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Educação Integral: os desafios e o papel do gestor escolar

Para alcançar a integralidade da formação humana é necessário aumentar e diversificar as experiências educativas dos estudantes

POR:
Cláudio Neto
Duas meninas em frente a um computador, uma delas aponta para a tela e a outra sorri
Foto: Getty Images

Nos últimos três anos a implantação da Educação Integral tem sido um dos maiores desafios para mim, para a minha equipe de trabalho e para a comunidade escolar. Isso porque acreditar em outra escola possível é praticamente incompatível com as condições objetivas da Educação brasileira. Os entraves são abundantes e passam pela falta de investimento adequado, desvalorização da profissão docente e falta de autonomia das unidades educacionais só para citar alguns exemplos.

A política de implantação da Educação Integral na cidade de São Paulo, a partir de 2016, não tem redundado em investimentos substanciais nas escolas signatárias desse programa, mesmo com a tímida ampliação do quadro de funcionários. Os incentivos são modestos e não correspondem à demanda de trabalho gerada pelo aumento do tempo de permanência dos alunos nas unidades educacionais. Apesar disso, é importante que o gestor escolar entenda que não dá para ficar aguardando que esse quadro mude para que a o direito à Educação Integral seja assegurado. Nesse sentido, por mais controverso que isso pareça, é fundamental mobilizar toda a equipe escolar e insistir na implantação da Educação Integral e em tempo integral, uma vez que é por meio dessa concepção de educação que será possível alcançar a qualidade de ensino desejada.

A legislação

A ideia de formação total/integral dos sujeitos não é tão recente e no Brasil é preconizada no Artigo 205 da Constituição Federal de 1988 e no Artigo 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, que mencionam o pleno desenvolvimento da pessoa e do educando, respectivamente. Por sua vez, a meta 6 do Plano Nacional de Educação (PNE), estabelece que no período de 2014 a 2024 o país deve oferecer Educação Integral em pelo menos 50% das escolas públicas, de modo a atender a 25% dos alunos da Educação Básica. Embora pareça pouco, esta meta é considerada bastante ambiciosa por especialistas em educação.

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O conceito         

O gestor escolar sabe que Educação Integral e escola em tempo integral não são a mesma coisa, embora também saiba que há uma correspondência relativa entre essas duas coisas. Enquanto o conceito de Educação Integral abrange a formação do aluno nas suas múltiplas dimensões: intelectual, física, social, cultural e emocional, a ideia de escola em tempo integral está relacionada à ampliação do tempo de permanência do aluno na unidade educacional. Ocorre que, para alcançar essa integralidade da formação humana é necessário aumentar e diversificar as experiências educativas dos estudantes, o que implica em estender o tempo da escola. Esta combinação de Educação Integral/em tempo integral com a diminuição da desigualdade social tem sido a fórmula mais bem-acabada dos países ocidentais para obter uma Educação reconhecidamente de qualidade.

Sabe-se que o tempo de permanência dos alunos nas escolas brasileiras está em descompasso com o que acontece em muitos países, sobretudo naqueles que têm uma economia tão pujante quanto a nossa, porque nos falta, principalmente, esta fórmula bem-acabada. No Brasil, o tempo de permanência diária na escola varia de quatro a cinco horas, enquanto nos países desenvolvidos esse tempo é de sete horas. Mesmo na Finlândia, país que ocupa o topo no ranking do PISA, e que declara ter um tempo de permanência diária curto, esse período é de quatro a sete horas. Como se vê, para alcançar uma Educação de qualidade no Brasil, é necessário estabelecer essa correspondência entre a noção de Educação Integral e a ampliação das oportunidades de aprendizagem dos alunos, sem esquecer, evidentemente, de que a diminuição da desigualdade social é uma condição fundamental para se alcançar esse objetivo.

As condições objetivas

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e a explicação de que esta situação seria o efeito do baixo nível de escolarização da população vem caindo por terra. De acordo com o resultado da pesquisa apresentada pelo sociólogo e economista Marcelo Medeiros, da Universidade de Brasília (UNB), durante o Seminário Anual do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (Ieat) realizado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em outubro de 2018, o investimento em Educação é insuficiente para reduzir a desigualdade social. Ainda que a Educação seja importante não significa que o acesso ao diploma leva à diminuição da desigualdade social. Contudo, cabe a ressalva de que nem por isso a Educação deixa de ser importante, porque, como dizia o saudoso Paulo Freire, “se a Educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda”.

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Educação Integral e equidade

Os conceitos de inclusão e equidade são os fundamentos entre a garantia do desenvolvimento dos sujeitos em todas as suas dimensões e o aumento do tempo de permanência na escola. O reconhecimento das singularidades e a organização da escola sob as bases da igualdade de oportunidade e da justiça podem assegurar um ensino de qualidade preconizado na ideia de Educação Integral. Pesquisas também indicam que as crianças das classes populares terão mais longevidade escolar quanto mais cedo elas começarem a frequentar a escola e por mais tempo permanecem nela diariamente.

Uma classe de EJA na EMEF Infante Dom Henrique
A Educação de Jovens e Adultos na EMEF Infante Dom Henrique atraiu mães, pais e familiares/ Foto: Cláudio Neto

A ampliação do conceito: a Educação ao longo da vida

Das ações que cabem ao gestor escolar e à sua equipe, sobretudo à coordenação pedagógica, duas são fundamentais e elas são complementares. Em primeiro lugar, promover a formação sobre essa temática e, segundo, discutir a ideia de Educação ao longo da vida, o que corresponde ao alargamento da própria noção de Educação Integral. Nessa perspectiva, para o gestor escolar da rede pública, aumentar o tempo de permanência dos estudantes na escola pode ser combinado com o aumento de escolaridade dos seus pais e/ou familiares. Se por um lado, ingressar na mais tenra idade no sistema educacional pode significar o aumento da média de anos de estudos, por outro, proporcionar o retorno à escola aos pais e familiares de baixa escolaridade é o maior compromisso político de quem compreende a realidade educacional brasileira.

Foi a partir dessa compreensão que no início desse ano, com o apoio da diretoria regional de Educação, nós implantamos a Educação de Jovens e Adultos (EJA) na nossa escola. Com isso, muitas pessoas da comunidade escolar, mães, pais e familiares dos nossos alunos tiveram a oportunidade de voltar a sonhar com um futuro no qual a escola passou a ser a trilha da esperança, que para alguns pode representar conquistas profissionais e para outros a singela capacidade de se proclamarem estudantes.       

Os desafios

Apesar de começarmos de maneira tímida a implantação da Educação Integral em tempo integral nós conseguimos avançar consideravelmente ao longo de três anos, a despeito de todas as dificuldades já mencionadas. Em 2016 nós instituímos a Educação Integral do 1º ao 2º ano, em 2017 ampliamos até o 3º ano e em 2019 estendemos até o 5º ano, o que significa que a Educação Integral foi implantada plenamente na primeira etapa do Ensino Fundamental. Como não temos mais espaço físico para continuar ampliando até o 9º ano nós estamos reivindicando a construção de outro prédio para instalar a escola e que permitirá alcançar outro objetivo mais audacioso. Ao invés de continuarmos adequando os nossos projetos a uma estrutura física nós queremos pensar uma estrutura física a partir dos nossos projetos e da nossa concepção de Educação.

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Os resultados

Embora essa investida seja relativamente recente para a obtenção de resultados mais consistentes, alguns ganhos já são reais. Em 2018 foi publicado o resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), medido em 2017, e a escola alcançou a meta projetada para o 5º ano, algo que não acontecia desde 2009. Igualmente importante é o reconhecimento do trabalho pela comunidade e que tem nos reservado um lugar de alto prestígio, a ponto de criarmos o curso de EJA para ampliar as oportunidades de aprendizagem para toda a comunidade escolar.

Outras palavras

Falar sobre um tema tão premente na agenda das escolas em um país que não investe satisfatoriamente em áreas sociais e principalmente na Educação, a partir da experiência de uma escola, não é uma tarefa fácil. No entanto, o que discutimos e apresentamos aqui não é um caso isolado. Há várias escolas que coletivamente vêm realizando as mesmas coisas Brasil afora, para tentar minimizar os efeitos da brutal desigualdade social que invariavelmente se converte em desvantagens escolares para os alunos mais vulneráveis socialmente. Por fim, sei que somos movidos pelo dever moral de assegurar o direito à educação aos nossos alunos e toda a comunidade escolar, porque, segundo o querido professor José Sérgio de Carvalho, todo direito tem uma obrigação correlata e nós somos os agentes públicos responsáveis por essa obrigação.

Para saber mais

http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=34574&Itemid=444

Claudio Marques da Silva Neto é diretor da EMEF Infante Dom Henrique, em São Paulo. Tem experiência em direitos humanos, formação docente, cultura escolar, indisciplina, violência e gênero. É mestre e doutorando em Educação pela Universidade de São Paulo (USP).

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