Aluno que briga e quebra carteira tem que ser punido ou responsabilizado?
Ficar sem recreio, limpar o pátio ou ser suspenso. Será que isso resolve mesmo o problema?
POR: Laís SemisQuando a vice-diretora Márcia Zauza chegou, em 2012, na EMEF Maria Pavanatti Fávaro, em Campinas (SP), a escola já não aplicava suspensões como punição. “O adulto decidia qual seria a melhor punição e a aplicava. Se julgasse necessário, convocava os pais”, relembra a vice. Esse é um cenário comum nas escolas. O aluno que não se comporta fica sem recreio, faz tarefas de limpeza ao invés da aula de Educação Física ou Arte, não pode participar dos passeios, é advertido e até suspenso — dependendo da ação que gerou. Há uma ideia de que o controle e o respeito se dão pela punição.
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O problema da punição
Um dos problemas é que a punição nem sempre tem ligação com o dano causado ou o conflito ocorrido. “Se o estudante bagunçou na aula e não fez as tarefas, o que está em jogo é o fazer a tarefa”, aponta Flávia Vivaldi, orientadora educacional e secretária municipal de Educação de Poços de Caldas, no interior de Minas Gerais. Só que, em geral, a consequência é ficar sem recreio ou deixar de ir a um passeio. “Como esses são momentos esperados pela criança, a punição é dada de forma a fazer o sujeito sofrer”, diz. “E isso acabava por estimular o aluno a errar novamente, visto que a punição 'absolvia', de certa forma, o erro cometido”, conta Márcia.
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Limpar banheiros, refeitório ou o pátio quando o aluno não cometeu qualquer ato de sujar ou danificar aquele espaço, mas sim de não fazer a tarefa ou se envolver em uma briga é questionável. Isso coloca a tarefa de limpeza (e os profissionais responsáveis por elas) como inferiores.
“Ele precisa reparar o que fez”, diz Flávia. Ou seja: o aluno que infringiu alguma norma de convivência ou regra da escola precisa ser colocado em uma ação que seja recíproca, relacionada ao fato gerador. O exercício de reflexão levou a EMEF Maria Pavanatti Fávaro a mudar sua atitude.
Para que a punição possa estabelecer essa conexão, é importante que o aluno passe por um processo de conscientização. “É preciso entender que ações impactam os outros e o espaço escolar”, afirma Alex Moreira, coordenador de projetos da consultoria Elos Educacional.
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Pedir desculpas é suficiente?
Os danos podem ser tanto materiais, emocionais ou disciplinares. A reparação desses danos pode ser feita com alunos de qualquer faixa etária e, para fazer sentido, a decisão de como isso será feito é mediada pela escola — mas a sugestão parte dos próprios envolvidos.
“A parte que sofreu algum tipo de dano precisa se colocar", explica a orientadora educacional Flávia. "Se o que ela sugere é inviável ou não corresponde ao dano, cabe ao mediador apontar isso e ajudá-los a chegar num consenso”. As conversas vão ficando mais complexas conforme os alunos vão avançando na Educação Básica. “Quando há conflitos entre crianças pequenas, um pedido de desculpa geralmente é suficiente”. O mesmo, muitas vezes, já não é suficiente para o adolescente que passa repetidas vezes por situações semelhantes. Em um dos casos de conflitos entre estudantes que a orientadora mediou, uma aluna do Ensino Médio disse que estava cansada das provocações e o que ela queria era que o "colega desaparecesse e não falasse mais com ela". “A reparação para ela naquele momento era um espaço psicológico. Ela precisava de um tempo para reatar a amizade”.
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O próprio convencimento de que a reflexão e a reparação de danos são processos importantes também é mais difícil com os estudantes mais velhos. A conversa pode exigir argumentação e a escola precisa estar preparada para defender a proposta. “Senão, no primeiro enfrentamento, o aluno já percebe a fragilidade desse grupo que está conduzindo o trabalho”, atenta Alex. Para tal, as formações continuadas e os momentos de estudo sobre o tema são uma poderosa ferramenta.
Situações a serem reparadas
Não existem receitas mágicas de aplicação e cada caso precisa e merece ser analisado em seu contexto. No entanto, te damos alguns exemplos do que pode ser feito. Mas vale lembrar: essa reflexão e decisão devem ser sugeridas e discutidas com os envolvidos.
Quebrou um objeto do colega, e agora? “Acontece bastante na escola. As reparações mais comuns são conversar com os pais para explicar a situação e substituir o objeto ou mesmo dar o seu para o colega”, conta Márcia. Como os pais estão cientes de como a EMEF Maria Pavanatti Fávaro lida com o tema, eles abraçam as propostas. Por isso, é importante que a proposta esteja prevista nos documentos orientadores da instituição, como, por exemplo, o projeto político-pedagógico (PPP). Pode até não haver dinheiro envolvido. Mas se a reparação for sobre um dano como, por exemplo, um vidro que foi quebrado ou uma porta, o envolvido pode participar da reparação. “Ele pode participar de outras formas, como se envolver fazendo orçamento”, exemplifica Flávia. Se for algo passível de conserto ou de limpeza, é possível levar para casa e trazer o item reparado.
“Nem sempre a sanção é uma reparação concreta”, fala Flávia. É o que acontece no caso de conflitos. “Às vezes, essa reparação é se afastar, como se tivesse perdido aquele espaço com o colega”. De acordo com a orientadora, a decisão tem que ser respeitada pelos envolvidos. No caso dos pequenos, os pedidos de desculpas podem ser suficientes. Mas como o acompanhamento dos responsáveis pelas crianças é mais próximo, essas desculpas acabam se estendendo também à família. “Tivemos um aluno do 1º ano que agrediu verbalmente outro. Ele propôs escrever um bilhete também para a mãe do colega pedindo desculpas”, relata Márcia. Quando há conflitos físicos, o responsável pode participar dos primeiros socorros. “Ainda que ele apenas assista, é um exercício de empatia", diz Flávia. O importante é promover um momento de reflexão para que o aluno pense sobre sua "responsabilidade naquele ato”.
O que causou o problema
Se a ocorrência não é isolada e volta a se repetir, a escola precisa se perguntar: qual é a causa que está por trás do dano que foi causado? “Tem uma pergunta que precisa ser feita: por que os alunos estão fazendo o que estão fazendo? Quando a escola começa a atuar na causa raiz, ela passa a ser mais preventiva do que punitiva”, considera Alex. Esse trabalho evita a atuação apenas nos “incêndios”. Muitas vezes, o princípio que ampara a regra ou a própria regra podem não estar claros. “A discussão do por quê da regra tem um valor muito grande na construção da consciência e cidadania”.
Essa discussão começa dentro dos próprios documentos que dão diretrizes para o trabalho pedagógico da instituição, como o regimento interno e o PPP — que devem ser construídos de forma democrática — e também princípios, normas e regras de convívio da instituição. “Não é porque não consta do regimento que o aluno não sabe que fez algo errado. Mas ao fazer parte do regimento, você consegue conduzir o processo pedagógico da instituição, construir um trabalho mais assertivo e chegar a um acordo em nível de escola”, diz o coordenador da Elos.
Formação
Para encarar ocorrências e saber lidar com elas da melhor maneira possível, é importante que os professores recebam formação adequada ou pelo menos tenham passado com conversas dirigidas pelo coordenador pedagógico. E deixar claro que métodos antigos de punição podem ser trocados por outros em que o aluno também faz parte da solução. “Não acho que seja um trabalho fácil. É um exercício diário, não só dos alunos, mas de todos, porque nós não fomos educados dessa forma”, conta Márcia, para acrescentar em seguida. “Mas é um trabalho que funciona”.
Segundo ela, a base teórica e formações são essenciais para dar apoio para essa mudança. “Ninguém dá o que não tem. Muitas vezes, os professores se sentem acuados com essa questão de lidar com a reparação do dano por falta de informação, por se sentirem inseguros", diz. Vale dizer também que essa mediação exige "conversas difíceis e isso não é fácil”, aponta Alex. Por isso, as formações continuadas têm um papel fundamental nas transformações que as escolas desejam ter.
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