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Ideb: o que a seleção brasileira de 82 e a Beija Flor de 89 podem ensinar sobre sucesso e fracasso escolar

Dos campos para a sala de aula, José Marcos Couto Júnior debate a medição do sucesso de uma escola unicamente por critérios objetivos

POR:
José Marcos Couto Júnior
Crédito: Acervo CBF

Waldir Peres no gol; Leandro, Oscar, Luisinho e Júnior formando a defesa; Cerezo, Falcão Sócrates e Zico no meio; Serginho e Éder na frente. Eu nasci no ano de 1984 e sei de cor a escalação da seleção brasileira da Copa de 82, comandada por Telê Santana. O fato de eu ter o time titular na cabeça acontece porque pouca gente consegue falar de seleções que encantaram sem citar àquela equipe. Há até quem afirme que ela foi a maior de todos os tempos. Um time que não cessava de buscar o ataque e a vitória.

Sete anos mais tarde, em 1989, Joãosinho Trinta revolucionaria o carnaval com o provocativo enredo "Ratos e urubus... larguem minha fantasia", pela Beija Flor de Nilópolis. A imagem do Cristo Redentor, coberto por plástico preto com a frase "mesmo proibido, olhai por nós", tornou-se ícone dos desfiles na Marquês de Sapucaí. Talvez ele tenha entrado para a história pelo samba marcante, que trazia versos como "sou na vida um mendigo; da folia, eu sou rei". Ou ainda pela genialidade do carnavalesco em driblar a justiça e a Arquidiocese do Rio de Janeiro cobrindo o Cristo mendigo, alegoria que havia sido censurada, com o plástico preto.

Os exemplos acima trazem características em comum. Os dois não só marcaram o seu tempo, mas sobreviveram à sua época e, três décadas depois, ainda são sinônimos de qualidade e referência em suas áreas. Ambos os episódios foram tão marcantes que conseguiram ser incorporados pelo imaginário popular. No entanto, eles ainda compartilham outra semelhança: mesmo tendo encantado quem os assistiu, acabaram perdendo os seus respectivos campeonatos. Graças à Paolo Rossi, com três gols no "Desastre do Sarriá" e à Imperatriz Leopoldinense que trouxe para a avenida "Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós", o Brasil e da Beija Flor não se sagraram campeões naqueles anos.

Aqui, cabem algumas reflexões, amigo leitor. O fato de não terem vencido os torna menores? Alguém que leu até este ponto e conheça essas histórias consegue afirmar que a seleção do Telê e o carnaval do Joãosinho Trinta foram fracassados?

Índices e metas: a objetividade nem sempre é o limite
Há uma máxima usada para grandes jogadores como Zico e Messi, que não conquistaram mundiais com as suas seleções. Ela afirma: "Zico não ganhou uma Copa do Mundo? Azar da Copa do Mundo". Fazendo o exercício de responder às questões que propus acima, compreendo que, neste e em outros casos, o título seja apenas um detalhe.

É possível que pela cultura competitiva que nos cerca desde muito cedo, ou ainda pela convicção de que só há espaço para um vencedor, você possa discordar do meu ponto de vista. No entanto, mesmo sem a vitória, temos na história diversos episódios em que o “derrotado” transcendeu a honraria máxima de levantar a taça do campeonato e ainda é recordado com nostalgia. Portanto, isto nos faz refletir que há outros parâmetros além da meta final, do critério objetivo, para afirmarmos que uma experiência foi exitosa ou não.

Quando transpomos o debate sobre conquistas ou fracassos para o campo educacional, colocamos luz sobre algumas inquietações que permeiam a mente dos gestores. Questionamos se as nossas escolas estão no caminho certo. Avaliamos constantemente se somos ou seremos bem sucedidos com a proposta pedagógica elaborada por nossa equipe. Trazemos como perspectiva a meta de preparar nossos alunos para os desafios do presente e do futuro. No entanto, muitas vezes nos é imposta a necessidade de mensurar objetivamente as nossas escolas, através de algum parâmetro oficial.

O campeonato das escolas
Seguindo a analogia proposta até aqui, podemos afirmar que temos os nossos próprios títulos a conquistar. E é com base neles que seremos cobrados. Ao invés de Carnaval e Copa do Mundo, todo diretor sonha com uma boa nota no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Durante os anos, tabulamos indicadores e números de aprovação, reprovação, evasão e permanência e os somamos ao desempenho dos nossos alunos em avaliações externas, para chegarmos ao “número mágico” do Ideb. Este é o campeonato de uma unidade escolar.

Seja na rede pública ou privada a corrida pelo índice pode, por vezes, beirar a insanidade. Enquanto nas redes municipais, estaduais e federais, aquelas unidades escolares com Ideb elevado indicariam uma política pública educacional bem executada, nos colégios e sistemas privados, o índice do configura-se como base de propaganda e como um fiador da qualidade do ensino. O resultado desta visão de mérito espelhado pelo Ideb transformou o indicador criado em 2007 para balizar e compreender a Educação no país – em um enorme fardo para os gestores.

A consequência imediata desta cruzada por metas e mérito, está na cobrança por resultados, muitas vezes sobre bases inviáveis. Assim, não é raro encontrarmos práticas e didáticas voltadas exclusivamente para a realização de provas externas e, por fim, em casos extremos, é possível nos deparar até com a manipulação de dados.

No ano de 2015, o jornal O Globo denunciou diversas manobras realizadas por cursos preparatórios "campeões do Ideb" para elevarem os seus indicadores. Um artifício comum, segundo a reportagem, seria a criação de turmas diferenciadas, formadas apenas por alunos brilhantes. Estes pequenos grupos eram cadastrados em novos CNPJs, que obtinham resultados muito acima da média da instituição. Em 2018, um jornalista cearense expôs suspeitas de irregularidade na aplicação das provas do Sistema de Avaliação de Educação Básica (Saeb), em Sobral. Os campeões do Ideb se envolveram em uma série de denúncias, pondo em cheque seu desenvolvimento educacional reconhecido nacionalmente na última década.

Quando vale tudo pelo aumento do Ideb, o índice deixa de ter sentido. Isto porque qualquer tipo de avaliação externa não deve configurar-se como um fim em si. Em um cenário ideal, estes dados servem como norteadores de caminhos a serem seguidos. Eles não são pontos de chegada, mas de partida, com potencial para alicerçar a reflexão de novas práticas, o replanejamento e a reavaliação das unidades escolares.

Em nosso país, diante das especificidades de colégios, redes, regiões e culturas, a multiplicidade de significados e significâncias faria com que perguntas padronizadas – e consequentemente por vezes descontextualizadas – tenham uma capacidade limitada de retratar a realidade. Desta forma, um conjunto de aulas que aborde questões do Saeb (a antiga Prova Brasil), compreendendo dificuldades e erros recorrentes em uma turma, baseado nos descritores e detratores, deveria ter muito mais valor do que a nota final da avaliação.

Nos novos padrões avaliativos, a meta é consequência
Não sejamos ingênuos. A realidade é que diretores serão pressionados em caso de "insucesso" na média final de suas escolas. Esse cenário não mudará, ao menos no curto prazo. É uma questão cultural. No entanto, a história apresenta inúmeros exemplos de conquistas, que não obtiveram o resultado oficial esperado. Da mesma forma, é possível construir gestões impactantes e relevantes para o desenvolvimento da comunidade escolar, a despeito do resultado do Ideb.

Acredito que não seja desejo de ninguém permanecer escravo de um índice. Portanto, a alternativa seria criar parâmetros avaliativos, que passem pelo desenvolvimento de novos paradigmas educacionais. Cabe à gestão (em geral) e ao diretor (de forma específica) ter na teoria e na prática clareza acerca de quais serão os objetivos de sua unidade escolar. A chave deste movimento está na percepção de que ser um gestor escolar é muito mais complexo do que tabular dados e comparar resultados.

Como a Escola Ivone Nunes é uma unidade recém-inaugurada, eu sou um gestor privilegiado. Aqui, ainda não existe Ideb. As avaliações externas engatinham. Logo, quase não há pressão. E tentamos trabalhar sem ter este fardo em mente. Objetivamente, sonhamos em construir um espaço onde os nossos alunos tenham prazer em aprender, em que os professores sintam-se felizes ao ensinar e os responsáveis tenham a certeza de que os seus filhos receberão uma Educação de excelência.

Alunos da Ivone Nunes brincando de massinha. Crédito: Acervo pessoal/José Marcos Couto Jr

É evidente que estipulamos metas socioemocionais e cognitivas. Temos como vislumbre a alfabetização dos alunos até sete anos de idade, mesmo com o ciclo no Rio de Janeiro indo até o terceiro ano do Fundamental. Buscamos através de autoavaliações e do diálogo constante reduzir e eliminar conflitos. Para tal, estimulamos o conhecimento de letras e palavras nas brincadeiras da pré-escola, que ainda é atendida por aulas de iniciação à leitura. Realizamos atividades constantes que instiguem o prazer de ler, como a chuva de livros e as visitas às bibliotecas itinerantes. Não buscamos reinventar a roda. Apenas acreditamos que o conhecimento virá através do pertencimento e da alegria do discente em estar dentro do espaço escolar.

Com o dia do folclore, por exemplo, os alunos da nossa escola confeccionaram brinquedos de sucata enquanto outros criaram personagens de lendas com massinha artesanal. Houve música, parlenda e ainda aproveitamos a proximidade do dia dos pais para realizarmos mais um dia de escola aberta com o II Dia de Quem Cuida de Mim. Quase cem responsáveis puderam jogar bola e tênis de mesa. Eles se divertiram ao lado dos filhos e no final nos deram novos feedbacks positivos.

Apresentação do Dia do Folclore na Escola Ivone Nunes. Crédito: Acervo pessoal/José Marcos Couto Jr

Pode ser que depois de tudo isso o Ideb não venha. Mas duvido que alguém consiga me convencer, diante da felicidade da minha comunidade escolar, que um número seja tão importante assim.

Forte abraço,

José Marcos Couto Jr

José Marcos Couto Júnior é formado em História e Mestre em Educação pela Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Em 2018, foi eleito Educador do Ano no Prêmio Educador Nota 10. Servidor da Prefeitura do Rio de Janeiro há 10 anos, atua desde fevereiro como diretor na Escola Municipal Professora Ivone Nunes Ferreira, no Rio de Janeiro.

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