plásticas - e duas nos anos seguintes, em que os alunos optam por uma ou outra. Além disso, no horário extracurricular, é possível ter contato com música em grupo, canto, violão, vídeo, teatro, desenho e pintura.
Para garantir tudo isso, a escola deve funcionar em período integral?
GAK Sim. Ela atende nos três períodos, que têm duração de seis horas cada um, em que são dadas as disciplinas obrigatórias - 11 por série -, sem contar as optativas oferecidas no contraturno.
Não há nenhuma disciplina profissionalizante?
GAK Sou contra a profissionalização nessa fase da vida do aluno. Isso deve ser feito na universidade. Antes de aprender um ofício, ele tem a necessidade de conhecimentos que o façam um adulto mais seguro e determinado. Nas aulas e nas oficinas no contraturno, ele é estimulado a montar, gerenciar e implementar projetos. Com isso, aprende a conhecer seu potencial, construir um projeto de vida, tomar decisões, discutir e debater com os colegas seu ponto de vista pela via da argumentação, trabalhar em grupo e compreender a realidade social, cultural e tecnológica. Um adolescente que tenha essas habilidades não necessitará de muito tempo para adquirir um conhecimento pontual para se desenvolver profissionalmente. As escolas que se dizem técnicas acabam por oferecer um ensino profissionalizante fora da realidade por não ter condições de acompanhar o desenvolvimento tecnológico. Com isso, nem formam profissionais atualizados nem completam a Educação Básica.
Qual é a maior dificuldade ao se trabalhar com adolescentes na escola?
GAK O principal desafio é entender o jovem com toda a problemática que ele enfrenta. Cada aluno certamente passará pelo menos uma forte crise no tempo em que estiver na escola: ou por ter terminado um namoro; ou porque entrou em contato com drogas e não consegue se livrar delas; ou por ter sido vítima de abuso sexual ou violência doméstica; ou ainda por estar em conflito com os pais e não saber como resolver o impasse. Na verdade, são situações que hoje em dia qualquer adulto deveria estar em condições de enfrentar. Acontece que nem pais nem professores estão preparados. E é por isso que essas crises se tornam um problema. E devemos ter atenção porque a crise que explode aos 14 anos é diferente da que surge aos 17. Cada crise é única.
Como os gestores e os professores da Carlos Pellegrini aprenderam a conhecer os jovens?
GAK A escola tem um Departamento de Orientação ao Estudante, que conta com a assistência de psicólogos. Temos ainda um tutor e um preceptor para cada turma - educadores que recebem formação específica para estar sempre com os alunos e atendê-los em suas demandas. Procuramos ter ao longo do ano a colaboração de outros profissionais para dar formação e ajudar a entender os adolescentes. Acho importante compreender que a escola já não é um trabalho só de docentes. É um espaço em que deve haver um trabalho interdisciplinar com sociólogos, psicólogos e psicopedagogos e até um cientista político, se possível. A escola se tornou uma das organizações mais complexas que existem por receber diferentes culturas - as dos alunos e suas famílias, as dos professores e as dos funcionários -, o que, obviamente, gera muitos conflitos, que precisam ser solucionados para que ela funcione a contento e atenda a todos igualmente, sem discriminação.
De que maneira foi implementado o trabalho de tutoria na escola?
GAK A tutoria foi adotada justamente para ajudar a equipe a conhecer melhor os alunos. Os professores reclamam do comportamento dos jovens e do desempenho deles na escola, mas não conseguem identificar as causas. Geralmente, eles ficam com uma turma poucas horas por semana e não têm tempo de saber o que se passa com cada aluno, conhecer um pouco mais as experiências que têm fora do ambiente escolar e de como tudo isso impacta a vida deles - e, certamente, também os estudos. Já o tutor tem encontros semanais de duas horas com a turma que acompanha. Esse tempo é utilizado na discussão de temas como comunicação entre as gerações, o cuidado consigo mesmo, com o outro e com o meio ambiente e a relação entre Educação e trabalho. Ele também deve prestar atendimento individual aos alunos.
Quais as exigências para assumir o cargo de tutor?
GAK Quem quer se candidatar ao cargo precisa desenvolver um programa de tutoria - escolher temas que serão desenvolvidos durante o ano e descrever como pretende trabalhar nas classes, estabelecer objetivos, se comprometer a resolver os problemas que aparecem e a entrar em contato com os pais quando necessário. Esse projeto passa pelo crivo dos gestores. Se um professor quer ser também tutor, não pode confundir os papéis: deve ser docente em algumas horas e tutor em outras porque precisa ter disponibilidade para atender os jovens, conversar com eles e com quem mais seja necessário.
O que faz o preceptor?
GAK Ele é um auxiliar docente, que está sempre na classe para ajudar o professor e substituí-lo quando necessário. O fato de ficar o tempo todo com uma turma faz com que ele conheça cada aluno e os problemas do grupo. Isso o torna um colaborador imprescindível quando é preciso resolver algum conflito.
Como é feita a formação de tutores e preceptores?
GAK O Departamento de Orientação ao Estudante promove encontros de formação permanente, com palestras sobre cultura contemporânea, comportamento de grupos, desenvolvimento de criatividade, comunicação e orientação profissional. Enfim, temas que ajudam a entender os jovens e a trabalhar com eles. Já os preceptores frequentam oficinas sobre psicologia evolutiva da adolescência, situações cotidianas de conflito e liderança de grupos. Tudo o que é discutido nesses encontros tem continuidade depois da formação por meio das atividades que os psicólogos coordenam com os preceptores ao longo de todo o ano.
Os professores no Brasil reclamam muito da falta de limites. Isso acontece também na Argentina? Como isso foi trabalhado pela sua equipe?
GAK Sem dúvida. Essa queixa é geral. Na escola que dirigi durante 14 anos, foi criada uma cultura que cultiva o debate em todas as áreas. As questões referentes a limites são discutidas com os grupos envolvidos. Só assim se consegue construir um projeto viável para toda a instituição. Para isso, é preciso ter disposição para o diálogo e para entender a linguagem usada pelos jovens e as palavras que eles usam, o significado delas. Sem isso, fica difícil discutir limites ou qualquer outro assunto. Porém é preciso ter consciência de que não são os alunos que impõem os limites, mas os adultos.
Como a Carlos Pellegrini é vista pela comunidade?
GAK A instituição transcendeu o escolar. Habituou-se a ser um lugar que está sempre de portas abertas. Em parceria com diversas entidades sociais, seu espaço foi apropriado por projetos sociais, esportivos e culturais e, por isso, se tornou um centro de produção comunitária.
Paola Gentile, de Buenos Aires
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