Como a escola pode criar uma parceria transformadora com a comunidade

A Escola Municipal Professor Waldir Garcia foi inaugurada no dia 4 de outubro de 1986, com o nome de “Centro Comunitário Manoel Ribeiro”, atendendo às solicitações feitas pela comunidade, através da sua representante, a irmã Maria do Rosário, pertencente à Congregação Adoradoras do Sangue de Cristo. Essa construção foi resultado das reinvindicações e da luta de uma comunidade que sonhava em ter uma escola de Ensino Fundamental no seu bairro.

Analisando o histórico da origem dessa escola, podemos perceber que desde o início há uma relação muito próxima entre a comunidade local e a comunidade escolar. A escola e todas as pessoas envolvidas nela são parceiras da comunidade e caminham juntas na busca para superar as dificuldades.

Ao longo desses 33 anos de existência, a escola sempre manteve os portões abertos para comunidade local e esteve sempre aberta também a ouvir as reivindicações dos moradores – e entender seu sofrimento.

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Na época das grandes cheias, em que sofremos com as alagações por estarmos localizados às margens de um igarapé na região amazônica, abrigamos os moradores desalojados e estendemos o horário de funcionamento da escola, iniciando atividades escolares a partir das 6h30 até 17h30, sem interrupção. Elaboramos um calendário especial para atender esta demanda, pois os alunos não tinham para onde ir. Portanto deveriam permanecer o maior tempo possível na escola, único lugar que não ficava totalmente debaixo d’água.

No entorno da escola já houve dois incêndios de grande proporção, atingindo uma grande parte das palafitas, habitações comuns na região Norte, nas quais residem nossos alunos. Neste outro momento de dor, também acolhemos os desabrigados, dando-lhes total apoio e autorizando-os a usar todas as dependências da escola. Tudo isso foi feito sem suspender aula. Não fazia sentido suspender nosso expediente e irmos para nossas casas – dando as costas a essas pessoas, como se nada estivesse acontecendo. Elas precisavam não só de abrigo, mas de apoio moral e companheirismo.

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Assim que os moradores da comunidade se instalaram, chamamos todos para uma conversa. Explicamos que eles poderiam usar todo o espaço da escola, mas que deveriam ter cuidado com o mobiliário, materiais pedagógicos, etc. Refletimos sobre o pertencimento da escola, para que se percebessem como sujeitos ativos desta coletividade. A partir desta discussão, elegeram um líder/coordenador, que ficou responsável pela organização do grupo, ligar o alarme e pelas chaves da escola.

Durante o dia, os comunitários ficavam na quadra. À noite, eles iam para as salas de aula climatizadas, onde afastavam as carteiras e estendiam os colchonetes para dormir, pois era impossível permanecer naquele ambiente externo, com o calor e carapanãs, como são chamados os mosquitos no Amazonas.

Ao amanhecer, antes dos funcionários chegarem à escola, arrumavam as salas, retiravam os colchonetes e retornavam para a quadra. Assim convivíamos em harmonia no mesmo espaço, comunidade escolar e local.

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Nesse arranjo todos saíam ganhando: os moradores da comunidade tinham um lugar para se abrigar e as crianças não perdiam aula. Não havia prejuízo no calendário escolar. Vale ressaltar que no período dessas ocupações, não houve depredação, roubo ou qualquer outro dano ao patrimônio público.

A escola representava um lugar seguro e de acolhida, onde eles contavam com solidariedade, compreensão, comida, aconchego, carinho e mensagens de esperança. A certeza de que estávamos juntos na luta para que eles tivessem moradia e condições dignas de um cidadão. Na falta de políticas públicas, a comunidade local e a comunidade escolar sofrem juntas, daí temos de trabalhar unidos e buscarmos garantir o bem-estar de todos.

A equipe de funcionários da escola foi sensível para mudar a rotina escolar, que afetou a vida pessoal e profissional de todos que ali trabalhavam. Essas pessoas tiveram a coragem de ousar, mudar para ajudar. Exercitamos a empatia, a coletividade, a criatividade e o protagonismo. Juntos, nós agimos como uma verdadeira ESCOLA TRANSFORMADORA, um conceito que na época desconhecíamos. (Em 2017 fomos reconhecidos e agraciados com esse título pela Ashoka e pelo Instituto Alana). O que nós vivenciamos diz respeito a uma célebre frase do Piletti: “A escola é uma das instituições sociais que tem um grande poder de Transformação”.

Seguimos assim até hoje. A cada problema que surge, nos reunimos e buscamos soluções para superar as dificuldades. Quando a Prefeitura de Manaus suspendeu o contrato com empresas de segurança, criando o COSE – Centro de Operações de Segurança Escolar, através da instalação de alarmes nas escolas. Perdemos os vigilantes, o que nos colocou diante da questão: quem abriria os portões da quadra à noite e nos finais de semana para comunidade entrar e jogar bola?

Após uma assembleia, em 8 de julho de 2011, foi decidido que a comunidade continuaria tendo acesso à quadra de esportes, mesmo sem vigia. Eles seriam responsáveis por aquele espaço, onde cada time teria um representante, o qual assinaria um termo de responsabilidade pelo espaço. Criamos as regras em conjunto para uso e manutenção da quadra. Fizemos um cronograma, em que cada grupo tem seus dias e horários definidos, durante toda semana. Os grupos realizam mutirões para prestação de serviço voluntário na manutenção desse espaço, cuidando da pintura, arquibancada, banheiros, troca de refletores, etc.

Esta prática é muito importante, pois a escola está localizada numa área isolada e de risco – e ao ocupar o espaço escolar nos tempos ociosos, a comunidade zela por sua segurança. Em um momento em que tantas escolas são alvo de arrombamentos, depredação e violência, a nossa escola que tem muros baixos e fica isolada mantém-se preservada e segura no meio de tantas ocorrências policiais no estado.

Os pontos positivos da relação ESCOLA e COMUNIDADE merecem ser destacados:

- Praticamos uma gestão participativa, democrática, cidadã e solidária;
- Melhoramos a qualidade do ensino e desburocratizamos as relações;
- Vivemos boas relações pessoais e sociais entre os envolvidos no processo;
- Através da Educação, buscamos superar as dificuldades e garantir o bem-estar de todos;
- Somos agentes facilitadores no desenvolvimento do aluno, buscando mais condições para atuar no desenvolvimento integral do aluno;
- Nossas decisões geraram reconhecimento e uma reputação positiva para a escola.

Assim, em parceria, vamos criando e buscando práticas criativas e inovadoras para resolver problemas que surgem no dia a dia escolar e na comunidade local. A participação da escola na comunidade e da comunidade na escola é relevante no processo educacional. A Educação tem que sair dos muros da escola. De acordo com Piletti: “da mesma forma que a escola, para realizar eficazmente seu trabalho, precisa estar na comunidade, esta não pode estar ausente da escola”.

Termino com um belíssimo poema que retrata muito bem nossa escola:

Era uma vez uma cidade
que possuía uma
Comunidade,
que possuía uma
escola.
Mas os muros
dessa escola eram fechados
a essa comunidade
De repente caíram-se os muros
e não se sabia mais onde
terminava a Escola,
onde começava
a comunidade.
E a cidade passou
a ser uma
grande aventura do
Conhecimento.

(Texto extraído do DVD "O Direito de Aprender", uma realização da Associação Cidade Escola Aprendiz, em parceria com a UNICEF.)

Lúcia Cristina Cortez é professora de Língua Portuguesa e especialista em gestão escolar, com 34 anos de experiência; diretora da Escola Municipal Professor Waldir Garcia, em Manaus, AM, desde 2005

 

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