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Sua escola tem projeto?

POR:
Ewerton de Souza
Foto: Getty Images     Arte/Ilustração: Lucas Magalhães

Pergunta costumeiramente feita em educação e certamente respondida de forma positiva por professores, coordenadores pedagógicos e diretores, como se não ter projeto fosse um pecado vergonhoso – daqueles a ser assumido sob o sigilo de uma confissão.

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Mas será que as nossas escolas realmente têm projeto? Não falo de projeto no sentido de uma proposta pontual, com tema específico e um produto ao final. Tampouco do famigerado projeto político-pedagógico (PPP), pensado como um documento que toda escola afirma ter para evitar a ira e a punição dos supervisores escolares.

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Falo de projeto como aspecto essencial da escola, seu propósito, sua identidade e também seu vir-a-ser. Aquilo que justamente o Projeto Político-Pedagógico deveria representar.

O que proponho é esta reflexão: será que nossas escolas têm projeto no sentido etimológico dessa palavra que, segundo o bom Houaiss, é a ação de lançar para a frente?

Projeto pressupõe futuro, uma potência que percebemos em algo e que, embora ainda não esteja concretizado, desejamos trazê-lo à tona e viabilizá-lo. Nesse sentido, ter projeto não é fácil. Embora seja importante documentá-lo, ele não se restringe ao papel. Antes, ele exige que a escola saiba para onde deseja ir. Como sentencia o gato de Cheshire a Alice: “Para quem não faz ideia para onde vai, qualquer caminho pode servir”.

Só que isso não basta para uma escola. Como saber para onde iremos se não tivermos consciência de onde partimos? Se a escola estiver alheia a seu contexto, dificilmente o projeto passará de uma criação literária, até porque a boa literatura nunca se aparta da realidade em que foi concebida. Principiar por algum lugar é necessário.

Ainda assim, de nada vale um projeto com princípios e fins, se ninguém os respeita. E ninguém respeita os princípios e fins de um projeto – ou de qualquer coisa – se estes não foram discutidos pelos envolvidos e estão presentes à consciência de todos.

Daí que projeto não se escreve simplesmente. Constrói-se e se registra. E não se constrói em dois ou três dias, como pressupõe boa parte dos calendários letivos das redes. Levamos anos para construir um projeto.

E sabe por que demora? Porque construir ou reformular um projeto requer mudar culturas: escolar, de trabalho, de comunidade... E mudar culturas exige dialogar com o que está posto. Um diálogo que pede muita paciência.

Ter um projeto, portanto, é ao mesmo tempo não o ter. O projeto, como o homem, é inacabado, ele vai se fazendo no cotidiano da escola. No entanto, uma escola definitivamente não tem projeto quando não se abre a refletir sobre alguns aspectos fundamentais de sua razão de existir: 

De onde partimos
Ao final do ano escrevi que se nós temos consciência de onde paramos, então temos um projeto. Obter essa consciência é provocar na comunidade escolar um exercício de olhar sob duas formas: para trás e em torno. O primeiro para resgatar a história da escola, observando e explicitando o que foi feito nas aulas, o método usado, o que os alunos aprenderam, a nossa pretensa proposta de educação.

No entanto, é necessário olhar em torno, e o fazemos considerando o contexto além da escola: quem são nossos educandos fora do ambiente escolar, como eles vivem com seus pais, quais problemas enfrentam onde moram, dentro de suas casas e nas ruas. Essas informações são fundamentais para traçar a identidade da escola e devem ser colhidas, pelo menos, de dois jeitos: é necessário sair da escola para colhê-las e é necessário abrir as portas da escola para acolhê-las nas pessoas (pais, vizinhos, lideranças). 

Para onde vamos
Tendo consciência de quem somos como escola, temos também um ponto de partida porque, colocada a nossa identidade em perspectiva, emergirá, por oposição e/ou complementação, aquilo que desejamos ser enquanto comunidade escolar. Aqui é importantíssimo registrar. Precisamos discutir e colocar no papel, na lousa, no computador, aquilo que sentimos que nos falta para que possamos realizar (e nos sentir realizados) como espaço de formação de pessoas. Estamos falando em algo mais amplo que objetivos. Estes estabelecem os passos que daremos para trazer à tona a potência que identificamos em nossa comunidade. Mas antes dos objetivos, precisamos definir fins, como alguns gostam de chamar, missão como outros denominam. E definir esses fins tem a ver com imaginar como será o nosso aluno ao final de todo o processo educativo que pretendemos desenvolver.

Com quem estaremos
Definir princípios e fins é essencial ao projeto da escola. Contudo, não é possível fazê-lo sem as pessoas. Portanto, a construção do projeto deve ser feita com uma escuta exaustiva das pessoas, não somente em momentos formais de planejamento, mas principalmente no dia-a-dia. Cabe ao articulador do projeto da escola essa escuta atenta dos interesses, das expectativas e dos problemas de todos. Aqui é fundamental não ouvir um único grupo. Todos têm muito a contribuir: funcionários, professores, alunos, pais, lideranças locais. 

Quanto tempo o tempo tem
Apontei aqui três aspectos fundamentais para se começar a esboçar um projeto de escola. Um quarto não menos importante é o tempo. Como disse, no início, não se constrói o projeto da escola a toque de caixa, a não ser que você queira somente ter um documento em mãos. Também não é possível arrastar as discussões indefinidamente sem estabelecer objetivos e como pretendemos alcançá-los. Por isso o projeto da escola está destinado a um processo espiralado no qual é constantemente avaliado e redimensionado, mas a cada volta da espiral um passo foi dado, alguma coisa foi superada e a escola em si está melhor e mais próxima dos seus fins que na volta anterior. Aqui, mais que eficiência, pesa a sabedoria do gestor de perceber que há um tempo para tudo debaixo do sol...

 

Ewerton Fernandes de Souza é coordenador geral no CIEJA Clóvis Caitano Miquelazzo, escola da prefeitura de São Paulo que lida exclusivamente com Educação de Jovens e Adultos, especialmente na faixa etária dos 15 aos 18 anos. Foi um dos 50 finalistas do Prêmio Educador Nota 10 de 2017. 

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