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Mudanças trazidas pela Base precisam influenciar vestibular

Para professor de Harvard e consultor para reformas de currículos, exames precisam refletir novo foco de desenvolvimento de competências ao longo da educação básica

POR:
Vinicius de Oliveira, do Porvir*
Candidatos diante de local de prova na primeira fase do vestibular no Rio de Janeiro  Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Para o francês Charles Fadel, professor da Harvard School of Education, nos Estados Unidos, o consenso que permitiu a criação da Base Nacional Comum Curricular no Brasil é uma boa notícia. Fundador do Center for Curriculum Redesign, que apoia governos ao redor do mundo a reformarem seus currículos, ele alerta, no entanto, que visão representa apenas 1% do processo – outros 99% são feitos de muito suor.

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Em conversa com o Porvir, Fadel destaca que o maior desafio agora é atualizar todas as partes do sistema educacional. Pelo calendário do MEC, escolas brasileiras têm até o início do ano letivo de 2020 para implementar as diretrizes, que serão revisadas a cada cinco anos.

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O maior destaque do documento são as competências gerais, que devem ser desenvolvidas de forma integrada aos componentes curriculares, ao longo de toda a educação básica. Segundo Fadel, para que a transformação seja possível, os tomadores de decisão no Brasil precisam traduzir os conceitos da BNCC para pais, formar professores, atualizar materiais didáticos e modificar o sistema de entrada no ensino superior. Com um detalhe: tudo precisa ser feito em paralelo.

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Se atualmente quem define o comportamento das escolas é o Enem e os vestibulares, Fadel diz que chegou a hora da mudança na escola influenciar o processo seletivo para ingresso no ensino superior. “Caso contrário, irá refletir velhos hábitos e nada vai acontecer”.

A seguir, leia os principais momentos da entrevista:

Como você avalia processo de criação da BNCC e especificamente a inclusão de competências no documento?
Charles Fadel: É uma boa notícia porque as pessoas estão prestando atenção no que é necessário para o futuro de todos. Mas você sabe como as coisas são: visão é 1% e suor, 99%. E esse é o mais difícil. Temos que ser capazes de traduzir essa visão em ações pedagógicas para tornar os alunos mais capazes e autoconfiantes.

Que pontos merecem maior atenção neste momento? Material didático, formação de professores ou…
Você não consegue separar apenas um ponto porque é como uma corrente que possui um elo mais fraco. Cada um dos elementos tem que ser forte, mas eles não precisam necessariamente acontecer ao mesmo tempo, mas sim na sequência certa. Por exemplo: pais e responsáveis precisam entender porque a mudança é necessária. Os processos seletivos para entrada na faculdade também precisam mudar, pois, do contrário, vão impedir o progresso. Por que estudar todas essas coisas se elas não forem importantes ao longo do ensino superior ou para empregadores? Você tem ainda que formar os professores, o que demanda um trabalho enorme, e ainda limpar as referências antigas, desenhar novas avaliações. Tudo isso precisa acontecer para que a mudança seja possível.

O que professores devem fazer para traduzir a progressão de competências em atividades para sala de aula?
Existem muitas coisas que eles podem fazer por conta própria porque é tudo tão novo e diferente do que viram na formação inicial. Os professores precisam passar por novas formações e contar com novos materiais para aplicar em sala de aula. Deve-se ter consciência que alguns professores podem fazer algumas dessas coisas de vez em quando. Mas nem todos vão conseguir colocá-las em prática o tempo todo.

Então o professor não deve ser culpado por não conseguir encaixar todas as 10 Competências Gerais em suas aulas.
Não, de maneira alguma. Ele tem que ser seletivo e saber quais fazem mais sentido para sua disciplina, a partir de orientações recebidas da equipe pedagógica. É preciso que a mensagem para o professor seja explícita sobre o que é e o que não é esperado que ele faça. Qualquer resistência é enraizada em hábitos, que têm origem no que é medido no final. Se você mediu os parâmetros errados, força o comportamento errado.

Qual seria seu conselho para mudar a cultura escolar e permitir que essa nova visão seja compartilhada com professores e alunos?
Qualquer resistência é enraizada em hábitos, que têm origem no que é medido no final. Se você mediu os parâmetros errados, força o comportamento errado. Imagine se as universidades deixassem claro o que esperam das avaliações: menos trigonometria e mais probabilidade, certamente não só conhecimentos, mas habilidades também. Se universidades e especialistas em avaliação trabalharem juntos para colocar isso em prática, todo mundo vai querer mudar. Neste momento, os professores estão dizendo: “Como fazer todas essas coisas se, no final, parece que ninguém está se importando? Então vou ficar com meus velhos hábitos porque eles são mensuráveis”. Se o sistema muda para avaliar pontos diferentes, os comportamentos também vão seguir pelo mesmo caminho.

Diante desse cenário, qual seria o sistema ideal de avaliação?
Nem tudo pode ser medido de forma objetiva. Em nossos trabalho, estamos sempre sendo avaliados por nossos colegas de maneira subjetiva, por competências. De maneira geral, o conhecimento é fácil de medir. Isso não ocorre com as competências. É perfeitamente correto ter não apenas medidas objetivas, mas também subjetivas. Algumas são episódicas, como no caso de um aluno que toma coragem para denunciar que está sendo vítima de bullying. É só uma indicação, mas ela pode ser estimulada.

E você vê a possibilidade de mudança em vestibulares em um futuro próximo?
Eles têm que mudar. Não é só pensar na possibilidade. Caso contrário, irá refletir velhos hábitos e nada vai acontecer.

Em suas viagens a outros países, quando alguém pergunta o que está acontecendo no Brasil, qual é a sua mensagem?
A boa notícia é que, pela primeira vez, há um consenso sobre o que é uma educação moderna para todos os brasileiros. É claro que é difícil fazer a implementação rapidamente e em grande escala, mas um grande passo foi dado e quero enfatizar isso o máximo possível. Trata-se realmente de uma mensagem de esperança.

* Entrevista publicada originalmente no site do Porvir

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